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Project Cars Project Cars #100

Project Cars #100: o desenvolvimento dinâmico, os testes mecânicos e os detalhes finais da construção do nosso Fórmula SAE

Fala, galera! Estamos de volta para o terceiro texto da série! Para quem não leu os primeiros e/ou não lembra a primeira parte está neste link e a segunda neste aqui. Antes de continuar, peço desculpas pela demora em publicar a continuação, e gostaria de agradecer ao Victor Rios Faria e mais todo o pessoal que colaborou pra o texto de hoje sair!

Bom, hoje resolvi falar um pouco da dinâmica do E60, tentar mostrar alguns desafios que tivemos pra conceber o conceito e também falar um pouco do geral do projeto, dar uma ideia de como a gente se organiza por aqui. Como sempre, todos os comentários e sugestões são bem vindos!

Como falei lá no começo e o pessoal de outros PCs de Formula SAE comentaram, podemos ganhar um total de 1000 pontos na nossa competição, e disso, praticamente 70% dos pontos são atribuídos às provas dinâmicas. Por isso, é muito importante que nosso carro seja projetado com a dinâmica veicular ideal para o nosso caso: Tipo de carro, tipo de pista, tipo de piloto… Como definido pelo autor renomado no domínio William F. Milliken, “dinâmica veicular é o ramo da engenharia que relaciona as forças aerodinâmicas e dos pneus às acelerações, às velocidades e aos movimentos do veículo aplicando as leis de Newton”.

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Sistema de suspensão e direção do E60

O Victor participou da nossa equipe como um dos membros da suspensão e direção de 2011 a 2013, sendo neste último o chefe responsável pelo projeto do E60. O grande desafio do ano era, a princípio, preparar o carro para receber um pacote aerodinâmico que melhorasse sua performance. No fim, como falei lá no primeiro texto, também tivemos que adaptar o projeto ao nosso novo motor, e isso inclui adaptar a nossa suspensão e deixar a dinâmica do carro 100% alinhada com nossa meta!

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Na nossa competição tivemos o prazer de ter a presença do Claude Rouelle, grande especialista em dinâmica veicular, julgando os carros da competição. Foi esse justamente o momento que o Victor estava sendo bombardeado de perguntas pelo belga

Como dito no começo, os grandes responsáveis por gerarem as forças que colocarão o carro em movimento são os pneus. Logo, nada mais lógico que se começar o projeto estudando as características desses “corpos de outro mundo de comportamento nada previsível”. É preciso saber qual o comportamento dos diferentes pneus nas mais diversas situações, e qual deles é o mais adequado para o seu caso.

No nosso caso, podíamos escolher entre os pneus de aro 13 da Continental, Goodyear e Hoosier, e os de aro 10 da Hoosier com dois tipos de compostos diferentes: R25B e LC0, esses dois compostos são bem macios, sendo o LC0 o mais macio entre os dois; além disso, a gente podia variar um pouco a tala dos pneus e a montagem nas rodas. No final, acabamos escolhendo o Hoosier aro 10 por conta das propriedades de inércia (quanto menos massa rolante a gente tiver no carro, melhor) e escolhemos o composto R25B que é um composto um pouco mais rígido que o LC0, ideal pra carros que têm uma aerodinâmica um pouco mais forte, assim como o nosso.

Escolher o pneu foi fácil, agora trazer ele pro Brasil foi outra história. Além da burocracia da PF com relação à importação de pneus, tivemos que enfrentar algumas burocracias dentro da própria universidade, justificar porque não “utilizávamos pneus de carros normais no lugar desses” e juntar uma boa grana. Felizmente no final deu tudo certo e estávamos com os pneus na época certa na nossa oficina.

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Pneus novos no carro e prontos para gastar!

Para uma boa performance, tão essencial quanto ter pneus coerentes para às características do veículo é garantir que eles trabalharão sempre nas condições ideais! E a resposta para isso não poderia ser outra: uma boa suspensão tem como objetivo manter o pneu em contato ótimo com o asfalto tanto quanto possível.

Um conceito muito importante em dinâmica veicular é o de balanço e estabilidade, que estão diretamente ligados à capacidade dos pneus de gerar força. Um carro pode apresentar um comportamento sub-esterçante (understeer), o equivalente a “sair de dianteira” ou sobre-esterçante (oversteer), “sair de traseira”. A condição de sub-esterçamento é uma condição estável, que pode ser corrigida intuitivamente pelo piloto, enquanto o sobre-esterçamento é uma condição instável e de difícil correção.

A escolha apropriada dos pneus, a transferência de carga em uma curva e as variações da geometria de suspensão são exemplos de fatores determinantes dessas condições, e todos estes são simulados e projetados para chegarmos à combinação ideal. Pra quem quiser ver um exemplo prático dos vários na internet, a RedBull explica bem:

Podemos então dizer que a suspensão tem que manter o carro balanceado, isto é, com um comportamento neutro, com leve tendência ao sub-esterçamento. Entretanto, devido ao melhor tempo de resposta de um carro sobre-esterçante, aproveita-se da tração traseira para possibilitar que o piloto controle o comportamento do carro com o acelerador, podendo levar o carro a essa condição em uma saída de curva, por exemplo, para ganhar tempo. Além das condições em pista, temos que também passar em provas de segurança e garantir que nosso carro trabalhe dentro das regras, inclusive ter o centro de gravidade baixo o suficiente para que o carro não levante as rodas em uma curva de alta…

