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Car Culture Zero a 300

Pointer: o Volks GTI que o mundo esqueceu (mas eu não)

Foto: Costev Photographer/Flickr

Foi no final de 1993 que vi pela primeira vez o Pointer GTi, em uma foto pequena no pé da página de alguma revista que não tinha nada a ver com carros. Me chamou a atenção a legenda da imagem, que falava sobre “um GTi de quatro portas” como se fosse algo sem sentido. Pensando bem era mesmo.

O Pointer GTi foi um dos patinhos-feios da Autolatina, o casamento mal-sucedido entre Volkswagen e Ford que começou com um compartilhamento de motores e terminou com badge engineering e dois modelos que acabaram perdidos no mercado — justamente o Pointer e seu irmão Logus.

Eles faziam parte do acordo entre as fabricantes: a Volkswagen forneceria a plataforma do Santana para a Ford desenvolver seu modelo de topo, enquanto a Ford forneceria a plataforma do Escort para a Volkswagen criar uma dupla de modelos médios. Estes carros acabaram se tornando o Versailles, a perua Royale, o Logus e o Pointer. Para evitar concorrência com o Santana e a Quantum, o Versailles e sua perua teriam apenas duas portas.

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Pelo mesmo motivo o Logus foi lançado com duas portas a fim de evitar conflito com o Verona, e o Pointer saiu com quatro portas para não disputar com o Escort (que por esse mesmo motivo não teve versão quatro portas até o final de 1996). E é por isso que o Pointer GTi é um “exótico” esportivo de quatro portas.

Mas eu gostei do carro. Ele tinha uma cara moderna, diferente do formato de caixote do Gol, era bonito e aquela traseira truncada com a anteninha espetada no teto deixavam ele mais invocado (era um termo da época, lembra?) que o Escort.

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Levou algum tempo até eu ver um daquele nas ruas. O Logus era bem mais comum e era o carro que meu pai almejava na época (apesar de ter só duas portas, enquanto nosso Monza tinha quatro), mas ele não tinha uma versão GTi com bancos Recaro e teto solar como o Pointer. Para piorar, na época o GTi que todos queriam era o Gol, e quem não quisesse o Gol é porque preferia o Escort XR3. Ninguém fazia muita questão de ter uma combinação dos dois — especialmente pelo preço cobrado pela grife “GTi”. Além disso, ele era um esportivo de quatro portas. Que raio de esportivo é esse com quatro portas? É para o tiozinho que se acha jovem? Não fazia sentido.

E foi por isso que eu passei minha infância e adolescência sem nunca andar em um carro desse. O mais próximo que cheguei disso foi quando um amigo dos meus tios dirigiu seu Pointer CLi do Ceará a Santa Catarina para passar o verão conosco em uma praia mais fria e mais feia que as praias de Fortaleza. Vá entender. Nada sobre o Pointer parece fazer sentido mesmo.

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Por algum motivo aquele carro que me chamou a atenção quando era moleque acabou tão esquecido quanto o número do meu celular de 2002, que o banco insiste em perguntar como confirmação de segurança (e sempre bloqueia meu acesso por telefone). Quando chegou a hora de procurar um carro para chamar de meu, fui logo atrás dos Ford e nem lembrei daquele esportivo bacana, que já estava desvalorizadíssimo na época. Se um Opala SS custava R$ 9.000, imagine quanto custaria um Pointer GTi.

Mas há uns oito ou nove anos topei com uma revista da Volkswagen com o Passat TS na capa. Era um modelo preto, com as rodas de aço, porém com as calotinhas cromadas, e durante a leitura acabei disperso e olhando para o nada, sonhando acordado com uma coleção dos esportivos nacionais da Volkswagen — que é uma marca que nunca me fez sonhar com nada. Curiosamente, ao montar a coleção na cabeça, o primeiro modelo que pensei não foi no TS que eu acabara de ver, e sim no Pointer GTi. E isso trouxe de volta todas as lembranças que contei até agora.

Assim que pude, procurei na internet e encontrei alguns exemplares bem baratinhos, coisa de R$ 8.000 a R$ 12.000 os mais caros. Claro, isso era muito mais dinheiro que hoje, mas era um carro de 12 anos, e não de 22 anos. A vontade de arrematar um Pointer, contudo, durou cinco minutos: logo caí na real e decidi comprar um carro mais novo e confiável para o dia-a-dia e para a estrada.

