Se você já curtia carros nos anos 1990, dificilmente terá muitas lembranças dos modelos AMG da Mercedes. Na época os esportivos alemães que faziam sucesso de verdade aqui eram os Porsche, os BMW M e os Audi S e RS. A Mercedes era só um carro que seu avô gostaria de ter.
Não é para menos: foi só em 1993 que a AMG se tornou uma divisão da Mercedes e, diferentemente dos BMW M3 e M5 e dos Audi S2, RS2 e S4, S6 e S8, que aportaram no Brasil já nos primeiros anos após a abertura das importações, os AMG chegaram de forma mais discreta, com menos opções e em números muito menores que seus rivais.
E como se não bastasse, eles eram oferecidos somente com câmbio automático em uma época em que isso era sinal de maior consumo e menor desempenho. Visual de vovô, câmbio automático e impossíveis de se ver na rua. Não era o tipo de carro que um moleque de 14 anos sonharia ter. Os BMW eram muito mais legais e os Audi eram os esportivos escolhidos pelo Ayrton Senna. Ao menos era o que a gente achava naquela época.
Desculpe, Mercedes, mas este era o supersedã fodástico dos anos 1990
O primeiro Mercedes que chamou a atenção de verdade foi o CLK GTR, um dos poucos carros de homologação da categoria GT1 da FIA que foi produzido e vendido de verdade. Mas aí também era covardia: o negócio era praticamente um protótipo do antigo Grupo C com grade, lanternas e faróis do CLK, com um motor V12 na traseira e o maior preço já visto para um carro zero até então. Era um supercarro que você gostava por ser diferente de todos os Mercedes, e não por que era um Mercedes.
Essa história só começou a mudar de verdade quando a AMG inventou a Black Series e decidiu que seus carros não deixariam de ser um Mercedes se eles os transformassem em algo menos tiozinho. De repente os Mercedes tinham um visual agressivo, um motor sociopata e se tornaram algo que seu avô acharia barulhento e exagerado. Foi nessa época que comecei a prestar mais atenção aos AMG, embora tenha começado a me interessar pelos Mercedes em 1996 ou 1997, quando soube que um tio havia arrematado um E320 novinho.
Foi essa guinada que ajudou a transformar os modelos AMG em algo desejável para o público mais jovem, que cresceu admirando os BMW e Audi esportivos, ao mesmo tempo em que promoveu os modelos do passado a um certo status de cult cars.
Como a AMG está completando 50 anos neste ano, decidi compartilhar com vocês meus AMG favoritos de cada uma das cinco décadas de estrada da divisão, inspirado por este post do GT Spirit.
Die rote sau: 300SEL 6.8 AMG
Dos anos 1970 não poderia ser outro carro: o Red Sow, um dos carros de corrida mais improváveis da história. Ele nunca foi vendido, nem inspirou uma versão de rua oferecida aos clientes interessados em mais potência para seus Mercedes. Este Classe S de chassi longo foi escolhido simplesmente por ter um enorme V8 de 6,3 litros que, na época, era maior motor oferecido pela marca.
Nas mãos da AMG o V8 de 250 cv originais ganhou novos comandos de válvulas retrabalhados com balanceiros modificados, bielas aliviadas, válvulas de admissão maiores, aumento da taxa de compressão, novos coletores de admissão, borboleta de corpo duplo e escape de competição. Radiador de óleo e virabrequim balanceado deveriam garantir a durabilidade ao longo das 24 horas. Resultado: aumento da cilindrada para 6,8 litros, 428 cv de potência e 60,7 kgfm de torque.
Para reduzir o peso, as portas originais foram trocadas por outras de alumínio, e a Mercedes emprestou um jogo de rodas de liga leve do C111. O resultado foi uma redução para 1.650 kg, melhor do que antes, mas ainda bem pesado.
O peso e o entre-eixos longo não ajudavam muito nas curvas de menor velocidade, mas seu V8 6.8 compensava nos trechos mais velozes de Spa-Francorchamps. A confiabilidade mecânica fez o carro resistir por 24 horas de corrida sem grandes problemas e terminar a prova em segundo lugar geral, colocando a AMG no mapa.
O modelo continuou disputando provas de endurance até 1973, quando o regulamento limitou a cilindrada a 5.000 cm³. O 300SEL 6.8 AMG então foi vendido à Matra, onde testava pneus aeronáuticos e depois simplesmente desapareceu. O modelo que a AMG exibe hoje é uma recriação.
