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Projeto de lei que pode banir Waze e aplicativos de geolocalização volta a tramitar na Câmara

Enquanto a atenção de todo o Brasil estava voltada para o Senado Federal, que julgava o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a casa ao lado, a Câmara dos Deputados, aprovou um projeto de lei que pode banir o Waze e qualquer outro aplicativo e/ou dispositivo capaz de marcar pontos de interesse baseados em coordenadas GPS.

Tudo começou em 2013, quando o deputado estadual Major Fabio protocolou o projeto de lei 5596/13, que prevê a proibição do uso de aplicativos e redes sociais para divulgação de localização e informações sobre blitz e operações da Lei Seca, sob pena de multa de R$ 50.000 para quem infringisse a lei e a suspensão da operação dos serviços que permitirem a veiculação destas informações.

O projeto foi entregue às comissões permanentes do Congresso ainda em 2013. A coordenação das comissões apensou a este projeto um segundo projeto de lei, número 5806/13, do deputado Lincoln Portela, que propõe “tornar infração o ato de conduzir veículo com dispositivo, aplicativo ou funcionalidade que identifique a localização de radar, de autoridade competente de trânsito ou de seus agentes”. O valor da multa continua o mesmo: R$ 50.000.

“Apensar” é reunir dois projetos de lei com temas e objetivos semelhantes, assim, o projeto mais novo tramita como parte do projeto mais antigo. É este segundo projeto, apensado ao projeto original, que pode banir o Waze e praticamente qualquer aplicativo ou serviço de GPS como conhecemos atualmente. Em 2013 o projeto acabou arquivado, mas em 2015 o deputado Lincoln Portela solicitou o desarquivamento do projeto e a partir dali ele passou a tramitar na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Essa comissão é responsável pela avaliação da viabilidade do projeto dentro do aspecto tecnológico, um trabalho realizado ao longo de meses e que envolve a discussão do tema entre os deputados e representantes da sociedade, empresas e entidades de classe.

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Um destes debates ocorreu na forma de audiência pública em junho passado, e teve como como convidados um representante do InternetLab, um representante da Google e um representante do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas.

 

As controvérsias

Na ocasião os três convidados manifestaram-se contra o projeto de lei. O diretor do InternetLab, Francisco Brito Cruz, afirmou que a proposta precisa de um embasamento teórico que comprove que os aplicativos atrapalham a fiscalização de trânsito: “A presença dos aplicativos não necessariamente tem um impacto na blitz. A carência de dados cria um problema sem propósito. Temos que diagnosticar o problema para depois buscar a solução mais adequada”, disse.

O representante do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, o pesquisador e professor Eduardo Magrani, defendeu a liberdade de expressão garantida na Constituição: “O projeto é ruim para a liberdade de expressão. É uma censura de todo tipo de conteúdo em relação à blitz em redes sociais. O Brasil tem uma cultura que pretere a liberdade de expressão em honra de outros direitos”, afirmou. Magrani ainda completou dizendo que “a ineficácia do projeto existe pela dificuldade de exclusão de conteúdo, como monitorar constantemente essas postagens se o conteúdo é criptografado. O monitoramento excessivo das redes sociais não atende aos usuários e invade a privacidade deles”.

O representante do Google, o diretor da empresa no Brasil, Marcel Leonardi, disse que o projeto escutou apenas um lado das possibilidades fornecidas pelas plataformas: “O projeto de lei foi pensado na ideia básica de que as pessoas utilizam o aplicativo para escapar da blitz. Não se considerou um pneu furado em uma rua mais deserta, assalto em estradas, emergências mecânicas e médicas que poderiam ser resolvidas mais rapidamente”.

Apesar das manifestações contrárias dos especialistas, o projeto foi aprovado por unanimidade pela comissão nesta última terça-feira (30), e seguiu hoje (31) para a Comissão de Viação e Transportes da Câmara. Se for aprovado nesta segunda comissão, o projeto seguirá para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Nessa comissão o projeto tem alguma chance de ser barrado, uma vez que a proibição de divulgação de informações fere a liberdade de expressão garantida pela Constituição.

Se a Comissão entender que o projeto não fere a Constituição Federal, ele segue para o Senado Federal, onde será analisado pelas comissões definidas pela casa. Caso seja aprovado no Senado, segue para a presidência da república que tem 30 dias para aprovar ou vetar o projeto.

 

Os efeitos colaterais

A eventual criação desta lei não afeta apenas o recurso questionável de alerta de radares, mas também pode simplesmente banir em todo o Brasil as funções de marcação de pontos de referência baseados no interesse dos usuários, como por exemplo, postos de combustível e serviços, e até estabelecimentos comerciais.

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Pontos de interesse para navegadores: hoteis, postos de serviços, restaurantes, caixas eletrônicos…

Isso porque a função de marcação de radares e blitz por pontos de interesse é, tecnicamente, a mesma usada para marcar qualquer ponto de interesse baseado em coordenadas geográficas. Resumidamente, os serviços que permitirem que você identifique no GPS um posto de combustível, ou até mesmo o endereço da sua casa, poderão ser banidos do país.

Por último, ainda que o uso dos aplicativos para identificar radares seja moralmente questionável, ao identificá-los previamente os motoristas reduzem a velocidade para não evitar a multa. Dessa forma, a segurança não terá sido garantida como pretendido pelo poder público?