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Car Culture

Senna vs. Prost – a rivalidade contada pelo próprio Alain

Amores e ódios à parte, todo fã de Ayrton Senna com verdadeiro conhecimento do automobilismo deve concordar que Alain Prost foi um dos maiores pilotos de todos os tempos. O único que, com carros idênticos, era capaz de ser tão rápido quanto o brasileiro, mesmo tendo um perfil de pilotagem completamente diferente.

Em 1998, quatro anos após a morte de Ayrton, Prost pela primeira vez falou sobre a pessoa que fez de tudo para se tornar seu maior inimigo. É o tipo de entrevista fundamental para um exercício um tanto difícil aqui no Brasil: entender melhor o outro lado, sem procurar heróis ou vilões.


“Sinceramente, para mim é muito difícil falar sobre Ayrton, e não apenas porque ele não está mais entre nós. Ele era tão diferente, sabe, tão completamente diferente de qualquer outro piloto – qualquer outra pessoa – que eu já conheci…”

Conversando agora, mais de quatro anos após a morte de Ayrton Senna, Alain Prost está em uma posição desagradável. Por muito tempo os dois estiveram ligados. Indiscutivelmente os melhores pilotos de sua geração — um era praticamente o único inimigo do outro. Sendo assim, ao debater sobre Senna, Prost não pode vencer, e sabe disso. Se disser apenas palavras gentis, alguns dirão que seu tom era completamente diferente quando Ayrton vivia; se for pelo caminho inverso, todos o crucificarão por se atrever a criticar um ícone que não pode se defender.

“É por isso que sempre me recusei a falar sobre ele” disse Prost. “Quando ele morreu, disse que senti que uma parte de mim havia morrido também, porque nossas carreiras estavam tão interligadas. E realmente quis dizer aquilo, mas sei que algumas pessoas não acharam que fui sincero. Bem, tudo o que posso fazer é tentar ser o mais franco possível”.

Desde o começo da carreira de Ayrton Senna na Fórmula 1, em 1984, sua mira estava fixa em Prost. De certa forma era inevitável, já que Ayrton era um homem de uma intensidade extraordinária, alguém que precisava provar ser o melhor em todas as coisas, e naquela época Alain era a referência. Seu primeiro encontro definiu o tom de sua relação no decorrer dos anos.

“Eu me lembro bem. Na primavera de 1984, o novo circuito de Nürburgring foi inaugurado e houve uma corrida para pilotos da época e do passado, todos usando carros de rua da Mercedes. Eu fui de Genebra a Frankfurt em um voo comercial, e Ayrton chegaria meia hora depois, então Gerd Kremer da Mercedes me pediu para que o levasse ao circuito pista. No caminho conversamos, e ele foi bem agradável. Chegamos então à pista, e treinamos nos carros. Fui pole, com Ayrton em segundo – depois disso ele não mais falou comigo! Parecia engraçado na época. Então na corrida, assumi a liderança – e ele me empurrou para fora da pista depois de meia volta. Acho que foi um bom começo”.

Aquele ano, 1984, foi o primeiro de Senna na F1, e seu Toleman-Hart não estava à altura do pelotão da frente. Em Mônaco, no entanto, choveu, e quando a corrida foi encerrada, pouco antes de completar metade das voltas previstas, o novato estava prestes a tomar a liderança da McLaren de Prost.

“Desde o começo ele parecia bom, apesar de que nunca se pode ter certeza quando se está em uma equipe pequena. Ele fez uma grande prova em Mônaco, mas na época – quando os chassis eram bem menos rígidos do que agora – era possível ver um carro que se saía mal no seco correr bem no molhado. Claro que todos nós ficamos impressionados, mas com a ressalva de que às vezes um jovem piloto parece bom, mas então se junta a uma grande equipe, e parece medíocre. Sempre há essa dúvida até que o piloto consegue um carro veloz. Com Ayrton, no entanto, ficou bem claro que ele tinha um talento especial.”

