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Car Culture

Maximum Bob: conheça a história do pai do Viper, do BMW Série 3 e de vários outros carros que todos nós adoramos

Bob Lutz não é um nome muito conhecido fora do mundo dos negócios e dos petrolheads mais estudiosos. Se você ainda não conhece, saiba que este cara é responsável por muitos dos carros que você mais gosta, algo que lhe rendeu um lugar entre os maiores executivos da história. E não dizemos que é um dos maiores por ele ter 1,92 m de altura, mas sim porque quando “Maximum Bob” está envolvido no projeto, os carros serão de tirar o chapéu.

Em uma época em que o marketing transforma os automóveis em gadgets ou simplesmente ignora o que eles têm de mais autêntico, criando versões meramente estéticas (sim: estamos falando de vocês, esportivos de adesivo e aventureiros do asfalto!), Lutz é reconhecido como um executivo de marketing que sabe exatamente o que o consumidor quer, e cria as condições para que esses carros sejam produzidos unindo equipes de engenharia e de design. Em suma, ele é um homem de vendas que sabe o que entregar. Tanto que muita gente o confunde com um engenheiro — e dos bons.

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Foto: Montalbetti e Campbell/Corbis Outline

Robert Anthony Lutz nasceu em 12 de fevereiro de 1932 em Zurique, na Suíça. Filho de americanos, ele foi para Scardale, em Nova York, quando tinha sete anos, em 1939, mas ainda apenas como cidadão suíço. Como bom filho de sua terra, Lutz fala fluentemente alemão, francês e um pouco de italiano, além do inglês.

Aos 11 anos Lutz também recebeu a nacionalidade americana. Longe de ser um aluno modelo, Lutz deixou a escola e foi trabalhar em um depósito de artigos de couro, o que o fez decidir que estudar não era tão ruim assim, no final das contas. Depois de conversar com o pai, fez com ele um trato: ganharia os estudos se prometesse se alistar no Exército americano.

Em 1947, Lutz voltou à Suíça para estudar. Foi para Lausanne e teve aulas com George-André Chevallaz, um cara que nenhum dos estudantes entendia por que era professor — ele parecia destinado a voos maiores. Anos depois, em 1980, Lutz o veria presidente da Suíça.

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Esse é apenas um dos personagens do livro “Icons And Idiots”, sem tradução para o português, mas que teria um título como “Ícones e Idiotas”, uma obra de Lutz sobre os grandes líderes que ele encontrou ao longo da vida. E os grandes imbecis, também. É, como se pode imaginar, meio autobiográfica e muito legal para aprender mais sobre este mestre.

Em 1953, Lutz comprou seu primeiro carro, um Fusca 1948. “Se você já dirigiu um Fusca sobre piso pé de moleque molhado, não há sobresterço que você não consiga controlar”, Bob costuma dizer sobre esse período de “aprendizagem”.

Depois de se formar em Lausanne, em 1954, Lutz cumpriu o trato feito com o pai e se inscreveu no Exército americano aos 22 anos. O sr. Lutz queria que o filho aprendesse a ter disciplina; Bob queria se tornar piloto de caça. O recrutador disse que, por não ser ainda formado em nenhuma faculdade, o jeito mais fácil de conseguir seria se alistando no corpo de fuzileiros. Depois de dois anos de serviço, ele poderia se candidatar ao treinamento de pilotos.

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Lutz foi um dos poucos da turma a conseguir se tornar piloto. Ficou em serviço de 1956 a 1965. Nesta época, ele se casou pela primeira vez e teve a primeira de suas quatro filhas.

A paixão pela aviação foi tanta que, depois de sair dos fuzileiros, e quando já tinha grana suficiente para a empreitada, Lutz comprou seu próprio caça. Na verdade, mais de um: estão em seus angares um Dornier Alpha Jet e um L-39 Albatros, que ele pilota quando dá na veneta. Ele também tem um helicóptero e uma bela coleção de carros e motos.

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Seu cartão de visita, durante um bom tempo, dizia que ele era qualquer coisa e piloto de caça. E ele já foi um bocado de coisas: analista sênior de vendas (seu primeiro emprego na indústria), vice-presidente, consultor e, mais recentemente, escritor.