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Nessa foto o carro está inclinado em um ângulo de 60 graus em relação ao chão sendo que nenhum fluido pode vazar e o carro não pode levantar as rodas da mesa

Tudo se torna ainda mais interessante quando chega o período de testes: a possibilidade de variar os setups do carro das mais diversas maneiras abre um leque de alternativas para buscar deixar o carro o mais próximo do ideal para cada prova. É impressionante ver como pequenos ajustes podem fazer grandes diferenças! Diferentemente de carros de turismo, nós podemos muito facilmente alterar parâmetros como cambagem, altura do carro, pré-carga das molas e ajustes do amortecedor. Fazemos isso tanto para deixar o carro do jeito que o piloto deseja, quanto para conseguirmos melhores tempos analisando os dados da telemetria. Os testes não são, enfim, só importantes para familiarizar os pilotos com o protótipo, o que aliás é muito importante, afinal são eles que vão botar o tempo em pista, mas também para otimizar sua performance ao máximo e validar o projeto obtido em simulação. O carro precisa ser equilibrado, ter um bom tempo de resposta e alto desempenho em curva, fora o piloto bem sincronizado com o carro e aproveitando ao máximo dele em todo momento, claro!

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Ajustes são muito importantes antes do teste!

Infelizmente pra prolongar um pouco o assunto eu teria que começar a entrar nos detalhes mais íntimos do projeto: falar das variáveis, quais tipos de ajustes e simulações fazemos e tudo mais, e acredito que o texto poderia começar a ficar um pouco chato. Quem tiver alguma dúvida ou quiser saber alguma coisa a mais, deixa nos comentários que a gente tenta responder!

E como conseguir organizar 60 estudantes para conceber um carro em menos de um ano? Organizar todo mundo pra projetar suspensões, aerodinâmica, chassi, motor, módulos da eletrônica e ainda ter gente para cuidar de marketing, rh e finanças não é fácil, ainda mais quando todo mundo tem provas e trabalhos durante o semestre! Com o passar dos anos conseguimos desenvolver um organograma que funciona bem pra gente, e dessa forma sempre é possível alocar o pessoal da Equipe em alguma área específica pra cada um ter uma cota de trabalho bem justa.

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Aqui temos como os cargos são divididos na equipe, e para cada cargo de chefes da área técnica temos alguns membros participando, assim como para cada gerente administrativo há pelo menos um membro em cada área

Além de organizar o pessoal todo em estrutura de cargos, precisamos nos organizar também com relação ao tempo. Precisamos de alguns meses para fazer todo o projeto, que inclui simulações e montagens no computador pra ver se nada vai se chocar, mais alguns meses para que as peças possam ser feitas e cheguem na oficina na qualidade que precisamos, e ai começa o processo de montar o carro, tentar andar a primeira vez, quebrar, arrumar, andar, quebrar e repetindo o ciclo até o carro ficar bem estável, sem peças quebrando por falhas de projeto, e ai sim a gente consegue começar a treinar pilotos e diminuir tempo de volta!

O nosso grande desafio com relação ao cronograma foi a troca do motor: Temos aproximadamente 11 meses para sair do conceito para o carro andando, e a decisão final de trocarmos o motor aconteceu 3 meses depois do início dos nossos trabalhos, ou seja, teríamos oito meses para fazer o carro, literalmente, do zero! E foi aí que tivemos que ajustar nosso cronograma para caber tudo, mas, principalmente, para não tirarmos o tempo do carro na pista, afinal era muito importante que nossos pilotos se acostumassem com o novo carro, que contava com um tipo novo de motor (Um 450cc é bem diferente de um 600cc na pista…) e toda ajuda da aerodinâmica, e era essencial que todos soubessem tirar o máximo proveito dessa downforce extra!

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Tentamos nos organizar para que todas as etapas sejam realizadas na época certa, porque a data final está sempre bem definida: a competição!

E claro que durante esse processo encontramos muitas barreiras que temos que enfrentar: falta de material pra fazer peças reservas, problemas aparentemente impossíveis de solucionar, cansaço, tempo etc. Basicamente os problemas que o pessoal dos outros PC (não só de FSAE) enfrentam.

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Antes de poder correr na pista o E60 passou por muitas horas de oficina…

E é muito importante que todas nossas decisões de projeto sejam bem fundamentadas, pois além do fato de que iremos gastar tempo/dinheiro/material na manufatura e/ou compra da peça, serem julgados por essas decisões lá no dia da competição! Mas, claro, nem sempre tudo sai como o planejado e alguns pequenos problemas acontecem, como, por exemplo, a sua flange quebrar!

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Ouch!

Mas no final essa trabalheira toda compensa, óbvio! Ver o filho dar os primeiros passos e depois ver ele correndo é um dos melhores momentos do ano! E, claro, ter a companhia de todo mundo que participa da equipe todos os dias na oficina, é como se fosse uma segunda família, dando suporte para que todos consigam fazer sua parte pro carro andar.

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Equipe EESC-USP Formula SAE no lançamento do E60, em Setembro de 2013!

Galera, tentei passar pra vocês mais um pouco de como foi nossa experiência construindo o E60. Para o próximo texto vou falar dos dias antes da competição e da própria competição, mostrar como desempenhamos lá e os resultados dos nossos trabalhos. Agradeço a atenção e qualquer dúvida ou sugestão só deixar nos comentários pra gente! Valeu!

Por Danilo Porto, Project Cars #100

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