“Outra coisa que todos deveriam lembrar é que, 27 anos atrás, havia muito mais pilotos muito bons na F1 do que hoje. Claro que Ayrton foi bem desde o começo, mas ele não mostrou nada que fosse realmente excepcional antes de Mônaco. Mônaco foi o começo: depois daquilo todos o descobriram, e começaram a falar dele. Sem isso, talvez demorasse um pouco mais, mas a coisa que impressiona, como eu digo, foi que ele parecia tão bom em uma época com tantos bons pilotos…”

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Senna desde o começo não mostrou muito apreço por reputações, e isso aborreceu muitas das estrelas da época. Depois de uma única temporada na Toleman, ele foi para a Lotus-Renault em 1985, venceu de forma brilhante o Grande Prêmio de Portugal (sob chuva), e esteve consistentemente nos pelotões de ponta. Mas em Hockenheim, por exemplo, ele cometeu um erro na Ostkurve, e quando Michele Alboreto foi ultrapassá-lo, Ayrton ziguezagueou à sua frente para não ser ultrapassado. Na época esse tipo de manobra não era bem vista pela comunidade da F1.

“Hmmm, sim, Senna era firme assim, desde o começo. Na verdade, uma coisa na qual acredito agora é que não era tanto uma questão de ser durão tanto quanto ter suas próprias regras. Ele as tinha, acreditava nelas, e era isso.”

“Ele era extremamente religioso, e costumava falar sobre isso, sobre falar a verdade, sobre sua educação, sua criação e tudo mais. Na época, eu costumava acreditar que algumas das coisas que ele fazia na pista não condiziam com tudo aquilo, mas agora me parece que ele realmente não sabia que estava errado. Como disse, ele tinha essas regras, as seguia e não se interessava no resto. Olhando agora, eu realmente acho que ele acreditava estar sempre certo, sempre dizendo a verdade – e na pista era a mesma coisa.”

Não foi, no entanto, até Senna se tornar colega de Prost, em 1988, que começaram os problemas entre eles. Um ano antes, a Lotus usou motores Honda, e Ayrton estabeleceu uma forte relação com os engenheiros japoneses. Além de sua chegada à McLaren, os japoneses chegaram também. E uma fonte na equipe definiu assim a situação: “Costumava enxergar Prost como um piloto da McLaren com motor Honda, e Senna como um piloto Honda com chassi McLaren.”

“Sim, me parece uma boa definição. Meu maior problema foi que eu realmente amava a McLaren, e queria fazer de tudo pela equipe. Para meu colega em 1988, as opções eram Senna e Piquet. Quando fui ao Japão com Ron (Dennis), para encontrar o pessoal da Honda, eu disse que Ron deveria optar por Ayrton, porque ele era um piloto mais talentoso, e para mim a equipe vinha em primeiro lugar. Se eu pudesse voltar agora para o início de minha carreira, eu teria a feito de forma diferente – me concentraria em mim e em meu trabalho”.

“Por sinal, eu poderia ter dito não à chegada de Ayrton na McLaren. Um ponto forte que tenho é que normalmente quando decido algo, não me arrependo, mas, no meu ponto de vista atual, naquele momento certamente cometi um erro”.

No primeiro teste de pré-temporada que fizeram juntos, no Rio, Prost viu que Senna não estava ali para brincadeira. “Estávamos testando os pneus, usando apenas um carro. Fui à pista primeiro, para depois ele assumir o volante. Fui aos pits, e os mecânicos começaram a trocar as rodas. Pude ver Ayrton ali, com o capacete, apressado, esperando que eu saísse, então decidi ficar no carro um pouco mais. E ele ficou furioso, dizendo a todos, ‘não é justo, não é justo!’ Então sai, e comecei a rir. Ele não…”

“Na verdade, nossa relação de trabalho na primeira temporada foi boa. O único problema foi em Estoril, no final da primeira volta.”

