FlatOut!
Image default
História

Mazdaspeed: a equipe de corridas que virou preparadora de fábrica

Existem certas verdades que nos incomodam apenas como lembramos delas. A ausência da Mazda no Brasil, por exemplo – a última concessionária da marca em nosso País fechou as portas em 2000, há exatos 20 anos. Presente no Brasil por menos de uma década, a Mazda não conseguiu criar raízes no Brasil como fizeram Honda e Toyota, e seus carros nunca atingiram a mesma popularidade no Brasil. Por isso, sua ausência não é tão sentida… até pensarmos a respeito.

Isto porque a pegada da Mazda sempre foi a de uma empresa entusiasta. O MX-5 Miata é considerado um dos carros mais divertidos de dirigir que existem, o RX-7 fez história com seu motor Wankel biturbo de quase 300 cv, o 787B foi o primeiro protótipo japonês a vencer as 24 Horas de Le Mans… não faltam predicados.

Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicoshistórias de carros e pilotosavaliações e muito mais!

 

FLATOUTER

O plano mais especial. Convite para o nosso grupo secreto no Facebook, com interação direta com todos da equipe FlatOut. Convites para encontros exclusivos em SP. Acesso livre a todas as matérias da revista digital FlatOut, vídeos e podcasts exclusivos a assinantes. Direito a expor ou anunciar até sete carros no GT402 e descontos em oficinas e lojas parceiras*!

R$ 26,90 / mês

ou

Ganhe R$ 53,80 de
desconto no plano anual
(pague só 10 dos 12 meses)

*Benefícios sujeitos ao único e exclusivo critério do FlatOut, bem como a eventual disponibilidade do parceiro. Todo e qualquer benefício poderá ser alterado ou extinto, sem que seja necessário qualquer aviso prévio.

CLÁSSICO

Plano de assinatura básico, voltado somente ao conteúdo1. Com o Clássico, você terá acesso livre a todas as matérias da revista digital FlatOut, incluindo vídeos e podcasts exclusivos a assinantes. Além disso, você poderá expor ou anunciar até três carros no GT402.

R$ 14,90 / mês

ou

Ganhe R$ 29,80 de
desconto no plano anual
(pague só 10 dos 12 meses)

1Não há convite para participar do grupo secreto do FlatOut nem há descontos em oficinas ou lojas parceiras.
2A quantidade de carros veiculados poderá ser alterada a qualquer momento pelo FlatOut, ao seu único e exclusivo critério.

É o tipo de coisa que agrega valor à marca e inspira consumidores a procurar seus produtos – como o que acontece quando algum admirador do Honda NSX compra um Civic, por exemplo. Já os fãs brasileiros da Mazda não podem fazer o mesmo.

Lá fora, porém, a Mazda segue firme. Modelos como o Mazda3 e o Mazda6 são bem avaliados e populares, e o centro de pesquisa e desenvolvimento da fabricante segue procurando formas de criar motores mais eficientes e econômicos neste momento de ascensão dos elétricos. A Mazda é uma companhia entusiasta.

Contudo, recentemente veio a notícia de que sua divisão esportiva, a Mazdaspeed, vai fechar as portas. Modelos como o Mazdaspeed3 e o Mazdaspeed6 agora fazem parte do passado, e mesmo séries especiais do Miata agora não terão mais o sobrenome Mazdaspeed. A Mazda garante que é só uma mudança de nome, e que o departamento continua na ativa. Só que, ainda assim, trata-se de uma mudança simbólica, mostrando que alta performance não é mais tão importante quanto ter carros limpos e “verdes”.

Fazendo uma analogia, a Mazdaspeed era para a Mazda o que a linha RS é para a Ford, a divisão M para a BMW, ou a divisão N para a Hyundai. A Mazdaspeed já fez versões especiais do MX-5, do RX-8 e do kei car AZ-1, além dos já citados Mazda3 e Mazda6. Mas a divisão também é responsável pelos esforços nas pistas, organizando campeonatos monomarca para proprietários de modelos da Mazda – em especial o Miata, que é um dos esportivos mais populares em competições regionais mundo a fora por seu baixo preço, sua dinâmica acessível e sua receptividade a modificações.