 

GM: a entrada no ramo dos automóveis

A faculdade veio pouco depois do início de seu treinamento como piloto e ele se formou em Berkeley, em 1962, como administrador de empresas. Depois de formado, ele quis trabalhar para a Ford, mas seu pai, vice-presidente do Crédit Suisse, achou mau negócio. Telefonou aqui e ali e conseguiu que Lutz fosse entrevistado e contratado para o cargo que já mencionamos. Lutz ficou na GM por oito anos.

Uma das passagens mais curiosas que ele viveu na GM foi por volta de 1968. A Opel, braço europeu da GM, havia organizado um test drive para engenheiros e gerentes compararem os carros da Opel com os equivalentes da Ford, Volkswagen e outras.

O teste tomou todo o dia e, na hora do almoço, Lutz procurou Hans Mersheimer, diretor técnico da marca. “Alguém nos EUA me disse que o Kadett não é seguro. Ele capota fácil quando se faz o teste J”. Mersheimer negou veementemente: “Impossível. Americanos sempre andam com a calibragem errada. Nosso carro é seguro”. “Deixa que eu te mostro”, disse Lutz, “mas preciso que alguém me explique como é o teste J”.

O tal teste J era basicamente um cavalo de pau a 50 mph, ou 80 km/h. Carro nenhum deveria capotar. Cinco minutos depois, Lutz colocou 80 km/h no velocímetro, puxou o freio de mão e deu aquela virada no volante. O carro adernou e capotou, como ele havia dito.

De terno, sem capacete, Lutz saiu do carro capotado, acendeu um charuto e foi fotografado com o pé em cima de seu troféu, esperando que os demais gerentes e engenheiros verem o resultado de sua “caçada”. Consta que o Kadett, nosso Chevette, foi devidamente corrigido.

Outro desenvolvimento de que Lutz participou foi do mítico Opel GT. Amigo dos designers, ele conseguiu fazer com que o carro fosse apresentado como conceito nos salões de Frankfurt, em 1965, e de Paris. Seus chefes não gostam muito, mas o carro tem uma recepção calorosa do público e a Opel acabou decidindo construí-lo.

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Lutz é o segundo da direita para a esquerda

O carro deveria ter sido montado pela Karmann, mas acabou nas mãos da Brissoneau et Lotz. Não por algum parentesco entre as famílias Lotz e Lutz, mas sim porque a Brissoneau tinha um orçamento 40% mais baixo. Quem peitou os executivos alemães foi um dos personagens do livro de Lutz, Ralph Mason, um alcoolista que mostrou a ele um estilo de liderança interessante: o da não interferência.

 

As novas séries da BMW

Em 1972, com a oferta de um salário dez vezes maior do que o que ele recebia na GM, Lutz foi trabalhar na BMW como diretor de marketing e vendas. Logo na chegada ele foi o responsável pela criação de um dos modelos mais famosos da marca, o Turbo, carro que inspirou o M1.

Incrivelmente, o modelo nasceu depois da primeira rusga de Lutz com seu novo chefe, o barão Eberhard Von Kuenheim, um camarada ladino que só vendo, que poderia ter inspirado os personagens do filme “Segundas intenções”. Cordato e educadíssimo, ele queimava seus subordinados como ninguém. Um deles foi Lutz.

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Assim que começou a cuidar da marca, Von Kuenheim o chamou e disse que queria mostrar ao mundo seu novo sedã médio, que ainda estava em desenvolvimento. O modelo, que viria a ser o novo Série 5, era conhecido apenas como E12, seu código de desenvolvimento. Lutz pôs o pé na porta. Isso mataria os modelos à venda na época, o 1800 e o 2000.

O barão, irritado, pediu a Lutz uma solução, que propôs a criação de um conceito matador. Von Kuenheim, então, chamou o chefe de design, um tal de Paul Bracq, pediu a ele ideias e o resultado foi o Turbo. Suas portas asa-de-gaivota renderam uma visitinha do barão e de Lutz a Joachin Zahn, CEO da Mercedes-Benz, na época. Lutz achou que era uma visita de cortesia, mas não era bem assim: Zahn ficou puto com o Turbo e cobrou satisfações.

E aí veio a parte bizarra: Von Kuenheim deu razão a Zahn, pediu desculpas e inclusive prometeu que venderia menos carros com motores de seis cilindros para que a Mercedes-Benz não sofresse com as vendas crescentes daquela configuração.