Foi um momento que nunca será esquecido por aqueles que o presenciaram. Na reta dos boxes Prost pegou o vácuo de Senna, então abriu para a ultrapassá-lo, quando Ayrton jogou o carro em sua direção, o deixando talvez a cerca de 15 centímetros do muro dos pits. Alain não tirou o pé, e tomou a liderança que perduraria até a bandeirada, mas logo depois dela deixou claro o que pensava.

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“A manobra em Estoril foi muito perigosa, e sim, depois eu fiquei furioso. Eu estava praticamente no muro, e realmente achei que iríamos nos tocar, e ter um grande acidente — com todo o pelotão logo atrás de nós. Não gostei nem um pouco, e disse isso a ele, mas, de certa forma, não o posso culpar pelo que fez, porque ele nunca teve problemas com isso. Quantas vezes em sua carreira na Fórmula 1 Ayrton foi punido por aquele tipo de coisa? Nunca.”

“Mas, fora isso, o primeiro ano não foi ruim. Em algumas ocasiões ele foi rigoroso comigo, mas não tivemos outros problemas. E, por sinal, ele me pediu desculpas pelo que aconteceu em Portugal.”

A dupla teve uma temporada sensacional em 1988. Prost marcou mais pontos (105, com sete vitórias e sete segundos lugares) que Senna (94, com oito vitórias e três segundos), mas Ayrton faturou o mundial de pilotos, 90 pontos contra 87, graças à regra na época, que considerava apenas os 11 melhores resultados.

“No final de 1988 eu estava bastante satisfeito pela equipe – fomos primeiro e segundo no campeonato, e não estava tão chateado por ele ter faturado o título; eu já o havia conquistado duas vezes naquela época, não foi um problema.”

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“Em 1989, no entanto, estava preocupado com a Honda. E acho que meu maior problema foi que eu nunca tive com eles a relação que Ayrton teve. Desde o começo, era algo sobre o qual eu nunca senti que tinha o controle. Eu nunca me preocuparia tanto se eles simplesmente preferissem um dos pilotos da equipe — mas a maneira como lidaram com a situação foi muito difícil para mim, porque Senna e eu tínhamos estilos de pilotagem bem diferentes.”

“Nunca entendi porque a Honda tomou tanto seu partido. Não era uma questão do mercado de automóveis no Brasil ou na França, ou coisa assim. Era algo mais humano. Trabalhei com a Honda novamente no ano passado [1997] – desta vez como dono de equipe – e notei isso novamente: acho que os japoneses simplesmente trabalham diferente. Em uma equipe, eles sempre favorecem alguém em relação aos outros. Já ouvi isso sobre suas equipes de motociclismo também.”

“Deixe me dar um exemplo. Em certo ponto durante 1988, o último ano em que usamos turbos, pedi algumas mudanças específicas no motor para combinar com meu estilo de pilotagem e trabalhamos nisso durante dois dias em Paul Ricard. Ao final do teste fiquei bastante satisfeito, mas na corrida seguinte, uma semana depois, não deixaram que eu usasse a estratégia em meu motor.”

“Fomos então para o Grande Prêmio da França — em Paul Ricard — e de repente o motor estava como eu queria! Entende o que eu digo? Ayrton e eu competimos juntos por duas temporadas com os McLaren-Honda, e em ambos os Grandes Prêmios da França eu fui pole e venci a prova. Todos diziam, ‘Veja, é Prost vencendo em casa’, esse tipo de coisa. Não foi nada disso; foi que nessas corridas eu tive algo que me permitiu brigar…”

“Entenda bem, não é nada contra Ayrton, ok? Ayrton era muito rápido, e durante os treinos de classificação ele era muito melhor do que eu — muito mais comprometido, assim como eu acho que era na minha época de piloto mais jovem da equipe, contra Niki (Lauda).”

“Enfim, antes da temporada 1989 eu jantava no golf club em Genebra com o então presidente da Honda, Sr. Kawamoto e outras quatro pessoas. Ele admitiu que eu estava certo em acreditar que a Honda estava mais por Ayrton do que por mim.”

