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Car Culture

Lendas do WRC: Ford Escort RS1800, a ovelha negra britânica

Como vimos nos posts anteriores da série Lendas do WRC, os primeiros anos do Mundial de Rali foram dominados pelos italianos, com três vitórias do Lancia Stratos e três do Fiat 131 Abarth — este, campeão em 1977, 1978 e 1980. Mas o que aconteceu em 1979? Naquele ano, um pequeno britânico papou nove das 12 etapas da temporada. Era o Ford Escort RS1800 — carro que, acredite, passou muito perto de não competir no WRC.

É estranho pensar nisso, visto que as duas primeiras gerações do Escort têm uma belíssima história nos ralis — já na primeira geração, de 1968, o Escort venceu provas importantes, como a corrida de Londres ao México em 1970, parte do World Cup Rally, uma das quatro maratonas de rali intercontinentais que aconteceram entre 1968 e 1974. Na verdade, o WCR foi a competição que plantou a semente para o Rali Dakar, em uma história que sem dúvida merece ser contada em outra ocasião.

De qualquer forma, por que, então, o Escort Mk2 quase não competiu no WRC?

A razão era puramente técnica: a divisão de ralis da Ford temia que o carro não fosse competitivo o suficiente. Veja bem, o Escort de segunda geração, lançado em 1975, era basicamente uma evolução do anterior, incorporando todos os seus aspectos chave: a plataforma de motor dianteiro longitudinal e tração traseira, a distribuição de peso e até motores e versões.

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Seu visual era bem mais moderno, sim, com uma grade preta aletada e mais linhas retas na carroceria, mas a concorrência era brava, começando com o Porsche 911 e o Lancia Stratos — é mole? Estes tinham como uma das principais vantagens o fato de o motor e as rodas motrizes estarem bastante próximos, o que melhorava a tração e, consequentemente, a velocidade nos estágios de terra e asfalto irregular do WRC.

O Fiat 131 Abarth também tinha motor dianteiro e tração traseira, mas a Fiat alterou quase tudo no carro e as modificações, especialmente a suspensão traseira independente, o tornaram um verdadeiro rolo compressor, esmagando todo mundo… menos o Escort RS1800 em 1979. Como o Ford conseguiu?

Uma palavra: Cosworth.

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O motor do Escort RS1800 era espetacular, e compensava o fato de, diferentemente do que aconteceu com a Fiat — que praticamente transformou o 131 em outro carro para o WRC —, a Ford não destinar boa parte de seus investimentos para desenvolver um especial de homologação para os ralis. O 131 Abarth usava um sofisticado sistema de suspensão traseira independente para garantir o estabilidade e velocidade nas curvas. O Escort era força bruta — claro, o carro recebeu uma gaiola de proteção de 14 pontos, ganhou um sistema de suspensão traseira com feixes de mola e amortecedores telescópicos e teve o peso aliviado, mas seu coração era mesmo o motor.

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Este foi projetado pela companhia britânica em 1967, usando como base o motor do Ford Cortina. O chamado Cosworth BDA foi usado no Escort RS1600, versão de rali do Escort Mk1, deslocava 1,6 litro e, com comando duplo no cabeçote, entregava até 200 cv nas versões mais potentes.

Não seria o bastante, porém, para enfrentar a dura concorrência que se formaria nos anos seguintes (não vamos repetir todos os nomes toda vez, OK?). Sendo assim, em 1975 a Cosworth começou a melhorar o motor para colocá-lo no nem-tão-novo-assim Escort, começando pelo óbvio: maior = melhor.

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Aumentando o diâmetro dos cilindros de 80,97 mm  para 86,75 mm (o curso dos pistões permaneceu em 77,62 mm), o deslocamento do motor aumentou de 1,6 para 1,8 litro. Na versão de rua, feita para homologação, o motor entregava modestos 122 cv. Na versão de competição o bloco permitia um aumento ainda maior no diâmetro dos cilindros, que ficaram com 90,4 mm, e o resultado era um motor de dois litros.

Em especificações padrão, o motor era alimentado por dois carburadores Weber de corpo duplo e entregava algo entre 240 cv e 255 cv. Com injeção mecânica Kugelfischer, porém, o rendimento arranhava os 280 cv — em um motor de dois litros sem turbo ou compressor!

A estreia do Escort MkII no WRC aconteceu em 1975 e, notavelmente, ele se mostrou um forte concorrente desde o início — especialmente na última etapa, o RAC Rally britânico, quando Timo Mäkinen venceu com outros dois Escort atrás dele. Vitória tripla em seu ano de estreia? Épico!

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O RS1800 continuou vencendo com relativa consistência, mas o ano de 1978 foi um marco pois, com três vitórias (sendo uma dobradinha e uma vitória tripla), o Escort chegou muito perto de conquistar seu primeiro título, marcando 100 pontos contra 134 pontos da Fiat na temporada.

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A glória, porém, demoraria mais um ano: em 1979 o Escort conseguiu cinco vitórias em 12 etapas e acumulou 147 pontos. Some a isto uma maré de azar da Fiat, que só venceu uma vez e marcou 82 pontos, e você tem um carro campeão. Para melhorar, dois  dos pilotos da equipe de fábrica da Ford — o sueco Björn Waldegård e o finlandês Hannu Mikkola,— subiram ao pódio juntos nada menos que nove vezes e ficaram com o primeiro e o segundo lugar no campeonato de pilotos.

Mas ainda não acabou: Ari Vatanen também correu pela Ford naquele ano ao volante do Escort e do Fiesta, e sua pontuação foi essencial para abrir a enorme vantagem sobre a Fiat. “Dear god!”, não é o que dizem?

Agora, infelizmente, foi a primeira e última vez que o Escort RS1800 conquistou um título nos ralis. O ano de 1980 trouxe uma recuperação da Fiat e o ano seguinte viu um azarão chamado Talbot Sunbeam Lotus abocanhar o título — mas, em compensação, Ari Vatanen foi o campeão entre os pilotos em 1981 com o Escort. De qualquer forma  todos eles ficaram ultrapassados em 1982, quando uma revolução chamada Audi Quattro trouxe consigo a tração integral e mudou para sempre a história dos ralis. Mas esta é uma história para uma próxima vez.