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Pensatas Trânsito & Infraestrutura

Redução de velocidade nas marginais de SP seria por segurança e fluidez… Será?

As marginais Tietê e Pinheiros, em São Paulo, são as vias de maior circulação de veículos no país, segundo estimativas da CET-SP. Em 2010, o site da prefeitura da cidade dava conta de que, só na Tietê, circulavam 350.000 veículos por dia, com 1,2 milhão de viagens diárias. Na Pinheiros, a circulação diária chegaria a 450.000 veículos, ainda de acordo com a prefeitura, em nota de 2012. São 800.000 veículos rodando por dia. Ou 24 milhões por mês. Ou 292 milhões por ano. Neste universo, morreram 73 pessoas no ano passado. Essa foi a primeira razão que a Prefeitura de São Paulo alegou para reduzir a velocidade máxima nas marginais a partir de hoje (20).

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Não há dados disponíveis sobre a quantidade atual de veículos que circulam por ali, mas um estudo de 1996, também da CET-SP, fala em 400 mil veículos na marginal Tietê e em 300 mil na Pinheiros. De todo modo, devido à idade do estudo, ao crescimento na frota e à falta de uma estatística mais atual, preferimos as informações esparsas que encontramos no site da prefeitura.

Se houvesse um cálculo feito de mortes por veículo, as das marginais ficariam com 0,00000025 morte por veículo — ou uma morte para cada 10.958 veículos. Mas o padrão para essa conta é a proporção para cada 100.000 habitantes da localidade em que as mortes ocorrem. Neste caso, falamos de São Paulo, que tem 11.253.503 habitantes, segundo o dado mais recente do IBGE. São 0,6 morte por 100.000 habitantes, uma marca que nem a Suécia, campeã em segurança viária, com três mortes por 100 mil habitantes, conseguiu atingir. As marginais, portanto, são um mar de segurança em um país com 22 mortes por 100.000 habitantes no trânsito.

Ainda de olho em estatísticas, há um risco mais alto de ser assassinado em São Paulo do que de ser vítima de um acidente de trânsito. Segundo dados da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública), um órgão estadual, foram assassinadas 1.198 pessoas em 2014 na cidade. Somados ao latrocínios (roubos seguidos de morte), que foram 150, o número chega a 1.348 pessoas. Ou 12 para cada grupo de 100.000 pessoas, na Capital. Quem anda mais devagar nas marginais está com mais medo de bandidos do que de acidentes.

 

5% das mortes

O estudo da CET que motivou a mudança, em sua página 15, informa:

“Dos 25.508 acidentes de trânsito com vítimas ocorridos em São Paulo em 2013, 1.275 aconteceram nas Marginais, equivalentes a 4,9% do total dos acidentes da cidade. Dos 1.114 acidentes de trânsito com mortes, 56 aconteceram nas Marginais, ou seja, 5% dos acidentes fatais da cidade.”

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Isso mesmo: 73 em 2014. Ou 5% de todas que ocorreram em SP  – Foto: César Ogata/Secom

É isso mesmo: 5%. Por conta de ter 5% dos acidentes fatais que ocorrem na cidade, as marginais tiveram redução de 90 km/h para 70 km/h nas vias expressas e de 70 km/h para 50 km/h para as locais. As centrais, quando existem, caíram de 70 km/h para 60 km/h. Um dos principais motivos da redução seria evitar os atropelamentos nas marginais, vias expressas que não têm sequer faixas de pedestres. Segundo Alessandro Rubio, membro da Comissão Técnica de Segurança Veicular da SAE BRASIL, foram 15 na Tietê e 10 na Pinheiros em 2014. Ou cerca de 30% de todas as mortes nas marginais naquele período.

Sim, nós obviamente concordamos que toda vida é preciosa. Mas, se é ela o motivo da mudança, por que não se ataca o que causa os outros 95% das mortes por trânsito na cidade?

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Os atropelamentos por ônibus cresceram 31% com as faixas exclusivas. Bora reduzir a velocidade deles? – Foto: Fábio Arantes/Secom

Um estudo realizado pelo site Fiquem Sabendo mostra que 28% dos atropelamentos causados por ônibus acontecem em faixas exclusivas. Com base nos mesmos dados, a Folha de S.Paulo informa que o número de atropelamentos causados por ônibus aumentou 31%. Metade dos atropelamentos fatais causados por ônibus, ainda de acordo com o jornal, ocorreram nas faixas exclusivas. O motivo seria o aumento de velocidade que as faixas de ônibus permitiram — o aumento que o secretário de transportes, Jilmar Tatto, e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, destacaram em entrevistas logo após a implementação.