“Ele disse, ‘Você quer saber por que apoiamos tanto Senna? Bem, não posso estar 100 por cento certo.’ Mas uma coisa que ele me disse foi que a nova geração de engenheiros trabalhando nos motores estava a favor de Ayrton, porque ele era mais um samurai, e eu era mais um computador.”

“Então, aquilo era uma explicação, e eu fiquei satisfeito, porque então eu pelo menos sabia que algo não estava correto. Parte do meu problema foi que Ayrton era tão rápido, e não era fácil saber o quanto isso vinha dele, e quanto era a ajuda da Honda. Então depois desse jantar com o Sr. Kawamoto, eu pensei, ‘Bem, pelo menos não sou estúpido – algo realmente acontecia, e agora entendia a situação.’”

Mesmo assim, a situação não iria melhorar. Muito pelo contrário, por sinal. Em 1989, a frágil relação entre Prost e Senna se esfacelou, e a que existia entre Alain e a McLaren não estava muito melhor.

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“Até então, eu nunca tivera problema algum com qualquer um na McLaren, mas 1989 foi diferente. Meu contrato estava para terminar ao final do ano, mas o de Ayrton não. Ron sabia que o futuro de sua equipe estava com a Honda – logo, com Senna. Ele tentou me convencer a ficar, mas na realidade não podia manter nós dois, e eu lhe disse em julho que sairia ao final da temporada. Em minha opinião, ele não foi justo comigo em 89. Ainda somos bons amigos, e, apesar de tudo, ainda penso na McLaren como a minha equipe. Mas Ron sabe minha opinião sobre aquela época.”

“Naquele período, estava completamente desiludido, Depois de tudo o que eu havia feito com a equipe, e pela equipe, eu não achava que poderia ser tratado daquela forma. Mas no final das contas, você sabe, Ron tentava levar sua equipe adiante, e claro que posso entender isso.”

Em Ímola, a maior rivalidade no automobilismo foi semeada. Senna e Prost, como sempre, classificaram na primeira fila, um segundo e meio à frente do resto, e Ayrton sugeriu que não colocassem em risco a prova em uma briga na primeira curva, Tosa, da primeira volta: quem quer que chegasse primeiro nela manteria a liderança. Alain concordou. Na largada, Senna assumiu a liderança, e na Tosa, Prost se manteve atrás.

No entanto, a corrida foi interrompida quando Gerhard Berger sofreu um grave acidente. Na relargada, foi Prost que tomou a ponta – mas na Tosa, Senna a recuperou.

“Mais tarde, ele argumentou que não era a largada – era a relargada, então o acordo não se aplicava. Como eu disse, ele tinha suas próprias regras, e algumas vezes elas eram muito… bem, vamos dizer estranhas. Foi ideia de Ayrton, para início de conversa, e eu não tinha problemas com ela. Depois, no entanto, eu disse que era o fim; continuaria a trabalhar com ele, em assuntos técnicos, mas no que se referia à nossa relação pessoa, era o fim. E a atmosfera na equipe ficou muito ruim, claro.”

“Quando chegamos a Monza, eu estava à frente dele no campeonato, por cerca de 10 pontos. Mas aquela corrida. Foi o verdadeiro fundo do poço entre a McLaren e eu. Senna tinha dois carros, com 20 pessoas ao seu redor, e eu tinha apenas um carro, com talvez quatro ou cinco mecânicos trabalhando por mim. Eu estava absolutamente só, em um canto da garagem, e esse foi talvez o mais duro final de semana da minha carreira automotiva. A Honda estava pegando pesado comigo na época, e era difícil tentar lutar pelo campeonato naquela situação. Na prática, Ayrton era quase dois segundos mais rápido do que eu — ok, eu disse, ele certamente se classificava melhor do que eu, mas dois segundos? Aquilo era uma piada.”