É apropriado pois, embora tenha começado a preparar as versões esportivas da Mazda só nos anos 1990, a Mazdaspeed tem suas origens na década de 1960, quando era uma equipe de corrida quase independente, a Mazda Sports Corner – que é um nome muito bacana, diga-se.

 

Equipe de fábrica

A Mazda Sports Corner foi fundada em 1967 por Takayoshi Ohashi, dono da distribuidora Mazda em Tóquio. A história diz que alguns funcionários da concessionária eram entusiastas de corpo e alma – além de trabalhar vendendo e consertando carros da Mazda durante a semana, aos fins de semanas eles participavam de corridas. O que a história não diz é se eram apenas corridas organizadas em autódromos ou se eles também davam suas esticadas nas touges das montanhas e nas longas rodovias intermunicipais, as wangan, mas isto é só um detalhe.

Aparentemente o que motivou a criação da Mazda Motorsports Corner foi o lançamento de um dos carros mais emblemáticos dos anos 1960: o Mazda Cosmo 110S, primeiro automóvel da marca a utilizar o motor rotativo Wankel. O Cosmo era um carro absurdamente bonito, com inspiração nos esportivos europeus da época, porém cheio de personalidade; e também extremamente competente em sua proposta. O motor Wankel é conhecido por sua alta potência específica, e o Mazda Cosmo era um ótimo exemplo: com apenas 982 cm³ de deslocamento (menor que o 1.0 do meu Uno Mille), o motor de de dois rotores entregava 110 cv.

O pessoal na Mazda Auto Tokyo, que era a maior concessionária da marca no Japão, ficou verdadeiramente impressionado com o novo esportivo e decidiu que era hora de ir para as pistas. Além de obviamente divertida, a empreitada seria uma ótima maneira de aplicar a lógica do win on Sunday, sell on Monday – vencer corridas nos finais de semana e colher os louros da vitória (ou seja, o aumento nas vendas) de segunda a sexta-feira.

O lançamento do Mazda Cosmo era a oportunidade perfeita para dar início ao plano. Ao mesmo tempo, a própria fabricante estava interessada em divulgar o novo esportivo – afinal, o motor Wankel rompia drasticamente o conceito estabelecido do que era um motor de combustão interna: em vez de pistões e bielas, rotores triangulares; em vez de válvulas, janelas. Não havia sequer bloco e cabeçote separados – os rotores triangulares ficavam dentro de uma câmara oval. Será que aquilo daria certo mesmo?

 

Sucesso nas pistas

Pois… deu. Já em 1968 a Mazda Auto Tokyo e a matriz juntaram forças para colocar o Cosmo nas pistas. E o local escolhido para a estreia foi a corrida mais desafiadora possível. As 24 Horas de Le Mans? Que nada: estamos falando da Marathon de la Route – também conhecida como “As 84 Horas de Nürbugring”.

Não, não foi um erro de digitação: eram mesmo 84 horas de corrida. Três dias e meio, sem parar. A Marathon de la Ruote começou na década de 1930 como um rali de regularidade disputado na França e na Itália – saindo de Liège, na França; indo até Roma, na Itália, e depois voltando a Liège. Depois, o roteiro passou a incluir Spa, na Bélgica e Sofia, na Bulgária. Em 1965 o evento migrou para Nürburgring, na Alemanha – todos os 28,3 km do circuito, incluindo o Nordschleife e o extinto Südschleife.

Sendo uma prova de regularidade, porém, as 84 Horas de Nürburgring não eram uma corrida tradicional. Os pilotos não disputavam diretamente entre si, mas contra o relógio, e cada carro tinha um tempo limite de volta pré-estabelecido de acordo com o deslocamento do motor e a quantidade de assentos no interior. Era preciso respeitar este tempo – caso contrário, sofria-se duras penalidades.

Por incrível que pareça, os dois exemplares do Mazda Cosmo levados à Alemanha pela Mazda Sports Corner tinham poucas modificações – em essência, o motor recebia um novo coletor de admissão e uma nova câmara de combustão feita de alumínio, projetados pelos engenheiros Kunio Matsuura e Takaharu “Koby” Kobayakawa. Com isto, a potência passava de 110 cv para 130 cv. E era isto, basicamente – o objetivo, afinal, era demonstrar a qualidade do produto que era vendido nas concessionárias, e afastar-se muito dele não faria muito sentido.

