Olhando para este Ford A 1929, provavelmente você deve ter pensado que se trata de uma belíssima restauração — daquelas que refazem parafuso por parafuso e deixam o carro como ele era quando saiu da fábrica — ou até melhor. Pois bem, este carro está muito melhor do que era quando saiu da planta da Ford em Dearborn, Michigan: trata-se de um restomod totalmente inesperado que resultou no carro que, para nós, é a mais perfeita definição de sleeper, em todos os aspectos.
Trata-se de um projeto antigo e relativamente famoso que, por algum mistério do universo, ainda não apareceu nas páginas do FlatOut — mas chegou a hora de mudar isso.
Tudo começou quando, em 1993, um famoso piloto de rali que jamais quis ser identificado comprou dois Ford do início do século 20, um Modelo T 1924 e um Modelo A 1929, durante uma competição de rali na Argentina. O Modelo T foi restaurado nos padrões originais, e este seria o destino do Modelo A se não fosse uma conversa casual com o dono da oficina de restauração contratada para fazer o serviço.
A Maekelae Auto Tuning (MAT) fica na Finlândia (o que já nos entrega a nacionalidade do sujeito) e especializou-se em recuperar a antiga forma de esportivos e carros de corrida clássicos — há alguns Jaguar E-Type, Lancia Delta Integrale, Ferrari 308 e outros modelos históricos restaurados ou em processo de restauração em seu portifólio, que já é interessante por si só. Contudo, foi o Ford Modelo A que os deixou mundialmente conhecidos.
Durante a conversa, o piloto misterioso deixou escapar que seu motor favorito de todos os tempos era o Cosworth BDA projetado para o Ford Escort de rali do Grupo 4 na década de 1980 — um monstrinho de dois litros capaz de entregar 250 cv a 8.400 rpm e 27,6 mkgf de torque a 7.200 rpm — girador, não? Foi aí que surgiu a ideia: em vez de restaurar o carro todo e seu rudimentar motor de 3,3 litros e 40 cv, por que não conseguir o motor Cosworth de um Escort de rali e criar um sleeper totalmente inacreditável?
Soa como uma boa ideia e, pelo jeito, eles também acharam isso.
Obviamente não foi só uma questão de restaurar o carro e trocar o motor — nunca é, ainda mais quando falamos de um carro de noventa anos de idade (ele tinha 70 naquela época, mas você entendeu). Sendo assim, o Fordinho precisou ser restaurado e modificado (restomod, afinal) com reforços estruturais e outros componentes para se tornar capaz de suportar um motor de competição muito mais moderno e quase sete vezes mais potente.
Carroceria, detalhes de acabamento externos e internos e o aspecto geral do carro foram trazidos de volta à originalidade — processo usual de restauração, com recuperação dos componentes de metal, novos revestimentos e recuperação do que fosse recuperável. Só que o foco aqui é o que mudou radicalmente, a começar pelo que não se vê: a estrutura, um primitivo chassi do tipo escada, recebeu reforços por toda a sua extensão, mas incorporados de forma a parecerem instalados na fábrica há nove décadas. Este foi o foco de todo o carro — manter o visual e a estrutura o mais próximos possível de um Modelo A original, com desempenho comparável ao de um esportivo moderno.
A suspensão, por exemplo, manteve o feixe de molas semielípticas na dianteira, mas ganhou uma barra Panhard para melhorar a estabilidade. Atrás, a opção foi trocar o eixo rígido com diferencial original (que não suportaria a nova cavalaria) pelo eixo de uma van da Toyota, completo com uma nova suspensão do tipo four-link. O conjunto todo foi rebaixado em cerca de 5 cm — o bastante para melhorar consideravelmente a estabilidade sem comprometer demais o visual. De fato, é difícil para quem não costuma ver carros como este com frequência notar a diferença.
O motor Cosworth foi acoplado a uma transmissão manual de cinco velocidades da ZF (que também veio de um Escort de rali do Grupo 4). O conjunto é capaz de levar o carro de 0 a 100 km/h em cerca de cinco segundos (!) e ronca como um verdadeiro bólido de rali. Na verdade, vê-lo acelerando meio que confunde os sentidos:
O nível de comprometimento com o visual original chega ao cofre do motor, que teve o coletor modificado para ficar com uma cara mais vintage. Não se parece muito com um motor flathead dos anos 20, mas casa perfeitamente com o aspecto do carro — ainda mais com esta pintura verde.
Os pneus são Dunlop Racing especiais de 19 polegadas, que calçam as rodas de alumínio feitas pela própria MAT e pintadas à mão para imitar madeira (e convencem!), enquanto os freios são a tambor, de origem Toyota, nas quatro rodas — não a solução mais moderna, mas certamente muito mais eficientes do que os originais (com direito a um freio-de-mão hidráulico que, imagine, JAMAIS é usado para fazer powerslides…).
Talvez a única coisa que entregue que há algo muito estranho neste Ford Modelo A sejam os cintos de competição — afinal, caso alguém faça alguma besteira, não dá para contar com zonas de deformação programada ou airbags. Mas isto é só um detalhe, que contrasta perfeitamente com as almofadas no banco traseiro. E a gente certamente esqueceria de tudo isto caso passássemos alguns minutos ao volante deste sleeper improvável — e simplesmente espetacular.
[ Fotos: Maekelae Auto Tuning / Sugestão de Matheus Utzig ]