Na corrida, no entanto, Senna abandonou, e Prost venceu; quando se dirigiram para Suzuka e Adelaide, as duas últimas provas da temporada de 1989, Alain liderava por 16 pontos. Naquele momento, a McLaren-Honda essencialmente trabalhava como duas equipes diferentes, que por acaso operavam do mesmo boxe. Novamente, os dois carros alvirrubros estavam na primeira fila, com seus pilotos em um estado provocador, Senna sabia que tinha que vencer, enquanto Prost deixava claro que não facilitaria as coisas.

“Eu disse a equipe e a imprensa, ‘Não há chance alguma de que eu abra passagem para ele.’ Conversávamos com frequência, saiba você, sobre a primeira curva, a primeira volta, e Ron sempre dizia que o importante era que não batêssemos um no outro, devíamos pensar na equipe. Bem, no que me dizia respeito, Senna pensava sobre si, e era isso. Por exemplo, na largada do Grande Prêmio da Grã-Bretanha daquele ano, chegando à Copse, se eu não tivesse me movido três ou quatro metros fora do traçado, teríamos nos atingido, e ambas as McLarens teriam abandonado na hora. Esse tipo de coisa aconteceu demais; já era o bastante para mim.”

“Quanto ao acidente entre nós na chicane, sim, eu sei que todos pensam que eu fiz de propósito. O que eu digo é que não abri passagem, e só. Eu não queria terminar a prova daquele jeito – eu liderei desde a largada, e queria vencer.”

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“Eu tinha um bom carro; fui muito mal durante a classificação, comparado com Ayrton, e eu me concentrei totalmente na corrida. Durante o aquecimento fui quase um segundo mais rápido do que ele, e na corrida em si estava bem confiante, mesmo quando começou a me alcançar.”

“Não o queria muito perto, claro, mas queria que estivesse perto o bastante para que seus pneus se desgastassem mais rápido; meu plano então era que eu pisasse fundo nas últimas dez voltas. Então ele tentou me ultrapassar – e para mim a maneira como ele fez parecia impossível, porque ele estava muito mais rápido que o normal em uma zona de frenagem.”

“Não podia acreditar que ele tentou naquela volta porque, quando chegamos na chicane, ele estava longe. Quando você olha nos retrovisores, e o cara está 20 metros atrás de você, é impossível julgar, e eu nem imaginei que ele tentava me ultrapassar. Mas ao mesmo tempo eu pensei, ‘Não há chance alguma de eu deixar um espaço, nem de um metro. Sem chance.’ Eu tirei o pé do acelerador, freei – e virei.”

Um ano depois os dois estavam de volta a Suzuka, novamente para decidir o Mundial, e desta vez era Alain que tinha que vencer. Apesar de não estarem mais na mesma equipe, ele e Ayrton não tinham diluído a intensidade de sua briga. Era melhor que Prost, disse Senna, não tentasse fazer a primeira curva à sua frente: ‘Se ele tentar, não vai terminar…’ Na corrida, a 240 km/h, a McLaren foi na traseira da Ferrari.

“Bem, o que se pode dizer daquilo? Depois que eu abandonei conversamos sobre isso, e ele me admitiu – assim como fez para a imprensa – de que fez aquilo de propósito. Ele me explicou porque fez. Ele estava furioso com (o presidente da FIA) Balestre por não concordar em mudar o grid, para que ele pudesse começar na esquerda e não do lado sujo, e ele me disse que decidiu que se eu chegasse à primeira curva na sua frente, me tiraria.”

“O que aconteceu no Japão em 1990 é algo que nunca esquecerei, porque não envolvia apenas Ayrton. Algumas pessoas na McLaren, vários dirigentes — e muitos na imprensa — concordaram com o que ele tinha feito, e isso eu não podia aceitar. Sinceramente, quase me aposentei depois daquela corrida.”