O resultado deve ter surpreendido até mesmo aos envolvidos: o Mazda Cosmo foi o quarto colocado na Marathon de la Route – em um grid com 44 carros, incluindo Porsche 911, Mini Cooper, Lancia Fulvia, BMW 2002 e outros carros que, décadas mais tarde, tornariam-se verdadeiros medalhões. E o novo coletor de admissão projetado pela Mazda Sports Corner foi tão eficaz que a fabricante passou a utilizá-lo no Cosmo.

Com o passar dos anos, a Mazda Sports Corner consolidou-se como a equipe responsável pelo carros de corrida da Mazda, entre corridas de longa duração e provas mais convencionais. Em 1969 o pequeno Mazda R100 conquistou o quinto e o sexto lugar nas 24 Horas de Spa, atrás apenas de quatro Porsche 911. Em 1973 o Mazda RX-2 venceu sua primeira corrida nos EUA – uma prova em Lime Rock Park, Connecticut, organizada pela IMSA (International Motor Sport Association).

Em 1976, o dono de uma concessionária Mazda chamado Ray Walle dirigiu seu Mazda RX-5 modificado por mais de 1.000 km, saindo de Princeton, Nova Jersey, até Daytona, na Flórida. Lá, ele participou das 24 Horas de Daytona, venceu a corrida na categoria Turismo até 2,5 litros, e voltou dirigindo até Nova Jersey. O carro, que só tinha freios preparados, escape menos restritivo e gaiola de proteção, foi o 18ª na classificação geral, de 72 carros no grid. Realmente impressionante.

Na década de 1980 foi a vez de o Mazda RX-7 brilhar: o esportivo mais emblemático da fabricante japonesa foi o vencedor em sua categoria em todas as dez edições das 24 Horas de Daytona realizadas entre 1982 e 1992 – e ainda venceu oito vezes consecutivas o campeonato IMSA GT, na categoria até dois litros, entre 1980 e 1987.

Paralelamente, em 1983, o QG da Mazda Sports Corner foi transferido de Tóquio a Hiroshima, como uma forma de ficar mais perto da matriz. Foi quando a preparadora passou a se chamar Mazdaspeed.

 

A consagração e a mudança de foco

Foi em 1991 que a Mazdaspeed atingiu o auge enquanto equipe de corridas. Em 1991, pelo Grupo C de endurance, a Mazda levou para as 24 Horas de Le Mans o incrível 787B, protótipo movido por um Wankel de quatro rotores chamado R26B – que, com apenas 2.622 cm³ (arredondando, 2,6 litros) e nenhum turbo, entregava mais de 700 cv. Superando os também icônicos Jaguar XJR-12 e Sauber Mercedes-Benz C11, o 787B laranja-e-verde conduzido por Volker Weidler, Johnny Herbert e Bertrand Gachot venceu a corrida na França – e, até a vitória do Toyota TS050 Hybrid, era o único carro japonês na história a vencer em Le Mans.

O desempenho do Mazda 787B foi tão impressionante que a FIA decidiu banir os motores Wankel da competição. Como consequência, em 1992 a Mazdaspeed optou por uma parceria com a Jaguar, que forneceu o monocoque de um de seus antigos protótipos, o XJR-14, aos japoneses, que instalaram nele um V10 de origem Judd e o rebatizaram como Mazda MXR-01. Depois de conquistar o quarto lugar com ele em Le Mans – um desempenho respeitável, considerando a natureza improvisada do carro – a Mazdaspeed decidiu tirar o time de campo, abandonando o WSC.

Logo em seguida a Mazdaspeed decidiu a focar-se no desenvolvimento de componentes de preparação para os carros de rua da Mazda – coletores de admissão e escape, freios, componentes de suspensão, turbocompressores e afins. A manobra foi formalizada em 1999, quando a fabricante assumiu o controle sobre as operações da equipe, que tornou-se oficialmente sua preparadora de fábrica, posição que foi mantida por 21 anos.

Ao longo deste tempo, a Mazdaspeed apresentou alguns conceitos interessantes e usou sua experiência para criar as versões esportivas do Mazda3, do Mazda6, do MX-5 e de alguns modelos com mais mercado na Ásia, como o Demio e o Mazda2. É realmente uma pena que estes carros jamais tenham chegado perto de serem vendidos no Brasil.