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Car Culture Goodguys

Os carros perdidos que a Volkswagen não fez no Brasil… mas deveria ter feito

Você viu hoje no Zero a 300: a picape Tarok da Volkswagen está prestes a entrar na geladeira e, a menos que aconteça uma conjunção cósmica muito improvável, ela deverá ficar lá por um bom tempo. O que é uma pena. Porque nós conhecemos a Volkswagen Tarok de perto no Salão de 2018 e gostamos dela. Especialmente porque ela tinha potencial para agitar o mercado das picapes médio-compactas, trazendo um pouco das características dos Volkswagen para o segmento, que ainda é desequilibrado entre Fiat Toro e Renault Oroch e, logo, deverá ficar mais interessante com a chegada da Montana.

A história dos carros, como vocês bem sabem, está cheia de carros legais que nunca passaram da fase de protótipos. Ou sequer chegaram a ela. Imagine como seria um Opala El Camino SS? Ou uma picape EcoSport, ou ainda uma perua do Cobalt ou do Ka? Nós já vimos estes carros da Ford e da Chevrolet há algum tempo, mas nunca paramos para relembrar os carros que a Volkswagen não fez, mas poderia ou deveria. Parece uma boa hora, para isso, não?

Por uma questão de viabilidade — e também da relação que temos com os carros —, selecionei somente conceitos feitos pela Volkswagen do Brasil ou então de modelos que foram vendidos no Brasil e que fariam algum sentido por aqui. A lista ficou da seguinte forma:

 

Volkswagen SP3

O SP-1 não fez sucesso porque usava o motor 1.600. O SP-2 se tornou um objeto de desejo, mas não tanto um objeto de compra — havia carros mais velozes e mais interessantes por um preço semelhante, como o Puma GT e o irmão Karmann-Ghia TC. A Volkswagen, dizem, ainda considerou evoluir o projeto para criar o SP3. Ao menos é o que dizia a apuração da revista quatro rodas na época.

Segundo a revista, a Volkswagen já estava desenvolvendo desde 1975 um “SP-3”, que seria equipado com o motor BS 1.6 do Passat TS, com 85 cv e carburador de corpo duplo. A parte mais interessante — e também improvável — é que ele, segundo a revista, teria motor dianteiro e suspensão McPherson.

O pessoal da Quatro Rodas, contudo, parecia estar bem por dentro do projeto, porque sabia até mesmo como seriam as mudanças estéticas do carro, mais significativas na tampa do porta-malas (agora na traseira), que melhoraria a visibilidade pelo retrovisor interno, nas tomadas de ar das colunas C e no fim da “grade que enfeia a traseira”.

A expectativa é que a Volkswagen lançasse o carro no Salão do Automóvel de 1976, mas como sabemos, isso não aconteceu e nunca tivemos um SP-3. Ficamos apenas com o SP-1, o SP-2 e o Passat TS. A Dacon chegou a fazer um protótipo do SP-3, porém com o motor do Passat instalado na traseira, com deslocamento aumentado para 1.800 cm³.

As modificações estéticas começavam pela grade na dianteira, passando pelo alisamento das laterais, que perdiam os frisos característicos do SP-2, assim como a tomada de ar das colunas C, que acabou embutida entre a chapa e a janela. Na traseira, a grade que tentava disfarçar o abafador do escape foi substituída por chapa lisa. Todos os cromados foram pintados de preto e a pintura verde metálica era inspirada nos Porsche 911 da época, assim como o couro no interior.

O carro foi testado por Emílio Camanzi, então na Quatro Rodas, mas ainda era um protótipo em desenvolvimento pela Dacon. A famosa concessionária pretendia fazer o carro em série limitada, mas a Volkswagen encerrou a produção do SP-2 naquele mesmo ano de 1976, então a Dacon apenas ofereceu o serviço de conversão dos SP-2 em SP-3 a um custo de Cr$ 100.000 — equivalente a cerca de R$ 60.000 em 2022 (IPC-SP).

