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Técnica

Será este o sistema híbrido do próximo 911 GT3 RS?

Quando a Porsche anunciou que o 911 ganharia algum tipo de eletrificação, muita gente se apressou em lamentar o fim de uma era. Mas, como eu já disse antes, a Porsche sabe que algumas coisas na vida são ruins e podem te enlouquecer de verdade, então eles decidiram olhar as coisas pelo lado bom. Se os híbridos são uma necessidade no cenário atual das regulações, que eles sejam usados para algo realmente legal, e não apenas para cumprir tabela.

Isso ficou claro quando eles lançaram o 911 GTS T-Hybrid, em maio do ano passado. Em vez de um motor elétrico entre o câmbio e o motor boxer, ele recebeu um motor elétrico assíncrono em forma de disco posicionado dentro da caixa PDK de oito marchas, com excitação permanente — ou seja: sempre “esperando” o momento de produzir torque.

Mas esse foi só o começo. Pense, por exemplo, como a Porsche irá evoluir o GT3 RS sem usar turbos (se não ele vira um GT2…) e ainda atender as normas de emissão? A resposta está em um conjunto de pedidos de registro de propriedade industrial descoberto pelo pessoal do CarBuzz. Os documentos descrevem um sistema chamado “hybrid drive system of a motor vehicle with axial flow machine”, ou “sistema ‘híbrido com motor de fluxo axial”, de forma resumida. E considerando as imagens, eles fazem aquilo que todo mundo esperava mesmo: um motor elétrico ensanduichado pelo câmbio e pelo boxer. Mas, sendo a Porsche, eles não vão fazer isso como todo mundo faz.

No centro desse sistema aparentemente inédito, está o motor de fluxo axial. E para entender o avanço dessa solução, é preciso compreender o princípio de funcionamento dos motores elétricos convencionais, chamados de fluxo radial.

Nesses motores, o campo magnético se forma de maneira perpendicular ao eixo do rotor: o fluxo magnético entra pelo centro e sai pelas laterais, ou vice-versa, criando torque ao redor do eixo. Essa configuração é eficiente, mas tem uma limitação física clara — o torque depende diretamente do diâmetro do rotor. Ou seja, quanto mais torque se deseja, maior precisa ser o motor.

O motor de fluxo axial inverte essa lógica. Nele, o fluxo magnético é paralelo ao eixo de rotação. Imagine dois discos, um com ímãs permanentes e outro com bobinas, posicionados frente a frente como duas panquecas unidas pelo eixo central. A corrente elétrica faz o campo magnético fluir axialmente, gerando torque de maneira muito mais direta e com menos perdas. O resultado é um motor significativamente mais fino e mais leve, com densidade de potência muito superior. A Yasa, empresa britânica que desenvolve esse tipo de motor e fornece componentes para a Mercedes-AMG, tem protótipos que pesam menos de 13 kg, têm 75 mm de espessura e produzem mais de 1.000 cv. Entende por que a Porsche começou a olhar com mais atenção para esses motores?

O maior desafio de eletrificar um carro como o 911 sempre foi o espaço e, principalmente, seu arranjo mecânico. O motor boxer traseiro e o câmbio PDK já ocupam praticamente toda a área entre o eixo traseiro e o para-choques. Acrescentar um motor elétrico no meio dos dois, faria o flat-6 ser empurrado para trás, bagunçando uma distribuição de massas que levou décadas para ser equilibrada.

É por isso que o motor axial é o ponto-chave desse sistema: sua genialidade está justamente em aproveitar o espaço que já existe. O motor axial seria instalado entre o virabrequim e o câmbio, ocupando o mesmo volume onde hoje está o volante bimassa do 911. Por ser extremamente fino, ele se encaixaria entre o motor e a caixa sem aumentar o comprimento total do conjunto de forma relevante.

A Porsche prevê até uma carcaça dedicada para o motor elétrico, que se parafusa diretamente tanto no motor a combustão quanto na transmissão. Esse arranjo permite que o sistema suporte o torque elevado do conjunto sem comprometer a rigidez estrutural. E como o motor axial gira solidário ao virabrequim e ao eixo de entrada da transmissão, o acoplamento é direto: quando o motor elétrico gira, ele movimenta ambos. Ou seja: ele pode substituir o acoplamento da transmissão ao câmbio — substituindo a embreagem.