Se o raciocínio usado pela prefeitura nas marginais fosse aplicado às faixas de ônibus, a velocidade dos ônibus teria de ser reduzida para 30 km/h, segundo o mesmo estudo da CET que instituiu a redução da velocidade:

“Com relação aos pedestres, o gráfico abaixo (2) expressa a relação entre a velocidade no momento do impacto e a chance de o pedestre morrer. Percebe-se que a expressão não tem comportamento linear, de incremento simples, mas exponencial, ou seja, a partir de 30 km/h, qualquer acréscimo na velocidade tem seu efeito muito ampliado sobre a letalidade do acidente. Assim, se um impacto a 30 km/h tem menos de 10% de chance de matar o pedestre, a 40 km/h, essa chance sobe para cerca de 20%, e, a 50 km/h, se aproxima dos 50% de chance, chegando a 100% para qualquer velocidade acima dos 80 km/h.”

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Os motivos

Observe bem estes números e nos diga: fazem algum sentido? – Foto: César Ogata/Secom

Felizmente, o raciocínio não foi aplicado e os ônibus seguem mais velozes e, portanto, eficientes. De todo modo, o secretário dos Transportes, Jilmar Tatto, forneceu à imprensa as seguintes informações como base da decisão de redução de velocidade nas marginais:

1 – um motorista a 90 km/h precisa de uma área de 465 m² para frear com segurança e de 170 m de distância;

2 – a 50 km/h, ele precisa de 140 m²;

3 – a 70 km/h, são necessários 85 m para parar completamente;

4 – um veículo parado ocupa uma área de 14 m²;

5 – velocidades máximas mais baixas diminuem os espaços necessários no trânsito e diminuem os congestionamentos, já que as distâncias de parada diminuem.

Infelizmente ninguém presente questionou o secretário sobre os dados da vida real durante sua apresentação. “Eles não batem com os que temos. No Brasil, usamos o espaço de frenagem como referência. E os de um veículo popular, que normalmente freia pior que os demais, é de no máximo 90 m a 120 km/h. Se ele estiver a 80 km/h, a distância será de uns 35 m, na pior das hipóteses”, diz Rubio, da SAE. “Quanto à área, os carros têm cerca de 1,80 m de largura e 4 m de comprimento, o que dá 7,2 m² de área ocupada quando estão parados, não 14 m².”

Para o engenheiro, a questão central na redução é se ela atingirá os objetivos apontados pela prefeitura. “Não parece que haverá uma redução na gravidade dos atropelamentos. Acima de 50 km/h, a chance de morte é de mais de 80%. No que se refere à diminuição de congestionamentos, os carros costumam andar mais próximos entre si do que as distâncias necessárias para parar. A redução até ajuda o fluxo, mas não na própria via. Ela é usada em vias locais para dar mais fluidez à via principal. E causa represamento nelas. Ou seja, você sacrifica as vias locais para dar mais fluidez às principais”, diz Rubio.

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Foto: Ana Paula Hirama/Creative Commons

Com a redução, ele vê a possibilidade de que o trânsito nas marginais melhore, mas porque os motoristas passarão a evitá-las. “Pode haver um estímulo a circular por avenidas com limite maior de velocidade.”

Para Geraldo Tite Simões, instrutor e diretor da Abtrans (Academia Brasileira de Trânsito), a redução também não deve fazer efeito. “O problema é justamente esse: o resultado! Claro que reduzir a velocidade reduz as consequências do acidente. Mas o que reduz o acidente é a boa formação do motorista. Reduzir a velocidade não melhora o motorista, apenas reduz a velocidade do mau motorista! Tem cidades em que a velocidade foi reduzida para 30 km/h e o número de vítimas caiu 95%! O passo seguinte é mandar os carros pararem de circular.”

Um de nossos leitores, Thiago Moreno, disse ao comentar sobre a redução: “Pra quem não entendeu o motivo de a redução nas pistas locais ter mudado de 70 km/h para 60 km/h e depois de 70 km/h para 50 km/h, explica-se: se você continuar andando a 70 km/h, dependendo da aferição de seu velocímetro e da tolerância entre a velocidade apurada e a considerada, você pode não tomar uma multa numa área de 60 km/h. Agora, na de 50 km/h, é multa na certa!”

Simões concorda com o diagnóstico. “E tem o caráter arrecadatório da medida! São Paulo perdeu muita arrecadação porque deixou as indústrias irem embora. E hoje vive de prestadores de serviços. Que não geram impostos. Mas o pior de tudo isso é ver que o Estado mais uma vez quer mascarar um dado que é conhecido de todo especialista: os motoristas são extremamente mal educados. Basta ver a quantidade de semáforo e lombadas: quanto mais semáforo e lombada tem uma cidade, isso mostra o quão mal educado é o motorista.”

