Depois de quatro temporadas desenvolvendo seus carros e a própria equipe, a Mercedes AMG F1 começou a temporada de 2014 dominando as pistas da Fórmula 1. Até agora foram sete vitórias em oito corridas — e todas elas com pelo menos um dos pilotos no pódio — exibindo um domínio semelhante ao da Ferrari nos tempos de Schumacher e Barrichello ou a McLaren na era Senna e Prost.
A história de vitórias da Mercedes nos Grandes Prêmios, começa muito antes desta temporada dominada por Lewis Hamilton e Nico Rosberg. Antes mesmo da McLaren adotar seus motores, ou dos anos 1950, quando Juan Manuel Fangio e Stirling Moss faturavam vitórias na Fórmula 1. Na verdade, as primeiras vitórias da Mercedes-Benz foram anteriores à própria Fórmula 1.
Tudo começou no início da década de 1930. A Mercedes havia acabado de se juntar à Benz, e ambas haviam sido bastante competitivas nas temporadas de Grandes Prêmios anteriores à fusão, mas a empresa estava com problemas financeiros devido aos reflexos da crise de 1929 e não poderia continuar tocando sua equipe de automobilismo.
Nessa mesma época o Partido Nacional Socialista havia acabado de chegar ao poder na Alemanha, com Adolf Hitler assumindo o cargo de chanceler. Ele foi procurado por um executivo da Daimler-Benz e acabou fechando um acordo de patrocínio com a equipe, pois as vitórias no automobilismo, na época, eram uma forma de afirmar a superioridade tecnológica de um país.
Inicialmente o governo alemão injetaria 500 mil Reichmarks (RM) na Mercedes, mas com a Auto Union no páreo, o dinheiro acabou dividido entre as duas fabricantes — 250 mil RM para cada.
W25: o primeiro carro, e a invenção da Flecha de Prata
O primeiro carro da Mercedes construído nessa época foi o W25, que criado para a Fórmula 750 para carros com até 750 kg de peso máximo. Ele era equipado com um motor de oito cilindros em linha (os V8 ainda não eram populares nessa época) com 359 cv de potência produzidos com ajuda de um compressor mecânico que lhe dava um assovio característico sob aceleração.
Diz a lenda que foi este o carro responsável pela cor prata dos carros alemães. A versão mais conhecida da história é que o chefe da equipe, Alfred Neubauer, e o piloto Manfred von Brauchitsch removeram a pintura para manter o carro dentro do peso máximo permitido pelo regulamento, deixando ele apenas nas chapas de alumínio sem pintura. Assim nasceu o apelido Silberpfeil (ou Silver Arrows, as Flechas de Prata).
O W25 venceu algumas provas em 1934 e conquistou o campeonato europeu de Grandes Prêmios em 1935 com o piloto Rudolf Caracciola. Em 1936, seu último ano nas pistas, ele foi derrotado pelo poderoso Auto Union Type C de Bernd Rosemeyer.
W125: a evolução marcada por longos recordes
Com um carro superado, a Mercedes precisava de algo mais potente para enfrentar a Auto Union, e um carro mais potente foi o que eles fizeram. Batizado de W125, ele seria apenas um quebra-galho para a temporada de 1937 pois o regulamento dos Grandes Prêmios seria modificado para 1938. Por isso ele durou apenas um ano, mas foi suficiente para quebrar recordes que duraram muito mais do que o terceiro Reich que ajudou a bancá-lo.
Projetado pelo então jovem Rudolf Uhlenhaut, que o testou em velocidades de corrida em Nürburgring, o W125 era significativamente mais rígido que seu antecessor graças ao chassi de tubos ovais de níquel-cromo molibdênio, e resolveu o problema de velocidade do W25 com um motor que só teve sua potência superada pelos carros da Can Am dos anos 1960 e pelos Fórmula 1 turbo dos anos 1980.
O W125 usava um oito-em-linha, como seu antecessor, mas com o deslocamento aumentado de 3,6 para 5,5 litros e continuava sobrealimentado por compressor mecânico. A potência subiu para 655 cv (sim, seiscentos e cinquenta e cinco) e ajudou Rudolf Caracciola a recuperar o título de 1937 perdido para Rosemeyer.
Não havia muitos recursos para controlar essa potência absurda na época, mas ele já usava suspensão com braços triangulares e amortecedores na dianteira e um tubo De Dion na traseira com amortecedores hidráulicos e barra de torção. Como o Auto Union Type C, também havia destracionamento acima dos 240 km/h.
Ainda durante o campeonato o W125 ganhou uma versão aerodinâmica para uma corrida em Avus, a lendária pista de altíssima velocidade com duas retas de autobahn ligadas por curvas de raio longo e inclinação elevada. Em Avus o W125 Stromlinien passava dos 380 km/h nas retas.
Antes do início da temporada de 1938, a Mercedes ainda fez uma terceira versão do W125 batizada “Rekordwagen”, ou “carro recordista” em alemão. Ele ganhou uma carroceria ainda mais aerodinâmica, que parecia ter saído de um livro de ficção científica da época, e seu oito-em-linha passou a produzir 746 cv com mais pressão de trabalho do compressor.
Em uma manhã de janeiro em 1938, Rudolf Caracciola levou o W125 Rekordwagen a 432,7 km/h em uma milha delimitada entre Frankfurt e Darmstadt. Até hoje essa é a maior velocidade já alcançada em uma via pública.
W154: a revanche sobre a Auto Union
Com o novo regulamento, a Mercedes desenvolveu um novo modelo baseado no W125, mas agora com um motor V12 de três litros — deslocamento máximo permitido pelas regras. Ele rodava com uma espécie de “top fuel” feito com metanol, nitrobenzeno, acetona e éter e usava dois compressores roots para produzir entre 431 e 480 cv.
Embora o chassi fosse praticamente o mesmo do W125, a suspensão traseira passou a contar com amortecedores ajustáveis de dentro do cockpit, algo inédito até então. Mesmo rodando apenas 1,1 km/l o carro conseguiu ajudar Rudi Caracciola a derrotar o Auto Union Type D e a faturar seu terceiro título do circuito de Grandes Prêmios.
No ano seguinte a Europa entrou em Guerra, e todas as provas de automobilismo foram interrompidas até o fim da década de 1940. A Mercedes voltou à correr com sucesso semelhante na década de 1950, mas isso é assunto para um próximo post.