A nossa série sobre as Lendas do WRC está cheia de medalhões — até agora já tivemos o Alpine A110, o Lancia Stratos, o Fiat 131 Abarth e o Ford Escort RS1800. O próximo nome da lista, campeão de 1981, talvez seja o mais desconhecido de todos: o Talbot Lotus Sunbeam. O único nome mais famoso aí é o do meio, visto que é o de uma empresa cujo fundador disse “simplifique e adicione leveza” uma vez e nunca mais foi esquecido.
Mas a frase dita por Colin Chapman não é o único legado da Lotus — ainda que seus carros leves e divertidos, como o Lotus Elan e, mais recentemente, o Elise e o Exige, sejam sua marca registrada, a companhia britânica também entende muito de ajustes de motor e acertos de suspensão — não é à toa que, nos anos 1970, 1980 e 1990, diversas fabricantes contrataram a Lotus para desenvolver versões esportivas de seus modelos ou até ajudar no desenvolvimento de alguns carros (como o Lotus Omega), muitas vezes, para ajudar a alavancar as vendas.
Foi este o caso do Talbot Lotus Sunbeam. O hatch de duas portas com motor dianteiro e tração traseira nasceu em um período conturbado da indústria automotiva britânica — bem no meio dos anos 70. Para se ter uma ideia, a companhia que o desenvolveu era uma fabricante falida chamada Rootes Group, que só foi salva porque a Chrysler a comprou e deu-lhe o nome de Chrysler UK.
A Chrysler exigiu ajuda do governo britânico para o desenvolvimento de um novo modelo, compacto, econômico e barato, que tivesse potencial para vender bastante e ajudar a recuperar a indústria automotiva da terra da rainha — e conseguiu… depois de ameaçar deixar o país.
Em 1974 começou o desenvolvimento do novo carro, que foi definido como um hatchback compacto, prático, com motor dianteiro pequeno e tração traseira. As linhas retas ajudariam no aproveitamento de espaço e fariam com que o carro continuasse moderno por alguns anos, e o compartilhamento de plataforma com o famoso Hillman Avenger — que foi uma herança do Rootes Group e vendido em diversos cantos do mundo, incluindo no Brasil como Dodge Polara e na Argentina como Volkswagen 1500 — permitia um desenvolvimento rápido e não muito dispendioso.
Resultado: o Chrysler Sunbeam, que ficou pronto em apenas 19 meses e usava um motor de 0,9 litro e 42 cv. Não era um foguete, mas tinha tudo para dar certo.
Só que não deu. A Chrysler não entendeu porque o Sunbeam nunca vendeu bem, mas especialistas em mercado na época atribuíram o insucesso à falta de outras opções de carroceria — a Chrysler achou que ter o Avenger com versões sedã e perua seria o bastante para suprir a demanda. Resultado: em 1978 a companhia decidiu vender sua parte britânica para a PSA – Peugeot Citroën, que decidiu ressuscitar uma das marcas adquiridas no negócio (uma verdadeira pechincha, fechado pelo preço simbólico de US$ 1): a Talbot.
Assim, até 1981 o Chrysler Sunbeam foi vendido como Talbot Sunbeam, sendo que a mudança consistiu em trocar o emblema da Chrysler no capô pelo letreiro da Talbot. Eles nem se preocuparam em tirar a estrela de cinco pontas da marca americana da grade! Não precisamos dizer que não adiantou muito, e aquele ano foi o último do Sunbeam no mercado. Agora… pensando em retrospecto, sua carreira não poderia terminado melhor: em 1981, o Talbot Lotus Sunbeam foi o campeão do WRC. Mas como?
Tudo começou quando a Chrysler decidiu que a melhor maneira de fazer o público comprar o Sunbeam era, obviamente, transformá-lo em um hot hatch. Começou tímido, com um motor de 1,6 litro alimentado por dois carburadores Weber de 100 cv. O carro foi apresentado no Salão de Paris de 1978 como Sunbeam Ti. Ele chegou ao mercado no ano seguinte, já como Talbot, e fez relativo sucesso entre os entusiastas — especialmente aqueles que não se importavam em ter um carro mais barulhento e desprovido de alguns itens de conforto, contanto que fosse rápido.
Só que não era exatamente isto o que o mercado queria na época — e, mesmo assim, havia opções melhores como o Golf GTI. Seriam três anos de esquecimento até que o carro saísse de linha e o grupo PSA decidisse focar em projetos desenvolvidos dentro de casa, mas antes a marca decidiu que o Sunbeam teria um último momento de glória.
Novamente o chute inicial foi dado pela Chrysler que, ainda em 1978, encomendou à Lotus uma versão de rali para o Sunbeam. A ideia foi do diretor da divisão de competição Des O’Dell que, aparentemente, tinha como objetivo na vida derrotar o Escort, o 131 Abarth e companhia no WRC. Ele estava desesperado para isso, e sabia que a Lotus tinha exatamente o que eles buscavam.
No caso, era o motor 900 da Lotus — um quatro-cilindros de dois litros com comando duplo no cabeçote que tinha dimensões idênticas às dos motores da Opel/Vauxhall mas, ao contrário do que muita gente pensa, não era igual a eles e nem baseado neles, tendo sido desenvolvido pela própria Lotus. A verdade é que a Lotus chegou a usar os motores Opel para testar seus cabeçotes com comando duplo, mas a relação parou por aí.
Enfim: para o Talbot Sunbeam, a Chrysler encomendou um motor exclusivo. Sendo assim, a Lotus pegou o motor 911, aumentou o deslocamento para 2,2 litros. Se o 900 já era um motor já bastante forte, com dois carburadores e até 160 cv nas versões mais potentes, o 911 era ainda mais impressionante. Graças, entre outras coisas, a um par de carburadores de 48 mm e taxa de compressão de 11:1, o motor rendia nada menos que 234 cv na versão de competição, chegando a 250 cv na configuração mais potente. O motor era acoplado a uma caixa manual de cinco marchas da ZF.
Foi o bastante para que, em 1980, o Talbot Lotus Sunbeam vencesse o Lombard RAC Rally Britânico com ninguém menos que Henri Toivonen no comando. Mas foi só uma amostra do que estava por vir no ano seguinte: mesmo com uma única vitória — o Rally Codasur, na Argentina, com os franceses Guy Fréquelin no volante e Jean Todt como navegador —, os sete pódios do Sunbeam garantiram 117 pontos no fim da temporada. Era o bastante para lever o título de construtores com 11 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, a Datsun.
Como o Talbot Lotus Sunbeam teve uma vida curta, não há tantos registros fotográficos ou vídeos dele em competições — é mais fácil encontrar imagens da versão de homologação para as ruas, que tinha 150 cv e já foi tema de uma matéria especial aqui mesmo no FlatOut. Mas não é por isso que ele não merece o lugar que conquistou entre as Lendas do WRC, não é?