É exatamente isso que o diferencia dos sistemas híbridos convencionais: o motor elétrico não tem uma embreagem, ele é a embreagem. Tecnicamente, seria possível rodar apenas com o motor elétrico, mas não é esse o foco do sistema. O objetivo aqui não é fazer dos limões uma limonada aguada, mas juntá-los com um pouco de sal e tequila para fazer algo bem mais divertido.

Na prática, o conjunto torna o motor elétrico um elemento integrado, e não um assistente. Ele pode entregar potência instantânea para preencher buracos de torque em rotações mais baixas, pode recuperar energia em frenagens e usar essa energia como uma assistência de aceleração nas saídas de curva. E tudo isso sem parecer que está ali atuando.

É por isso que eu mencionei o GT3 RS no início do texto. Ele está em seu limite de desenvolvimento, com 4 litros, aspiração natural e 525 cv. Imagine o flat-six girando acima de 9.000 rpm, agora com um motor elétrico axial ajudando nas retomadas e tornando o conjunto ainda mais responsivo, com uma entrega linear e contínua de potência.

A patente também menciona que o sistema foi pensado para uso com transmissões de dupla embreagem, e isso não é coincidência. O PDK da Porsche tem eixo de entrada mais longo que o de um câmbio automático tradicional, o que facilita a integração do motor axial entre ele e o motor a combustão. Além disso, o controle eletrônico do PDK é preciso o suficiente para coordenar o torque elétrico e o mecânico sem prejuízos de desempenho.

Outro ponto interessante do projeto é o sistema de arrefecimento. A Porsche prevê o uso de um circuito adicional de óleo-água que atende tanto ao motor elétrico quanto à transmissão, com intercâmbio térmico com o sistema de arrefecimento do motor principal. Isso simplifica o conjunto e garante que a temperatura do motor elétrico fique sob controle mesmo em uso intenso — motores axiais, por sua natureza compacta, têm excelente eficiência magnética, mas dissipam calor em uma área pequena. O controle térmico, portanto, é crucial para extrair o máximo desempenho sem comprometer a durabilidade.

O mais interessante é perceber como a solução da Porsche difere das abordagens adotadas por outros fabricantes de superesportivos. A Ferrari, por exemplo, usa no SF90 Stradale e no 296 GTB uma arquitetura híbrida que combina um motor elétrico entre o V8 e o câmbio, além de dois motores elétricos no eixo dianteiro. É um sistema de fluxo radial, convencional, mas extremamente poderoso — com até 220 cv elétricos somados. O problema é o peso: o conjunto híbrido completo adiciona cerca de 270 kg ao carro. A vantagem é a tração integral e a possibilidade de rodar em modo 100% elétrico, algo que a Porsche não parece perseguir.

A McLaren segue um caminho parecido com o Artura, que também usa um motor elétrico radial compacto entre o V6 e o câmbio de oito marchas. O sistema é sofisticado e leve para um híbrido plug-in, mas ainda assim exige espaço adicional e bateria grande o suficiente para entregar 30 km de autonomia elétrica. O ganho de performance é inegável, mas o comportamento dinâmico ainda é condicionado por um centro de gravidade mais alto e pelo acréscimo de massa sobre o eixo traseiro.

A diferença da solução da Porsche está justamente no radicalismo da simplicidade. O motor axial é tão fino que praticamente não altera o empacotamento do carro. A ausência de baterias grandes e de sistemas de tração elétrica dianteira preserva o equilíbrio tradicional do 911, mantendo a experiência de direção purista (e reforça a sensação de que este sistema será destinado ao GT3 RS 992.2). E, ao contrário dos híbridos plug-in da Ferrari e da McLaren, este não tenta ser dois carros em um — apenas um 911 ainda mais rápido e ainda mais envolvente.

Agora… é claro que há um porém nesta história: o custo. Motores axiais ainda são caros de produzir, especialmente em volumes baixos. O uso de ímãs permanentes de alta densidade e o controle preciso do fluxo magnético exigem manufatura de precisão — algo que, novamente, me faz pensar no GT3 RS 992.2.

O que está claro é que esse sistema representa mais do que um novo capítulo na história do 911: é uma redefinição do que pode ser um híbrido esportivo e a reafirmação da Porsche como uma fabricante que tem sua personalidade própria. Se a eletrificação é inevitável, que seja assim: para melhorar o motor a combustão, e não para substituí-lo. E a Porsche, mais uma vez, parece ter encontrado o jeito certo de fazer o futuro soar como o passado — ainda mais rápido.


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