 

Será que funciona?

Uma curiosidade de nossos leitores foi saber de experiências anteriores de redução de velocidade. Elas surtiram efeito? Um caso lembrado por eles foi o da redução de velocidade na av. 23 de Maio, em 2010, antes da gestão atual e igualmente criticada. Até houve matéria anunciando uma suposta redução, mas apenas um ano depois e com dados cuja origem desconhecemosVejamos os dados do relatórios de acidentes mais recente da CET-SP, o de 2013, com uma perspectiva mais ampla de tempo e que trata apenas dos acidentes com vítimas. No frigir dos ovos, eles são os que mais preocupam a prefeitura, de acordo com todos os discursos:

Acidentes-SP-2013-

Desde 2008 existia uma tendência de queda na av. 23 de Maio (177, 159 em 2009 e 146 em 2010). Em 2011, o número de acidentes com vítimas caiu para 106. Em 2012, subiu para 111. Em 2013, para 138. Com a velocidade mais baixa. Mas vale analisar outro caso: o da av. Interlagos, que teve sua velocidade reduzida de 70 km/h para 60 km/h em 2011. O resultado da redução aparece no mesmo quadro acima.

Em 2010, o número de acidentes com vítima foi de 159. No ano da redução, 2011, foi de 129. Um ano depois de a medida ter sido implementada, subiu para 147 e, em 2013, para 157. Tomando a medida de modo isolado, ela poderia ser apontada como um enorme fracasso. Especialmente diante do número de casos fatais.

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No ano da redução, 2011, morreram 3 pessoas em acidentes na av. Interlagos. Um ano depois, em 2012, os mortos foram 8. Ou quase o triplo.

Estes dois exemplos mostram que a redução de velocidade em si não surte lá muito efeito. Primeiro, porque quem descumpre a lei e coloca vidas em risco não vai deixar de fazê-lo. Segundo, porque não se força mudanças de atitude por decreto, mas sim com investimento em educação e formação para o trânsito. Tanto de motoristas quanto de pedestres.

 

O horário

O boletim técnico 53 da CET-SP, publicado em 2012, fez um estudo de mil acidentes fatais ocorridos entre o início de 2006 e o final do 1º trimestre de 2010. Destas mil mortes, 307 foram atropelamentos, ou 30,7% de todas as fatalidades. Mas não é esse o dado que mais nos interessa.

De todos os acidentes fatais que aconteceram no trânsito de São Paulo, 60,6% foram à noite ou de madrugada, horários em que limites de velocidade são tradicionalmente desrespeitados, assim como semáforos. Em muitos casos, com a anuência do poder público, que não consegue garantir a segurança de quem circula nestes horários. Foi de madrugada que um carro passou a 248 km/h por um fiscalizador de velocidade na marginal Tietê. Por que uma redução de limites iria inibir os motoristas que já cometiam infrações com os limites anteriores, mais altos?

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Rubio acredita que uma boa solução teria sido um período experimental, para ver se a medida teria os efeitos desejados. “Os acidentes que eles alegam que são graves nunca acontecem dentro dos limites da marginal. São sempre acima deles. A efetividade da redução é só para o agravamento da multa, se for flagrado. É necessária uma maior fiscalização dos veículos, especialmente nos horários mais críticos.”

Outro efeito colateral pode ser o agravamento dos acidentes. “Radares de frente não pegam motocicletas. Com isso, elas devem continuar a manter velocidades mais altas que as permitidas. A diferença de velocidade relativa entre carros e motos será maior, assim como a severidade de um eventual impacto”, diz Rubio.

Segundo Tite, é questão de segurança para as motos andarem mais rápido que os carros. “As motos não podem andar em velocidade baixa nas vias expressas porque são pouco visíveis e se tornam alvos dos outros veículos. Elas devem andar em velocidade igual ou maior à do fluxo, nunca menor.” A velocidades tão baixas, as motos poderão correr mais riscos.

A medida é tão “popular” que até a OAB-SP resolveu mostrar seu apoio… processando a prefeitura para que volte atrás na medida.

Um estudo da universidade Monash, na Austrália, defende a redução de velocidade como uma medida efetiva na segurança no trânsito, mas com uma ressalva: “Conseguir a aceitação e o suporte da comunidade à redução de velocidade é crítico, assim como encorajar melhores práticas de segurança no trânsito com mudanças de atitude em relação à velocidade e dar maior atenção às necessidades de usuários da via menos priorizados”. Pois é.