The Hammer: 300CE AMG
Se o 300SEL colocou a AMG no mapa, foi o 300E/300CE AMG dos anos 1980 que tornou a marca conhecida mundialmente e a aproximou oficialmente da Mercedes-Benz. Ele foi o primeiro modelo comercializado e garantido pela fabricante, ainda que fosse produzido de forma totalmente independente usando como base o modelo 300E ou 300CE.
Originalmente equipado com um 3.0 de seis cilindros, a AMG decidiu colocar o V8 de cinco litros e 32 válvulas no cofre do 300E, substituindo o robusto seis-em-linha de 180 cv por um monstro de 340 cv. Nos anos seguintes o 5.0 foi substituído por um 5.4 de 355 cv e, mais tarde, por um 5.6 de 360 cv e um 6.0 de 375 cv.
Nesta última versão o 300E era mais rápido que o Lamborghini Countach na aceleração de 100 a 195 km/h, segundo a AMG. A afirmação nunca foi medida, mas é plausível dependendo das relações de marchas. O que já foi medido e não foi contestado é que o Hammer foi o primeiro sedã a chegar aos 300 km/h, embora não fosse um modelo produzido em série.
Mais tarde a Mercedes chegou a fazer sua própria versão do modelo, o 500E W124, fabricado pela Porsche, mas ele não tinha nenhuma ligação com a AMG.
O segredo bem guardado: C55 AMG W202
Chegando aos anos 1990 a AMG se tornou a divisão oficial de esportivos da Daimler-Benz, e começou a lançar versões esportivas para praticamente todos os modelos — do C36 AMG ao S70 e SL73 AMG. Foi nessa década também que a AMG construiu o CLK GTR, mas apesar de ser um carro de corrida com placas e rádio, ele não é meu favorito desta época.
Minha escolha é o obscuro C55 AMG W202. Não tem erro nenhum: o C55 era uma opção ao C43 AMG. Você despejava um caminhão de dinheiro na conta da Mercedes e eles faziam a gentileza de substituir o motor 4.3 pelo V8 5.4 do E55 AMG. Quem já viu um W202 de perto, sabe que ele não é maior que um Honda Civic, nem muito mais pesado. Imagine então o que este V8 de 347 cv faz em um sedã (ou perua!) de 1.495 kg. Resposta: zero a 100 km/h em 5,5 segundos e velocidade máxima de 300 km/h.
SLK55 Black Series
Quando falamos nos Black Series o último modelo que a maioria das pessoas lembra é justamente o primeiro de todos eles: o SLK55 Black Series. Ele não tem a carroceria larga dos demais modelos, nem um V12 como o SL65. Mas é o meu favorito por uma série de razões.
Começando pelo porte compacto: são apenas 4,09 metros de comprimento e 2,43 metros de entre-eixos. Números de hot hatch dos anos 1990. O entre-eixos curto pode até ser um ponto fraco quando se fala em velocidade em linha reta, mas é um ponto forte onde interessa: nas estradinhas sinuosas que só você conhece.
Depois tem o peso, que é dos mais baixos possíveis com um V8 de 5,4 litros: 1.506 kg. Com os 400 cv do V8 5.4 aspirado, temos uma relação peso/potência semelhante à do AMG 63 S atual, porém com menos peso se tem menos inércia polar, o que torna o carro mais ágil nas mudanças de direção e tudo aquilo que Colin Chapman já provou em 30 anos de Fórmula 1.
Depois tem o fato de as quatro saídas de escape estarem logo ali, a menos de um metro das suas orelhas, com uma simples camada de vidro para filtrar a experiência sonora. Poucos AMG terão uma experiência tão orgânica quanto esse carinha de quem ninguém lembra.
SLS AMG
Como representante da quinta década da AMG eu poderia ter escolhido o GT R, que é o carro de tração traseira mais rápido em Nürburgring, tem um V8 potente, econômico e roncador, apesar dos dois turbos, e, na minha opinião, conseguiu reproduzir a silhueta do 300SL com mais fidelidade que o SLS AMG.
Mas nessa década minha opção seria mesmo o SLS AMG. As portas asa-de-gaivota por si seriam um bom motivo, mas ele ainda tem o V8 que é o auge da tecnologia aspirada da AMG, o 6.2 M159 com 591 cv e um bom desempenho em pista, considerando que sua volta em Nürburgring Nordschleife levou exatos 7 min e 30 s.
Mas acima de tudo, ele foi o primeiro modelo desenvolvido do zero pela AMG. Além de ser um carro especial por suas características técnicas e seu design, ele é um marco na história da AMG e da Mercedes. Sua maior semelhança com o 300SL não são as portas asa-de-gaivota, mas o status do carro como início de um novo tempo. O AMG GT é um supercarro incrível, mas foi o SLS AMG que ensinou o caminho a ele.