Uma das maiores críticas à atual Fórmula 1 é ao ronco dos motores. Temos certeza de que todo mundo entende a preocupação com emissões de poluentes, que resultou na adoção dos motores V6 sobrealimentados e dos conjuntos híbridos. E esta é, de fato, uma questão importante. Assim, os monopostos da maior categoria do automobilismo jamais foram tão velozes e avançados como hoje – e certamente são mais limpos e eficientes do que nunca. Mas a experiência auditiva ficou bem menos intensa, isto é inegável.
O ronco dos motores V12 dos anos 80 e 90, ou mesmo os V10 que foram utilizados até 2005 – aspiração natural, limite de giro encostando nas 20.000 rpm, potência próxima dos 1.000 cv em acerto de competição – é simplesmente inigualável para a maioria dos fãs. Mesmo os motores V8 (como o consagrado Cosworth DFV e suas 167 vitórias durante as décadas de 1960, 1970 e 1980) com seu berro rouco e agressivo, conquistam admiradores até hoje através de relatos de quem viveu aquela época e registros audiovisuais disponíveis na Internet.
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Outro motor V8 emblemático da Fórmula 1 é o Judd. Ele pode não ter a mesma reputação lendária que o DFV da Cosworth, mas foi amplamente usado por equipes intermediárias da F1 nos anos 1980 e 1990.
A Judd foi fundada em 1971 pelo piloto Jack Brabham (o primeiro na história a conquistar um título com um carro construído por ele mesmo) e pelo engenheiro John Judd. O primeiro projeto, contudo, foi um motor V8 turbinado para a Honda na Fórmula Indy, que tinha a fama de ser econômico e confiável. A estreia na Fórmula 1 aconteceu em 1988, com as equipes March, Ligier, Lotus e Williams, com um V8 naturalmente aspirado de 3,5 litros e 600 cv. A March e a Lotus conseguiram bons resultados – e até pódios – com esses motores. Como o brasileiro Mauricio Gugelmin, que foi o terceiro colocado no GP do Brasil de 1989, disputado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Talvez tenha sido esta a razão para que o piloto de hillclimb Reto Meisel, dono da equipe Team Meisel Motorsport, tenha escolhido o V8 Judd para instalar naquele que certamente é um dos carros de subida de montanha vitoriosos dos últimos anos: seu Mercedes-Benz 190E.
O 190E é um carro que, com o perdão pelo clichê, dispensa comentários: além de ser uma das lendas do DTM, o Campeonato Alemão de Carros de Turismo, ele deu origem a um dos especiais de homologação mais cobiçados que existem: o 190E Cosworth. O carro de Meisel, porém, ficou famoso por apresentar outra faceta do sedã alemão.
Se você der o play e fechar os olhos, pode por um segundo ter a impressão de que se trata de um Fórmula 1 de trinta anos atrás. E, de fato, o motor do carro veio de um Brabham que competiu em 1990. Agora, estamos diante de algo bem mais complexo do que um mero engine swap com um motor de F1.
Reto Meisel é dono de uma concessionária Mercedes-Benz na Suíça, o que ajuda a explicar sua predileção pelos modelos da marca. Entusiasta e profundo conhecedor destes carros, ele fez questão de que o 190E fosse um projeto de altíssimo nível. Na foto abaixo, por exemplo, podemos ver a estrutura tubular que abriga o motor e dá suporte à suspensão, e também sistema de admissão de fibra de carbono que fica oculto sob o capô.
Este é o V8 em um dinamômetro de bancada, onde foi realizado o acerto da ECU Motec:
Em sua última especificação, o motor entregava 570 cv a 9.900 rpm e 40,8 mkgf de torque, moderados por uma transmissão sequencial Hewland de seis marchas. A Meisel Motorsport competiu com o 190E entre 2007 e 2013, quando seu sucessor ficou pronto. Abaixo, o W201 em uma de suas últimas provas:
Embora o 190E com motor Judd fosse incrível, talvez ele já estivesse abaixo do que Meisel procurava para se manter competitivo. Então, entrou em cena o SLK 340 – são as vantagens de ser dono de uma concessionária Mercedes…
O carro começou sua vida como um SLK da geração R172, embora a Meisel Motorsport jamais tenha revelado a versão exata. O motor stock foi substituído por um Judd DB de 3,4 litros (por isso o carro foi batizado SLK 340, refletindo o deslocamento do motor) desenvolvido para a categoria LMP2 da Le Mans Series. Controlado por uma ECU Cosworth, o motor entrega 618 cv e 43,8 mkgf de torque, e é capaz de girar a até 10.000 rpm.
Assim como o 190E antes dele, o SLK340 recebeu uma transmissão Hewland sequencial de seis marchas, que leva a força para as rodas traseiras através de um diferencial de deslizamento limitado Powerflow. O câmbio é acionado por aletas atrás do volante para trocas manuais.
Além do novo conjunto mecânico, o SLK recebeu um conjunto de modificações bastante abrangente. Sendo um revendedor Mercedes, não foi difícil para Reto Meisel conseguir acesso aos arquivos em CAD do monobloco e, com isto, projetar uma rollcage feita sob medida e todos os componentes da carroceria, incluindo para-lamas alargados, difusores e uma gigantesca asa traseira, de forma mais precisa e eficiente.
Graças à adoção de elementos de fibra de vidro e fibra de carbono (e à obrigatória eliminação dos acabamentos internos e itens de conforto), o SLK 340 pesa esbeltos 800 kg – resultando em uma relação peso-potência de 1,29 kg/cv.
A suspensão utiliza braços triangulares sobrepostos nas quatro rodas, além de amortecedores KW de competição com três ajustes distintos. Já os freios usam discos de carbono-cerâmica com ABS Teves Race.
Reto Meisel já compete há cinco anos com o Mercedes-Benz SLK340. Para a temporada de 2018 do Campeonato Suíço de Hillclimb, o carro recebeu uma nova pintura em roxo, vermelho e branco, mas manteve as mesmas especificações técnicas – as mudanças a cada temporada se resumiram a diferentes acertos de suspensão e ajustes aerodinâmicos.