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Os clássicos americanos de Águas de Lindóia 2022

Apesar de recebermos carros de todos os lugares do mundo indiscriminadamente, não há dúvida de que, até 1970, os carros mais importados aqui para o Brasil vieram dos EUA. Não é à toa, ou colonialismo, imperialismo, ou qualquer outro ismo: os carros americanos eram os melhores do mundo até ali.

Não acreditam? Pense em carros de luxo. No meio dos anos 1950, o novíssimo Rolls-Royce Silver Cloud, o pináculo do luxo europeu, tinha um seis em linha antiquado, com válvulas de admissão no cabeçote e de escape laterais, e que dava apenas 155 cv brutos de seus 4,9 litros; insuficientes para o enorme e formal sedã. A transmissão era automática pela primeira vez na Rolls, uma unidade comprada da GM, Hydramatic de 4 velocidades. Mas assistência de direção e ar-condicionado só apareceriam como opcionais mais adiante na década. Vidros subiam usando-se manivelas.

Na Alemanha, o carro mais especial era o Mercedes-Benz 300 “Adenauer”: um sofisticado sedã formal com suspensões independentes e um seis em linha com comando no cabeçote e três litros. Mas era ainda menos potente que o Rolls-Royce, e apesar de bem feito como ele, também era menos equipado do que um carro popular de 2021: os vidros também subiam por manivelas.

Nos EUA, não só um carro de luxo superior existia: Chrysler/ Imperial, Lincoln e Cadillac. É só olhar a especificação do Cadillac para entender quão distante se estava adiante do resto do mundo. Para começo de conversa, sobrava potência: o V8 OHV de 5,4 litros dava 250 cv em 1955, mas chegaria a 6,4 litros e 325 cv antes do fim da década. Era o suficiente para dar um desempenho de carro esporte aos enormes sedãs de luxo. O silêncio de operação, e o conforto de rodagem eram inigualáveis; o motorista nunca fazia esforço algum com direção hidráulica, freios com assistência e câmbio automático. Vidros subiam e desciam por meio de botões, travas eram controladas eletricamente, e até os bancos eram powered. Nesta década a Cadillac inaugurou bancos com memória de posição, suspensão a ar, abertura de porta-malas remota, cruise control, rádio que encontrava a próxima frequência sozinho, antena elétrica, dimmer automático de farol (“Autronic eye”), e muito mais. Não existia comparação possível: os americanos eram melhores em tudo.

Por isso, quando o colecionismo tomou força no país a partir dos anos 1970, os carros americanos dos anos 1930 eram o mais comuns, especialmente os Ford. Logo, se moveu para as décadas de 1950 e 1960, e estas se tornaram as mais constantes. Até hoje, em qualquer encontro de carro antigo, embora existam cada vez mais carros dos anos 1980 e 1990, os americanos de antes disso continuam a fascinar colecionadores e entusiastas de toda as idades. Se você acredita, como muitos, que o automóvel como obra de arte morreu com a introdução de legislações a partir de 1970, os clássicos americanos são o ápice do automóvel.

Se pensarmos que começaram a aparecer em encontros com 20 anos de idade, e até hoje permanecem aparecendo neles, se percebe como o apelo não morre fácil. Em Águas de Lindóia 2022 os americanos clássicos continuaram a aparecer em peso. Estes foram os que mais nos chamaram atenção.

 

Cord 810 1936

A marca criada por Errett L. Cord depois de comprar a Auburn e a Duesenberg em 1929, em sua curta história só fez carros de tração dianteira: primeiro o L-29, e depois este. O desenho na verdade nasceu para ser um Duesenberg mais barato, mas acabou com tração dianteira e o nome do dono da empresa. O estilo do Cord 810 foi obra do designer Gordon M. Buehrig, que queria fazer um carro “sem cara”, diferente de tudo até ali. O resultado até hoje impressiona, mas em 1936 era como uma nave alienígena: limpo, sem adornos e sem grade dianteira, é o primeiro farol pop-up, retrátil, da história da produção seriada de automóveis.

Como se não bastasse, era tecnicamente sofisticado: o motor V8 de válvulas laterais Lycoming de 4739 cm³ e 125 cv estava em posição central-dianteira, e o transeixo, um Wilson com pré-seleção de marchas, à frente. Sim, tinha tração e suspensão independente dianteiras. A carroceria era um rígido monobloco, sem chassi.

Era um carro que reputa-se moderno ao guiar: rígido, estável e com tração dianteira. O câmbio Wilson era caro e complexo, mas sensacional: se escolhe a próxima marcha numa alavanquinha ao lado do volante e nada acontece (a tal pré-seleção); uma bombada no pedal “de embreagem” acopla a marcha escolhida. Era um carro lindo, e uma delícia para dirigir; entusiastas até os anos 1960 ainda procuravam eles como carros usados interessantes de dirigir. Hoje é um clássico cobiçadíssimo, e este sedã 1936 verde, um dos mais belos que já vimos.