Lutz, sem entender nada, perguntou a Von Kuenheim por que eles haviam dado ouvidos a Zahn, em primeiro lugar. O barão, sorrateiro, disse que “Herr Flick”, um dos maiores acionistas da Mercedes-Benz, era muito amigo de Herbert Quandt, ninguém menos do que o dono da BMW. Em suma, Von Kuenheim levou Lutz à casa do concorrente para que Lutz levasse a culpa pelo carro.

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Outro episódio que mostra bem o caráter de Von Kuenheim aconteceu quando a BMW precisava adotar uma nova nomenclatura para seus carros. Eles eram batizados pelo motor que usavam, mas as plataformas estavam começando a usar motores em comum. Ninguém sabia o que fazer até que Oskar Kolk, gerente de vendas da BMW na Alemanha, procurou Lutz para conversar a respeito.

“Eu pensei em chamar os modelos de entrada de Série 3, os intermediários de Série 5 e os maiores de Série 7. Esse número seria sempre o primeiro da designação deles. Os dois outros dígitos seriam para o motor, então poderíamos ter o 316, o 318 etc. O intermediário, que ainda não lançamos, mas que virá com o motor 2.0, pode ser o 520. Quando lhe dermos o motor de seis cilindros 2.5, ele será o 525, que não poderá ser confundido com nosso modelo de luxo, já que este será o 725. O que o senhor me diz?”, perguntou Kolk a Lutz.

Nosso petrolhead, obviamente, adorou a ideia. E a levou a Von Kuenheim, que a recebeu de maneira vaga, dizendo que Herbert Quandt já tinha uma ideia de nome. O Série 5 seria o BMW 2.0. Lutz relutou: “E quando ele tiver motor de seis cilindros, vamos chamá-lo de 2.0-2.5?”. Von Kuenheim levou Lutz para falar com o “dr. Quandt”, na época cego e dono de 75% das ações da empresa.

Quando Lutz expôs a Quandt como a nomenclatura proposta por ele poderia ser complicada, o chefão se enrolou e ficou furioso com o “suíço-americano” que ousava desafiá-lo. Afinal, ele era o dono da bagaça toda. Von Kuenheim dizia: “Vamos aceitar a proposta do dr. Quandt, tenho certeza de que vamos achar uma solução para os outros motores”.

Mas Lutz não entregou os pontos. Disse que a única proposta aceitável era a de Kolk e que, se não acreditasse que isso era o melhor para a empresa, ele não a defenderia. Convencido, Quandt teria dito: “Senhores, posso ser o dono e chefe do conselho, mas não vou me impor à recomendação de vocês, mesmo que eu não goste dela. Tendo dito isso, sr. Lutz, e ainda que eu admire sua tenacidade e coragem, eu devo dizer que o sr. está abusando de sua sorte ao me confrontar desta maneira. Abusando da sorte!”

Depois de a proposta ter vencido, e viver até hoje, Lutz percebeu que Von Kuenheim queria a mesma coisa, mas o colocou como boi de piranha na história para que ele defendesse o que era correto e sofresse os danos políticos de contrariar o dono da BMW, enquanto ele saía ileso da história toda. E com a melhor solução para a empresa.

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Duas outras criações de Lutz foram o BMW 3.0 CSL (o “Batmóvel”), e o 2002 Turbo, que Von Kuenheim usou, na época, para queimar ainda mais seu executivo. A Alemanha começava a se preocupar com questões ambientais e os carros foram imediatamente vistos pela imprensa como vilões. Hoje, os modelos são disputados a tapa por colecionadores.

A intenção da fritura era tirar Lutz da empresa. O barão passou a considerá-lo uma ameaça e tinha até a receita para tirar o funcionário sem se desgastar: deixar ele tocar seus projetos e ressaltar na imprensa o que desse errado. De saco cheio, e com uma proposta da Ford, Lutz pediu o chapéu depois que um concessionário trambiqueiro, que não teria sua concessão renovada, foi esfregar na cara dele o contrato assinado por Von Kuenheim.

 

Ford Sierra e a volta aos EUA

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Em 1975, Lutz se tornou CEO da Ford da Europa. Por lá, ele foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Sierra, chamado de projeto Toni. Com seu chefe, Red Poling, ele aprendeu a ser sovina e conseguiu que o programa de desenvolvimento da segunda geração do Fiesta, que custaria US$ 1,1 bilhão, saísse por US$ 407 milhões.