Um SP3 com motor traseiro de 100 cv, com arrefecimento líquido e câmbio de quatro marchas. Como seria a história da Volkswagen no Brasil, no mundo e, principalmente, das versões esportivas do Gol e do Passat? Faria sentido ter um carro com o mesmo layout do Porsche 911? São perguntas que jamais serão respondidas. O que posso dizer, é que seria legal poder comprar um SP3 1977 em 2022. Acho…

 

Gol GTI 1983

A Volkswagen mudou sua história e a história dos esportivos compactos em 1976, quando lançou o Golf GTI. Ela praticamente inventou o hot hatch com ele e, por isso, fazia sentido que ela tentasse repetir a história no Brasil com seu novo hatchback, o Gol. Um Gol GTI poderia polir os riscos na imagem do Gol em seus primeiros anos, quando a Volkswagen insistiu em colocá-lo a venda com o motor mais obsoleto disponível.

Acontece que naquele início dos anos 1980, o mercado brasileiro estava sob a “Lei de Informática”, uma ideia estúpida que, resumidamente, proibia a instalação de empresas estrangeiras para evitar a concorrência com fábricas brasileiras, o que, supostamente, permitiria que desenvolvêssemos nossa própria tecnologia de informática sozinhos, contratando estrangeiros e somente com investimentos nacionais. O resultado você já sabe qual foi: os computadores chegaram ao Brasil somente dez anos mais tarde e, como ninguém criou a Injetronicabrás para produzir injeção eletrônica no Brasil, a gente foi privado dessa tecnologia até o fim dos anos 1980, quando a Bosch, que já estava por aqui, decidiu investir no negócio.

E foi por isso que o Gol GTI não saiu em 1983/84, mas em 1988/89. Ok, no fim das contas a Volkswagen produziu o GTi. Mas a lamúria aqui é pelo atraso na produção. Já imaginaram o estrago que um Gol GTi faria em 1984? Enquanto o XR3 usava uma derivação de nem 90 cv do Cléon-Fonte, o Fiat Uno ainda engatinhava e o Monza S/R não havia sido lançado? Um Gol de 120 cv em 1984, o que teria sido dos anos 1980 e 1990?

Meu avô (aquele do Passat Plus) dizia que as coisas são como elas têm de ser. Crendice popular, lógico. Mas talvez tenha sido melhor assim. A injeção do Gol GTi 1989 não é conhecida por ser extremamente confiável ou bem-resolvida. Quatro anos de desenvolvimento tecnológico nos anos 1980 são como 16 anos no século 21. Talvez o carro acabasse com uma má-reputação, por “dar muito problema” ou por não “ter ninguém que mexe”. O que não seria mentira em 1984.

 

Santana Tecno II

É evidente que a Volkswagen não faria um Santana com essa cara que o Santana Tecno tinha quando foi apresentado no Salão do Automóvel de 1984. O que ele faz, é nos levar a imaginar o que teria sido do mercado de sedãs — lembre-se que o Monza foi o carro mais vendido em 1984, 1985 e 1986 — se todas as tecnologias do conceito tivessem chegado ao Santana produzido em série.

O motor tinha 16 válvulas, a tração era integral e o interior trazia algumas coisas que ainda não eram comuns nem na casa das pessoas.

Sob o capô estava o EA827 de 1,8 litro, porém com cabeçote de 16 válvulas, algo que só iria aparecer no Brasil quase 10 anos mais tarde. Era um cabeçote desenvolvido pela Okrasa, semelhante ao que foi adotado pela VW na Europa na década de 1980, primeiro pelo VW Scirocco em 1984, e depois pelo Golf GTI 16v de segunda geração em 1986. Em ambos os modelos, a potência do 1.8 16v é de 139 cv a 6.100 rpm e 17,3 mkgf de torque – números bastante parecidos com os divulgados para o Santana Tecno II pela revista Motor 3.

Além do motor, outra herança veio da Europa: o sistema de tração Syncro, o nome que a Volkswagen deu ao sistema quattro da Audi, que chegou a ser usado no Santana/Quantum vendido nos EUA e Europa, com três diferenciais (dianteiro, central e traseiro). Para incorporar o sistema ao carro, a Volkswagen aproveitou toda a seção traseira da plataforma do Santana europeu, incluindo o sistema de suspensão traseira independente por braços arrastados. Com isto, a estabilidade, a aderência e o comportamento dinâmico do Santana Tecno II era decididamente superior ao de qualquer outro Santana brasileiro.

