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600 Grosser: o Mercedes-Benz favorito dos ditadores… e de Jack Nicholson

Pense no carro mais luxuoso que já viu na sua vida. Se você pensou em um Rolls-Royce, Bentley ou Maybach modernos, é compreensível. Mas talvez você esteja acostumado ao padrão moderno dos carros de luxo. Há cinco décadas, contudo, o carro de luxo mais luxuoso que o dinheiro podia comprar era o Mercedes-Benz 600 Grosser — tanto que seus clientes mais fieis eram ditadores e celebridades multimilionárias. Mas o que este carro tinha de especial? Em uma palavra: tudo.

Para começar, ele é bem raro: foram fabricadas apenas 2.677 unidades em dezoito anos de produção, de 1963 a 1981 — uma média de 148 unidades por ano, todas construídas de modo quase todo artesanal. Se uma peça era fabricada por uma máquina, ela recebia acabamento feito à mão, o que garantia um padrão de qualidade elevadíssimo e, claro, exclusividade.

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O 600 Grosser, cuja plataforma tinha o código W100, trazia a mesma identidade visual dos outros grandes Mercedes da época. Mas era muito mais luxuoso, e estava disponível como um sedã normal ou limusine de entre-eixos longo. Nesse caso, era chamado de Mercedes-Benz 600 Pullman, em referência aos vagões de trem operados pela empresa americana de mesmo nome. E ainda era possível optar por um Landaulet — um Pullman com teto conversível para os passageiros dos bancos de trás. E, caso você quisesse ostentar mesmo, podia comprar um Mercedes-Benz 600 limusine de seis portas.

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Rainha Elizabeth II em seu 600 Landaulet

Quando falamos de carros de luxo, falamos de carros grandes. E o 600 era enorme. A versão de entre-eixos curto, para se ter uma ideia, media 5,45 metros de comprimento e tinha 3,2 metros de entre-eixos. O Pullman, então, era ainda mais exagerado: tinha 6,24 metros de comprimento e entre-eixos de 3,9 metros — ou 30 cm a mais que o comprimento de um VW Up! Espaço interno definitivamente não era um problema.

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Diz aí: você não moraria ali dentro?

Obviamente um carro destas proporções não era nada leve. Em uma época quando alumínio era reservado aos carros de corrida e fibra de carbono ainda não fazia parte do vocabulário dos fãs de carros, o 600 Grosser era 2.600 kg de puro aço alemão. Ou, no caso do Pullman, 2.770 kg.

Nem mesmo o maior e mais potente motor da Mercedes-Benz na época — o seis-em-linha de três litros e 160 cv do Mercedes 300 — era suficiente para puxar tanto peso por aí. Por isso, os alemães precisaram desenvolver um motor novo: um V8 de 6,3 litros de codinome M100.

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Com comandos nos cabeçotes e injeção mecânica Bosch, o M100 entregava exatos 250 cv a 4.000 rpm e 51 mkgf de torque a 2.800 rpm. Tempos de aceleração não são tão importantes em um automóvel como este, mas a velocidade máxima, em ambas as versões, era de pouco mais de 200 km/h. Não é preciso muito mais do que isto, é?

E tem mais: depois de estrear no Mercedes 600, o M100 foi usado no famoso 300SEL 6.3, produzido entre 1968 e 1972. Ele era bem menor e mais leve (pesava 1.830 kg), e era capaz de chegar aos 100 km/h em 6,3 segundos, com máxima de 229 km/h. Era o sedã mais veloz do mundo na época.

O aspecto mais impressionante do Mercedes-Benz 600, porém, não era o motor, e sim seu sistema hidráulico. Operando a 3.200 psi (ou 220 bar) de pressão, o sistema usava óleo mineral e era responsável por controlar as janelas, os bancos ajustáveis, o sistema de ventilação, as portas e a tampa do porta-malas, o teto solar e a rigidez dos amortecedores.

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Parece complicado — e, de fato, é. Mas segundo os especialistas em Mercedes-Benz clássicos, o sistema “dura para sempre” se for bem cuidado. Os problemas surgiam quando a manutenção era feita por mecânicos inexperientes, que colocavam fluido sintético de transmissão, em vez de óleo mineral. Com isso, as mangueiras ressecavam e rachavam, e qualquer vazamento era suficiente para comprometer boa parte dos sistemas do carro a longo prazo.

Caso o vazamento ocorresse nas portas, com o tempo elas ficavam cheias de fluido e começavam a vazar pelas soleiras. E a pressão era tanta que, caso um jato de fluido atingisse seu corpo, poderia machucar. Mas o dever de qualquer um que tivesse bala na agulha para comprar um 600 Grosser era manter tudo em ordem, não é mesmo? De qualquer forma, caso fosse necessário um reparo de emergência, o porta-malas vinha equipado com um kit de peças sobressalentes, que incluía mangueiras, válvulas e uma boa dose de óleo mineral.

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Em 1963, quando foi lançado, o Mercedes-Benz 600 Grosser custava a partir de US$ 20.000. Em dinheiro de hoje, isso dá cerca de US$ 160.000 (R$ 562.000 em conversão direta). Para efeito de comparação, um Mercedes-Benz Classe S — topo de linha dos alemães atualmente — parte de US$ 95.000 (R$ 334.000, também em conversão direta).

Já deu para sacar que ser dono de um Mercedes 600 não era para qualquer um. Déspotas famosos pela história, como Saddam Hussein, Mao Tse-Tung e os dois líderes anteriores da Coreia do Norte, Kim Il-sung e Kim Jong-Il, tiveram seus exemplares, bem como Idi Amin Dada, o sanguinário ditador de Uganda nos anos 70.

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As maiores celebridades do mundo na época também garantiram os seus. Dois dos Beatles, John Lennon e George Harrison, por exemplo — sendo que Harrison ainda comprou o carro de Lennon quando o líder da banda se mudou do Reino Unido para os EUA. Elvis Presley (que, até onde se sabe, não atirou no Mercedes como fez com seu Cadillac Eldorado e seu De Tomaso Pantera…); Coco Chanel; o vocalista do Jamiroquai, Jay Kay (que comprou o carro que era de Coco) e Jay Leno (óbvio) também foram donos de Mercedes 600. Jeremy Clarkson também tem o seu— e o exibiu diante das câmeras em um desafio do Top Gear contra o Rolls-Royce Corniche de James May.

Mas o exemplar mais famoso talvez seja o de Jack Nicholson, que comprou o carro depois de usá-lo no filme “As Bruxas de Eastwick” (The Witches of Eastwick, 1987). No filme, Nicholson interpreta o milionário Daryl van Horne (que, na verdade, é o Diabo encarnado). Em uma cena de perseguição, o Mercedes bate de frente em um muro de concreto.

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Segundo consta, Nicholson gostou tanto do carro que o comprou dos produtores do filme e mandou restaurar detalhadamente. Depois de usá-lo por algum tempo, o ator simplesmente doou seu Mercedes 600 ao Museu Automotivo Pertersen, em Los Angeles, onde permanece em exposição até hoje.