 

Foi pela Ford que Lutz voltou aos EUA para se tornar vice-presidente e membro do conselho de administração da empresa. Ele ajudou no desenvolvimento do Explorer, um sucesso absoluto de vendas nos EUA e pai da onda de SUVs, que continua forte até hoje.

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A ida para a Chrysler e os hot rods modernos

Em 1986, Lutz foi convidado por Lee Iacocca para ir para a Chrysler como vice-presidente executivo, onde ele ajudou a desenvolver o Viper e o Plymouth Prowler. O relacionamento com Iacocca não foi fácil desde o começo.

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Lutz havia saído da Ford pouco depois do lançamento do Taurus, que ele havia defendido ardentemente. Iacocca tirou sarro do carro, dizendo que ele seria um fracasso de vendas e que seus modelos, o Dodge Dinasty e o Chrysler Fifth Avenue, haviam se saído muito melhor em clínicas, com uma nota média mais alta. Enquanto o Taurus havia ficado com 5, os modelos Chrysler tiraram 7,5.

O problema é que Lutz havia tido acesso às pesquisas. E, como de costume, foi o mais franco que podia ser: disse a Iacocca que o Taurus havia tido várias notas 10 e vários 1 ou 2, o que significava que o modelo polarizava opiniões. Era do tipo “ame ou odeie”, mas muita gente havia amado. Os modelos Chrysler tiraram 7,5 porque ninguém desgostou deles, mas também não eram veículos desejados.

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Iacocca nunca havia sido corrigido e manteve sua aposta. O Taurus vendeu uma média de 400.000 unidades por ano. Os Chrysler, juntos, não chegaram a 200.000. Por essas e outras, quando chegou o momento de ser sucedido na Chrysler, Iacocca indicou Bob Eaton para a presidência, decisão de que ele se arrepende publicamente até hoje. Eaton entrou em 1993 e ficou por lá até 1998, quando a Chrysler foi vendida para a Mercedes-Benz e formou a DaimlerChrysler, de triste lembrança. Bob foi “convencido” a se aposentar.

 

Aposentadoria?

 

Mas o cara não sossega. Foi convidado e passou alguns anos, de 1998 a 2001, como presidente da Exide, uma fabricante de baterias, até que voltou à GM em 2001. Seu contrato duraria três anos, mas ele acabou ficando por lá nove anos, saindo em 2010. A história de sua chegada vale um pouco mais de seu tempo de leitura. Em uma reunião do Harvard Business School em 2001, na qual Lutz foi o palestrante, Rick Wagoner, CEO da GM, o apresentou de forma irreverente.

Lutz, ligeiro, disse que qualquer CEO que tivesse algum tipo de responsabilidade sobre o Pontiac Aztek tinha telhado de vidro para fazer qualquer crítica. Depois da troca de farpas, os dois se sentaram na mesma mesa e Wagoner perguntou a Lutz o que ele achava da linha da GM na época. “Quanto tempo você tem e por onde quer que eu comece?”, respondeu Bob, lavando a alma em seguida sobre como a coisa na GM estava ruim.

A princípio, Wagoner quis levá-lo à empresa como consultor, mas Lutz não aceitou. Primeiro, porque ele seria visto como alguém de fora. Segundo, porque nada do que ele diria seria respeitado. Se era para ele ajudar, que fosse de uma forma efetiva. Wagoner o achava velho demais para ser contratado, mas acabou reconsiderando e contratando Maximum Bob.

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Mais do que criar produtos legais, como o Cadillac CTS, o Pontiac GTO (um Omega australiano com duas portas) e o Pontiac Solstice, ou visionários, como o Chevrolet Volt, Lutz ajudou a mudar a cultura da companhia. Com a crise de 2008, Lutz acabou ficando na empresa mais tempo do que Wagoner, que foi “convencido” a sair da empresa para que um novo administrador assumisse o posto.

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Depois de sair da GM, Lutz continuou envolvido com os automóveis. Pegou o malfadado Fisker Karma e criou sua versão do elétrico de autonomia estendida colocando sob o capô um motor V8 6.2 do Corvette. Também virou sócio da VIA Motors, que faz picapes elétricas nos EUA.

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Não há sinais de que o velho Bob queira se aposentar. Seu pai trabalhou no Crédit Suisse até os 90 anos. Aos 83, Lutz parece querer repetir a história. Fumando charutos, pilotando jatos e criando carros sensacionais.

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Foto: Road & Track