Só que… o carro era apenas um estudo de design e engenharia, que nunca foi considerado para o Brasil. Era um sedã premium que os europeus tiveram desde meados dos anos 1980, mas que a Volkswagen nunca fez por aqui.

 

Saveiro Rocket 2010

Durante os anos 1980 e 1990 a Volkswagen não hesitava em fazer versões apimentadas de seus carros. Ao mesmo tempo em que tinha o Gol GT, ela fez o Voyage Super, que era um Gol GT sedã, na prática. Depois, quando lançou o Gol GTI 16v, de forma muito natural, a Volkswagen lançou a Parati GTI 16v, que não era apenas uma perua esportiva, mas também uma perua esportiva com duas portas — a coisa mais ousada já feita pela marca por aqui.

A Saveiro também teve suas versões mais destemperadas, como as versões Sunset e Summer, ambas com algo do Gol GTS/TSi. Aliás, a Saveiro teve uma versão TSi nos anos 1990, quando a sigla era a evolução da GTS — por ter injeção eletrônica, a Volkswagen tirou o G, resgatando a sigla TS e completando-a com o “i’ minúsculo. Uma picape GTI talvez fosse demais até mesmo para quem fez uma perua duas portas com o nome GTI.

Mas a ideia de uma Saveiro esportiva nunca foi completamente abandonada pela VW. Em 2010, no Salão do Automóvel, ela apresentou a Saveiro Rocket.

Como seu nome sugere, é uma Saveiro com uma pegada esportiva. Tão esportiva que ela vinha com o motor 1.4 TSI de 140 cv e câmbio manual de seis marchas. Por fora, ela tinha santantônio integrado, rodas de 18 polegadas, suspensão rebaixada em 36 mm na dianteira e 60 mm na traseira, e discos de freio de 312 mm na frente e 256 mm atrás. Por dentro, os bancos eram do Golf R32, e o volante e manopla de câmbio eram do Golf GTI MK6.

Ela era uma legítima sucessora das Saveiro Sunset e Summer, mas também era apenas um estudo de design e engenharia, inviável para ser produzida e vendida no Brasil. Uma coisa é certa: ela teria superado facilmente a loucura que era uma perua esportiva de duas portas em pleno 1997.

 

Gol GT 2016

O Salão do Automóvel 2016 trouxe a surpresa: o Volkswagen GT Concept. A inspiração era clara: o Gol GT 1984. Tudo nele remetia o nosso ‘hot hatch original’: a carroceria de duas portas, as linhas vermelhas no lado de fora e no painel, os bancos esportivos com tecido listrado horizontal.

A traseira também tinha elementos exclusivos, como uma moldura preta no para-choques e uma faixa preta entre as lanternas escurecidas – outra referência ao Gol GT original, assim como o adesivo “GT” no vidro traseiro e nos emblemas espalhados pela carroceria.

Por dentro, ele combinava o novo e o clássico mais uma vez: o volante era menor, como o do Golf GTI, com base reta e costuras vermelhas, combinando com todos os detalhes espalhados pela cabine – incluindo um friso vermelho que percorre toda extensão do painel, como no Gol GT, e também aparece nos revestimentos das portas.

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Os bancos do tipo concha vieram diretamente do VW Scirocco R europeu, mas receberam novo acabamento, com mais detalhes em vermelho e a estampa em degradê cinza, outra referência ao GT.

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Embora um veículo de comunicação tenha apurado que a Volkswagen produziria mesmo o Gol GT (algo tão improvável que eu apostei o contrário, e disse publicamente que assinaria meus textos como “Leonora” se a Volkswagen lançasse esse carro), a Volkswagen sempre disse categoricamente que o Gol GT Concept foi apenas um exercício de design, feito para celebrar a cultura esportiva da marca.

Por essa razão, o carro nunca apareceu com o cofre exposto. Afinal, isso exibiria o motor 1.0 que ele manteve enquanto todo o restante foi transformado em um Gol esportivo. Ao menos a Volkswagen compensou a falta de um Gol GT 2016 com o lançamento do Polo GTS em 2020, ainda que ele seja automático.

Up TSI BGT7 Edition – 2015

Em um exemplo jamais repetido no Brasil de interação entre marca e fãs da marca, a Volkswagen criou em 2015 o Up TSI BGT7 Edition, um conceito feito exclusivamente para ser exposto no Bubble Gun Treffen, o tradicional encontro de modelos Volkswagen e afins em Águas de Lindóia/SP.