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Mas… outro dia eu estava caminhando pelo bairro quando cruzei com um GTi. Ele estava caidaço, coitado. Pensando bem, esse é o padrão dos Pointer já faz um bom tempo, infelizmente.

O que aconteceu com eles é que eles eram muito Volkswagen para os clientes da Ford, e muito Ford para os clientes da Volkswagen. Com exceção do motor AP, todo o resto do carro tinha origem no projeto do Escort Mk5. As rodas, por exemplo, não usam o padrão de furação 4×100 como os Volks, e sim 4×108 como todo Ford. É por isso que você dificilmente verá um Pointer com rodas Orbital: elas não servem sem adaptação. Os freios, dizem, não eram dos melhores e a suspensão dianteira copiava demais as irregularidades do piso, além de fazer barulhos constantes por buchas estouradas na barra estabilizadora.

Pior ainda, é que a Autolatina já estava indo para o espaço logo na época do lançamento do carro, e as duas fabricantes praticamente abandonaram o Pointer e o Logus à própria sorte. Os componentes mecânicos até poderiam ser encontrados na Ford e na Volkswagen, mas peças de acabamento simplesmente deixaram de ser fornecidas após o fim da produção. Como os carros cubanos, você não conserta um Pointer do jeito que ele precisa ser consertado, você conserta do jeito que dá para consertar.

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Logo depois de passar pelo Pointer, pensei em suas qualidades. Além de ser bonito, ele tinha os bancos Recaro que os esportivos da época usavam, tinha teto solar, sistema de som com equalizador digital (o mesmo do XR3), ar-condicionado, travas elétricas e vidros elétricos nas quatro portas e direção hidráulica. O motor era o AP-2000 com injeção eletrônica digital multiponto, com 116 cv. Melhor ainda, é um carro que traz memórias da infância, mesmo sem nunca ter passado perto de um deles naquela época. Fazendo uma analogia gastronômica, se o Gol GTI é o Outback e o Escort XR3 o Applebee’s, o Pointer é aquele lugar que você conhece desde pequeno e está sempre lá, do mesmo jeito que você conheceu, com o mesmo sabor e as mesmas lembranças.

Por isso a ideia de ter um Pointer GTi voltou a rondar minha imaginação pela terceira vez. E se ela é uma ideia assim recorrente, talvez eu deva levá-la a sério um dia.

Não será hoje nem amanhã, tenho uma pequena lista na frente dele, mas não tenho pressa porque eles continuam desvalorizados e sempre serão assim. Nem pense em especular sobre o valor de um desses: não valem muito mais do que se cobra por eles. É preciso uma combinação de fatores para valorizar um Pointer GTi: encontrar alguém que goste deles, que esteja disposto a pagar mais caro por um exemplar bem conservado, e que seja louco o bastante para comprar um desses. Eu mesmo, que pensei nisso algumas vezes, só tenho o primeiro dos três requisitos.

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Foto: Costev Photographer/Flickr

Acho que eu teria um bordô, que é uma cor simbólica da época, mas também gosto do azul, que me lembra o Santana CLi duas-portas do meu avô. Também faria algumas modificações nele. A primeira seria dar um jeito nas buchas da barra estabilizadora. Depois viriam os freios; tentaria instalar uns discos e pinças maiores. A Ford certamente tem algum que cabe ali.

A suspensão ganharia amortecedores e molas esportivos (tenho certeza que a Bilstein e a Eibach têm um conjunto para o Escort Mk4), e as rodas seriam substituídas pelas manjadíssimas BBS RZ ou RS, que combinam com o espírito da época e são um ponto em comum entre o VW Corrado e o Ford Sierra RS. Acho que ao menos isso faria sentido no Pointer.

Pensando bem, é exatamente este o ponto: dar algum sentido ao Pointer GTi. E comprar um carro de um tempo em que eu nem sonhava em dirigir e modificá-lo para ser o que ele nunca foi faz muito sentido. Porque isso é a definição exata de nostalgia — a lembrança idealizada do passado associada à vontade de voltar àquele tempo. E o fato de nunca ter andado ou dirigido um Pointer GTi reforça ainda mais essa idealização: por não conhecer suas características de automóvel, a vontade de ter um destes vem somente da lembrança daquela foto na revista. Não faço a menor ideia de como será, mas também… se soubesse não seria idealização. E aí tudo perderia o sentido.