 

 

Chevrolet Corvette C1

O Corvette de primeira geração estava muito bem representado este ano no evento. Um modelo 1954 azul metálico era um exemplar do início da história do carro esporte Chevrolet, ainda com o seis em linha Stovebolt.

Ao seu lado, um magnífico exemplar branco de 1958, já cheio de cromados e com farol duplo dianteiro, além, claro, do V8 de bloco pequeno, aqui na versão 283 cid (4,7 litros). Rodas American Racing Mags, cromadas, completavam o visual perfeito. Um modelo 1959 preto com rodas Cragr cromadas também estava presente.

Também exposto ao lado dos dois carros estava um “tributo” ao Corvette SR2 de competição que deram origem ao Corvette SS de Duntov. Diferente do Corvette normal no nariz, no para-brisa baixo sem moldura, e no estabilizador aeronáutico atrás do piloto, era bem convincente e aparentemente bem feito.

 

Os Conversíveis

Em posição de destaque no gramado perto do lago estavam três carros absolutamente fenomenais. Primeiro, um Chevrolet Bel-Air 1955 numa belíssima combinação de azul claro e branco. Este anos, como se sabe, é um dos mais importantes da história da Chevrolet: o carro foi totalmente reprojetado e parecia um mini-Cadillac. É também a primeira aparição do V8 de bloco pequeno da marca, o motor que se tornaria o mais vendido da história do automóvel. O Bel-Air conversível da praça era bem equipado: além do V8 e câmbio automático, tinha teto conversível elétrico.

Ao seu lado, outro Chevrolet incrível: outro Bel-Air, mas agora 1958 e na versão topo-de-linha Impala. Este ano marca o primeiro redesenho completo da carroceria dos Chevrolet desde 1955, e era de novo inspirado nos Cadillac. O exemplar da praça, monocromático num tom de salmão, estava simplesmente sensacional.

Mas quem fez realmente um espetáculo na praça foi o Ford 1957 ao lado deles: um Fairlane 500 Skyliner. Skyliner, diferente de todo conversível da época, significava um teto de metal que se escondi no porta-malas; é um predecessor da moda atual de tetos de aço retráteis, inaugurda pelo primeiro Mercedes-Benz SLK nos anos 1990.

No Skyliner, o mecanismo era um pesadelo de complexidade. Em vez dos mecanismos hidráulicos típicos, usava sete motores elétricos reversíveis, quatro pistões de levantamento, uma série de relés, dez interruptores de limite, dez solenóides, quatro mecanismos de travamento para o teto e dois mecanismos de travamento para a tampa do porta-malas. Mais de 185 metros de fios eram usados. A capota em si ocupa grande parte do espaço disponível no porta-malas, sobrando apenas um espaço pequeno útil, delimitado por uma caixa metálica, no meio do porta-malas. Ver este monstro funcionando ainda hoje é realmente impressionante.

Imperial 1960

Em 1955, o Chrysler Imperial deixava de existir para aparecer a marca Imperial; posicionada acima da Chrysler, era o topo de linha da Chrysler corporation até ser descontinuada em 1983.

O cupê Imperial das fotos é do ano de 1960, talvez o mais extravagante de todos. Enquanto o resto da indústria já diminuia os rabos de peixe e os excessos dos anos 1950, a Chrysler continuava apostando nesta linguagem: enormes parachoques cromados, rabos de peixe e cromados o suficiente para cegar um batalhão de pessoas. O resto dos Chrysler se moviam para monobloco em 1960, mas não a Imperial: chassi separado era norma nela. O câmbio automático era selecionado por botões, e o carro é talvez o ápice da barca de luxo americana dos anos 1950.

 

Os comerciais

Picapes e furgões sempre são interessantes de se ver na exposição; incrivelmente uma quantidade grande desses carros de trabalho sobreviveu uma vida dura para agora brilhar no gramado da praça Adhemar de Barros. Este ano vimos uma quantidade grande de furgões e peruas baseada na Chevrolet “Marta Rocha”, e picape Chevrolet “Task Force”, corrente de 1955 a 1959.

Entre os Ford, nos chamaram a atenção um interessante furgão Ford F100 brasileiro, do Pick-up’s clube, e uma Ranchero Hot Rod, linda em laranja e com mecânica de Mustang 5.0 Fox-body.

E evento realmente foi interessante para todos os gostos; uma réplica de Doc Hudson, o “Fabulous” Hudson Hornet de corrida NASCAR que foi imortalizado pela voz de Paul Newman no filme Cars, da Pixar, estava perto do lago para delírio das crianças. Impalas dos anos 1960, o carro mais cobiçado do Brasil dos anos 1960, também estavam presentes aos montes. Há vinte anos dizia em no futuro só veríamos carros alemães nos encontros de antigos; subestimei fortemente a força desta tradição americana ainda viva nesses eventos.