“Como eu sempre disse, sabe, ele não queria me derrotar, metaforicamente ele queria me destruir — essa era sua motivação desde o primeiro dia. Mesmo naquela corrida com carros de turismo da Mercedes, lá em 1984, eu percebi que ele não estava interessado em derrotar Alan Jones, Keke Rosberg, ou qualquer outro — era eu, apenas eu, por algum motivo.”

No final da carreira de Prost como piloto, a situação nunca mudou. Mas no pódio em Adelaide em 1993, a última corrida de Alain, os dois se abraçaram, e foi como se, agora que Alain já não era um rival, Ayrton não via motivos para hostilidade. Prost ficou surpreso com o gesto.

“Sim, eu fiquei – e também um pouco desapontado, para ser sincero. Isso irá mostrar algo sobre Ayrton. No Japão, na prova anterior, ele venceu, e eu fui segundo. Enquanto caminhávamos do pódio para a coletiva de imprensa, eu lhe disse, ‘Esta pode ser a última corrida em que estamos juntos em uma coletiva de imprensa, e eu acho que devemos mostrar algo agradável às pessoas – talvez um aperto de mãos, ou algo.’ Ele não me respondeu, mas não disse não também, então eu achei que talvez ele tivesse concordado. Fomos à coletiva – e ele nem sequer olhou para mim.”

“De fato, eu até pensei que talvez na Austrália nós pudéssemos trocar de capacetes, os últimos capacetes que usamos em uma prova um contra o outro — mas depois do Japão, eu esqueci disso, porque ele não parecia interessado em nenhum tipo de reconciliação.”

“Fomos então para Adelaide, e terminamos em primeiro e segundo novamente. No caminho para o pódio, ele já começava a conversar um pouco, e ele me disse, ‘O que você vai fazer agora?’ Fiquei muito surpreso! ‘Ainda não sei’, eu disse. ‘Você vai ficar gordo’, disse ele, e sorriu. Então no pódio ele pôs seu braço em minha volta, apertou minha mão, e tudo. Por quê? Porque agora foi sua ideia, e sob suas condições. Ok, de qualquer forma aquilo foi bom. Mas aquele era Ayrton – se fosse sua ideia, certo; caso contrário, esqueça.”

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Mais tarde, Senna admitiria para um amigo próximo que somente após a aposentadoria de Prost ele percebeu o quanto de sua motivação vinha de brigar com seu rival. Apenas alguns dias antes da sua morte, em uma filmagem em Ímola para a Elf, ele surpreendeu a todos com uma saudação espontânea: ‘Gostaria de dar as boas vindas ao meu amigo Alain – todos sentimos sua falta…’. Prost ficou comovido com aquilo.

“De fato, depois que me aposentei conversamos com certa frequência ao telefone. Ele me chamou diversas vezes, geralmente para conversar sobre segurança; ele queria me manter envolvido com aquilo, e tínhamos concordado em conversar sobre o assunto em Ímola. Naquele final de semana ele falou, falou, falou, sobre segurança, e parecia mais suave do que antes – para mim, ele mudou completamente em 1994. Me parecia muito para baixo de certa forma, sem a mesma força de antes.”

“Tivemos esta conversa na sexta, e o encontrei novamente na manhã do domingo – depois do acidente fatal de Roland Ratzenberger, claro. Eu estava com diversas pessoas no motorhome da Renault. Você sabe como era Ayrton geralmente – ele iria da garagem direto para seu motorhome, mas naquela manhã eu fiquei muito surpreso, porque ele veio no meio de todas aquelas pessoas, o que ele normalmente não fazia, para chegar até mim. Conversamos, e ele realmente tentou ser simpático, amigável.”

“Eu o vi rapidamente então na garagem. Não queria incomodá-lo, mas sabia que ele queria de ajuda, que ele precisava conversar com alguém. Aquilo era óbvio. Nós iríamos conversar novamente na semana seguinte…”

O funeral de Senna aconteceu em São Paulo, quatro dias depois, e Prost foi um dos muitos pilotos que compareceram. Não foi uma decisão particularmente difícil de tomar, disse ele, exceto por um único motivo.

