Você talvez já tenha ouvido dizer que poucos carros são tão gostosos de pilotar quanto um Fusca bem acertado: ele é leve, tem tração nas rodas certas, uma traseira que gosta de desgarrar e, para muita gente, um dos roncos mais legais já produzidos por um motor. Quer uma amostra? Então veja este Fusca 1956 preparado com o clássico kit Okrasa. Seu dono se chama Michael Gross, e sabemos pouco dele além do fato de ele mandar muito bem no comando de seu besouro nervosinho. Para ter noção do que estamos falando, assista ao vídeo aí embaixo:
O vídeo foi postado há alguns dias no fórum The Samba, dedicado aos Volkswagen refrigerados a ar. O autor do tópico, o usuário grueni (seu nome verdadeiro é Christian), disse que o carro pertence a seu amigo Michael Gross, e que se trata de um Käfer (como o Fusca é chamado na Alemanha) 1956, modelo conhecido como “oval” por causa do formato da janela traseira dos carros fabricados entre 1953 e 1957.
O local, aparentemente, é um evento para carros clássicos na Alemanha, realizado em estradas públicas (fechadas, obviamente). A primeira coisa que se nota é o interior do Fusca, com aspecto original preservado e com direito até mesmo a alguns acessórios de época, como a bandeja de vime abaixo do painel. Note como os elementos do painel dos Fusca da década de 50 são arranjados de forma diferente, e repare que há um conta-giros no centro, onde normalmente ficaria o relógio.
Foto: Michael Gross
Então, você vê que o piloto não usa macacão ou capacete. Seus trajes são uma jaqueta de couro, uma boina, óculos escuros vintage e luvas de pilotagem (a italiana Sermoneta faz algumas ótimas) — o organizadores não devem ser muito rígidos… de qualquer forma, a tocada de Michael é mesmo clássica, sem forçar o carro além do limite, porém aproveitando tudo o que ele tem para oferecer.
O acerto da suspensão ajuda — de acordo com a descrição do vídeo, recebeu novos braços oscilantes (e provavelmente foi rebaixada) —, garantindo rolagem de carroceria mais contida e reduzindo os solavancos quando os pneus recuperam a aderência depois de uma saída de traseira. Aliás, nota-se aqui uma característica comum a carros com entre-eixos curto e motor traseiro: leve tendência ao sub-esterço ao entrar e contornar a curva, que é revertida em sobresterço na saída. Contudo, o que se nota aqui é que o sobresterço é natural, controlado e sem sustos. Diversão pura.
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Outra coisa que se nota é o ronco do motor — suave e encorpado, o que denuncia um coletor de escape dimensionado. Olhando o velocímetro (o modelo antigo, com escala até 120 km/h), dá para ver que Michael se mantém, na maioria do tempo, entre 80 e 100 km/h, o que é muito bom para um Fusca 1300, até mesmo porque a sensação de velocidade é maior em um carro leve e pequeno.
Curioso sobre o tal kit Okrasa? A empresa fundada em 1951 por Gerhard Öttinger fabricava kits de performance para o boxer de quatro-cilindros da VW que, na época, deslocava 1,2 litro (ou 1.200 cm³, na nomenclatura dos fãs do Fusca) e entregava algo entre 28 e 36 cv — não era um foguete, obviamente, e seu desempenho era apenas suficiente para garantir que o carro ultrapassasse os 100 km/h.
O Okrasa nome é uma sigla para Oettinger Kraftfahrtechnische Spezial Anstalt, ou “Oettinger Componentes Automotivos Especiais”. A empresa existe até hoje e é considerada a preparadora especializada em Volkswagen mais antiga do planeta. Você talvez a conheça por seu nome atual: Oettinger Sportsystems. Sim: a mesma empresa que faz kits para extrair 400 cv do atual motor 2.0 TSI do grupo Volkswagen.
Mas nos anos 1960 os kits Okrasa eram oferecidos em duas variações: TS-1200 e TSV-1300/30. O primeiro consistia em novos cabeçotes (mais baixos para aumentar a taxa de compressão de 6:1 para 7,5:1) e um par de carburadores Solex 32PBIC, os mesmos usados no Porsche 356 na época; além de opcionais como filtro de ar Fram e radiador de óleo, este desenvolvido pela própria Okrasa.
O TSV-1300/30 era o mais popular e mais completo, pois além de oferecer todos os itens do primeiro kit, também vinha com um novo virabrequim, feito de cromo-molibdênio e desenhado para aumentar o curso dos pistões de 64 para 69,5 mm. O resultado era um aumento no deslocamento para 1.295 cm³, ou 1,3 litro, que aumentava a potência de 36 para 48 cv. Pode não parecer muito, mas fazia muita diferença em um motor de cilindrada tão baixa. É este o kit instalado no Fusca de Michael Gross. De acordo com um comentário do próprio Michael no vídeo, a taxa de compressão é ainda mais alta, com a potência beirando os 65 cv.
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Com o sucesso dos kits na Europa a Okrasa passou a exportá-los para os EUA a partir de 1956. Mesmo sendo populares nos anos 1950 e 1960, os kits originais hoje são bastante raros e caros. Por sorte, existem empresas como a americana Wolfsburg West, que fabricam kits com as especificações dos Okrasa originais e utilizam até componentes produzidos no Brasil, como os cabeçotes da Autolinea.