Para fazer o modelo, a VW partiu de um Up de duas portas que recebeu o motor 1.0 TSI, algo que nenhum outro Up de duas portas teve. Ele não tinha modificações mecânicas — produzindo os mesmos 105 cv a 5.000 rpm e 16,8 kgfm entre 1.500 e 4.500 rpm, que eram suficientes para levá-lo além dos 185 km/h e acelerar de zero a 100 km/h em 9 segundos.

O modelo é o Up GTI que nunca tivemos e que, como mostram o Speed Up e este conceito, poderia ter sido feito. Ele não precisaria de um tom de prata fosco especial como o BTG7 Edition, nem os bancos de couro com costura matelassê a la Bentley, e muito menos as rodas de 18 polegadas com desenho semelhante às do Passat CC. Mas um TSI duas-portas poderia ter mudado a história do carrinho por aqui, não?

 

Menções honrosas: Passat GTI 1977 e Bluesport 2009

Tá, eu falei que iria me concentrar em carros que foram vendidos no Brasil ou produzidos aqui, mas estes dois são uma categoria à parte e merecem estar na lista. Continue lendo que você vai entender.

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O primeiro deles é o Passat GTI. Ele nunca existiu, embora os primórdios das redes sociais tenham feito viralizar um suposto Passat GTI brasileiro protótipo. Este Passat GTI nasceu em 1977, quando o Passat B1, de primeira geração, foi reestilizado na Europa.

Na época, uma pequena equipe de engenheiros decidiu criar um protótipo do Passat GTI. Partindo de um pacato exemplar branco, a equipe pintou a carroceria de azul metálico, trocou os para-choques de metal por peças plásticas pretas. Os faróis retangulares foram trocados por outros circulares, vindas das versões mais caras do Passat.

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Um spoiler na traseira prometia produzir downforce, enquanto rodas mais largas, suspensão levemente rebaixada e endurecida e barras estabilizadoras na dianteira e na traseira foram instaladas. O interior recebeu elementos do VW Scirocco, como o volante e os bancos. Já o motor vinha do Golf GTI, lançado três anos antes: um quatro-cilindros de 1,6 litro com injeção eletrônica de combustível e 110 cv.

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Acontece que havia um problema: na Europa, o Passat não era visto como um carro de pretensões esportivas, papel que era cumprido pelo Scirocco. Na verdade, para Toni Schmücker, que era CEO da VW na época, o Passat era exatamente o oposto de um esportivo e um GTI baseado nele seria perda de tempo e dinheiro.

E foi assim que o projeto acabou descartado, o que irritou bastante a equipe de engenheiros que trabalhou nele. O Passat só foi ter uma versão esportiva quando a Volkswagen lançou o R36, em 2008. Isso lá fora, claro.

1200px-VW_Passat_GTI_prototype_Gen1_B1_1976_backright_2013-04-11_APorque no Brasil, como todos sabemos, o Passat teve duas versões esportivas, a TS e a GTS/GTS Pointer — afinal, não tivemos o Scirocco.

Mas agora, continue o exercício de realidade alternativa: imagine que nenhum burocrata sem visão de mercado tivesse criado a Lei de Informática e que a injeção eletrônica estivesse disponível de forma viável no Brasil de 1983, quando a Volkswagen fez o Gol GTI protótipo e transformou o Passat TS no GTS. Imagine a ofensiva da Volkswagen naquele ano: Gol GTI e Passat GTI. O único Passat GTI da história. Ou talvez não… quem vai saber?

O outro é o Volkswagen Bluesport, um conceito de 2009 que seria o sucessor espiritual do Karmann Ghia conversível e do Porsche 914. Um carro para ser o Miata alemão, um roadster para as massas. Não seria acessível no Brasil, mas ele seria um carro com potencial para mudar a imagem da Volkswagen, com seu motor central-traseiro turbo e câmbio DSG.

Talvez por ser parecido demais com o Porsche Boxster — ou por prever a adoção de motores de quatro cilindros no Boxster, a Volkswagen acabou nunca produzindo o Bluesport, o que é algo a se lamentar profundamente.