“Sabia que queria ir, mas Ayrton e eu tínhamos uma história de tanto tempo que eu realmente não sabia como o povo brasileiro a enxergava: ficariam eles incomodados se eu fosse, incomodados se eu não fosse, ou o que? No dia seguinte ao acidente, eu estava em Paris, e um amigo de Jean-Luc Lagardère (o presidente da Matra) me ligou. Sua esposa era brasileira, e eu lhe pedi um conselho. ‘Já tenho a passagem’, eu lhe disse, ‘mas o que você acha que devo fazer?’ Ele me disse que deveria ir, que o povo brasileiro iria gostar disso. Eu não queria ser empurrado – eu realmente queria ir – mas ele me convenceu. E eu agora sei que se não tivesse ido, teria me arrependido pelo resto de minha vida.”

“Não houve hostilidade contra mim em São Paulo – muito pelo contrário, por sinal. Ainda tenho contato com a família de Ayrton; no dia seguinte ao funeral, seu pai me convidou para sua fazenda, e conversamos por um bom tempo. E eu vejo sua irmã com frequência, faço o que posso para ajudar na fundação.”

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“Ayrton certamente foi o melhor piloto contra quem corri, por uma longa margem. Ele foi, de longe, o piloto mais comprometido que eu já vi. Para ser sincero, eu acho que talvez o melhor piloto de corrida– em termos de realmente aplicar inteligência – foi Niki, mas no geral Ayrton era o melhor, de longe. Ele foi muito bem sucedido em tudo o que importava para ele, tudo o que ele definiu como metas para si.”

“Na verdade, eu acho que não seria impossível que, com tempo, nós nos tornássemos amigos. Dividimos muitas coisas, afinal de contas, e uma coisa nunca mudou – mesmo quando nosso relacionamento estava no seu pior ponto – que foi o grande respeito um pelo outro enquanto pilotos. Eu não acho que nenhum de nós se importou muito com qualquer outro. E houve ainda as vezes em que nos divertimos juntos, sabe. Nada muito frequente, mas…”

“Ele era estranho, sabe. Em 1988, me lembro, tínhamos que ir ao Salão de Genebra para a Honda; são apenas 40 quilômetros da minha casa, então o convidei para um almoço antes, e depois iríamos juntos até lá. Ele veio a minha casa – e dormiu por duas horas! Quase não falou nada.”

“Então, depois do almoço, saímos para caminhar, e eu ainda lembro claramente de nossa conversa. Gostava de conversar com ele: às vezes podia ser entediante se prolongava sobre algo, mas geralmente era fascinante. Sim, acho que no fim poderíamos ter ficado amigos. Uma vez que já não éramos adversários tudo mudou.”

“Olho para aqueles dias agora e penso, ‘Jesus, o que era aquilo? Por que passamos por tudo aquilo?’ Às vezes tudo parece um sonho ruim. Talvez pelo fato de geralmente estarmos tão à frente, era inevitável que houvessem problemas entre nós, mas porque (a relação) se tornou tão venenosa – por que precisamos viver aquilo? Eu costumava dizer às pessoas, ‘Você é fã de Ayrton Senna? Bom, tudo bem – mas por favor, não me odeie!’ Foi o mesmo com a imprensa.”

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“A pressão era tão grande, tão grande… Se tivéssemos que fazer tudo novamente, acho que diria a Ayrton, ‘ouça, nós somos os melhores, podemos destruir todos os outros!’ Com muita inteligência, poderia ter sido um sonho bom. Mesmo assim, com tudo o que aconteceu, foi uma história fantástica, você não acha? E eu acho, que de certa forma, nós sentimos a falta disso hoje.”


Esta entrevista de Alain Prost a Nigel Roebuck foi publicada originalmente no dia 1º de outubro de 1998, na revista Motor Sport, e está disponível em inglês no excelente site ProstFan.