Qualquer que seja sua opinião (ou seu grau de admiração) por Ayrton Senna da Silva, uma coisa é incontestável: ele sabia valorizar a sua imagem. Em suas negociações de contratos, mesmo no início da carreira, sempre soube valorizar o seu passe – e acabou como o pilar dos contratos multimilionários, que nasceram na Fórmula 1 dos anos 80. Foi um dos pilotos com o maior culto à personalidade da história da categoria. E em 1990, quando ele estava disputando o campeonato que lhe renderia o seu segundo título mundial na F1, encomendou à designer Renata Curcio a famosa logomarca inspirada no “S” do Senna de Interlagos. Ele, mais do que ninguém, tinha a ideia exata do poder comercial de seu nome e dos valores que tinha como marca – seja a licenciando, seja como empreendimento seu.
E, depois de seu tricampeonato em 1991, ele rapidamente botou em prática uma série de planos, quase todos ao mesmo tempo – possivelmente, já pensando em um plano de aposentadoria a médio prazo.
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Foi Ayrton Senna quem trouxe a Audi para o Brasil, pouco antes de morrer, em novembro de 1993 por meio da Senna Import. O Senninha, personagem de quadrinhos baseado no piloto, fez sua estreia em março de 1994. Senna emprestou a sua voz e deu vários conselhos aos desenvolvedores da Sega para o Ayrton Senna’s Super Monaco GP II, de 1992. Exemplos de empreendimentos menos conhecidos que Ayrton realizou ainda em vida são a lancha Senna 417 Sport Cruiser, de 1992, e até mesmo um acordo com a italiana DeLonghi, especializada na fabricação de eletrodomésticos portáteis, para a venda de seus produtos no Brasil. Além disso, Ayrton Senna foi o idealizador do instituto com seu nome, ideia que só foi concretizada por Viviane Senna em novembro de 1994. A família do piloto, aliás, tratou de continuar cuidando da marca nos anos seguintes – e o nome de Senna já foi usado em relógios, roupas, acessórios e, claro, veículos – o primeiro exemplo óbvio que vem à mente é o McLaren Senna.
Uma das licenças mais marcantes foi a sua parceria com a Ducati, que rendeu como fruto a Ducati 916 Senna, que foi projetada por Massimo Tamburini.
Abordamos a história completa de Tamburini e da Ducati 916 neste post do Carlos Eduardo Almeida, publicado há pouco mais de um ano. Não custa, porém, relembrar: lançada em 1994, a 916 foi criada para substituir a excelente Ducati 888 – cujo motor V-twin de 90° (também chamado de motor em “L”, por conta desta configuração) deslocava exatos 888 cm³ e, com o revolucionário sistema de válvulas desmodrômicas, entregava 94 cv. Com a 888 nas mãos de Doug Polen, a Ducati conquistou os títulos de 1991 e 1992 do campeonato mundial de Superbikes. O próximo passo era projetar uma moto para fazer sucesso também nas ruas – e foi aí que entrou a 916.
Com exatos 916 cm³ de deslocamento, o motor V2 com comando duplo nos cabeçotes entregava 116 cv a 9.000 rpm e 9,3 kgfm de torque a 6.900 rpm. Com câmbio de seis marchas e transmissão por corrente, a Ducati 916 era capaz de chegar aos 260 km/h. E não era só isto, como perfeitamente descreveu Carlos:
A suspensão dianteira utilizava garfos invertidos desenvolvidos pela Showa especialmente para a moto, e possuía ajustes de pré-carga, compressão e retorno, assim como o coilover traseiro. Além disso ela possuía um sistema de captação de ar do tipo ram-air e amortecedor de direção. Devido às mesas ajustáveis, era possível variar o ângulo de rake entre 23,5o e 24,5o sem alterar distância entre-eixos. Este ângulo altera significativamente o comportamento da motocicleta: quanto maior, mais estabilidade em reta e menos agilidade para entrar em curvas ou mudar de direção.
Como se não bastasse, a moto é belíssima. Olhando de cima possui curvas que se assemelham a uma mulher voluptuosa – e alguns dizem ter sido feita assim de propósito. De frente, é esguia e os espelhos retrovisores parecem mais aerofólios para segurar o ímpeto da frente em alçar voo nas aceleradas fortes do que apêndices destinados ao piloto monitorar o tráfego à retaguarda. De lado, transborda personalidade, com uma postura decididamente agressiva e focada, complementado pela roda pornograficamente exposta e os canos de escape subindo paralelos em canto oposto ao da balança para desembocarem na rabeta.
Dizem que a Ducati 916, que foi fabricada entre 1994 e 1998, era tão avançada em engenharia e design que sequer parece uma moto de 25 anos. E ela, de fato, foi o modelo que finalmente sacramentou a reputação da Ducati entre as motos de rua. Mas como foi que Ayrton Senna entrou na história?
Pois bem: Senna era amigo próximo de Claudio Castiglioni, que na época era dono e presidente da Ducati. Assim, foi questão de conciliar as agendas pegar os inputs do piloto. Senna sugeriu que a moto recebesse elementos de fibra de carbono na carenagem e a pintura cinza escuro com rodas vermelhas, mas a moto dinamicamente era tão equilibrada que Ayrton não solicitou nenhuma alteração mecânica.
A ideia era que a moto fosse uma simples série especial limitada a 300 unidades (ou 301, dependendo da fonte consultada).
No fim das contas, porém, a Ducati 916 Senna acabou se transformando, inesperadamente, em um tributo: ela foi apresentada na Itália, durante o Salão de Bologna, em dezembro de 1994 – sete meses depois que Ayrton Senna morreu.
Apropriadamente, decidiu-se que parte dos lucros da 916 Senna seriam revertidos para o Instituto. No Brasil, ela foi vendida nas concessionárias Agrale, que era a representante nacional da Ducati na época. Uma nova edição foi feita em 1998, com outras 300 unidades e um tom de cinza mais claro na carenagem.
A Ducati 916 Senna, porém, não foi a única moto que a fabricante fez em homenagem ao tricampeão brasileiro – houve outras duas: a Ducati 996 Senna e a 1199 Panigale S Senna. A 996, lançada em 1999, era uma evolução da Ducati 916, com um motor maior e o mesmo visual básico, e a edição Senna repetia a decoração clássica da antecessora.
Já a 1199 Panigale S Senna foi apresentada em 2013 e vendida em 2014 – coincidentemente, pouco tempo depois que a fabricante italiana de motocicletas foi comprada pela Audi. Era como se um ciclo se fechasse, visto que Senna colaborou com as duas marcas mais ou menos na mesma época.
A Ducati 1199 S Senna era um tributo direto à 916 Senna, com o mesmo esquema de pintura. Naturalmente, porém, era uma moto mais moderna e potente, equipada com um dois-cilindros em L de 1.198 cm³ e 172 cv.
Naturalmente, ela também foi feita em quantidade limitada – apenas de 161 unidades, em referência ao total de corridas disputadas por Ayrton na F1. Cada uma delas custava R$ 100.000 e, como aconteceu com a 916 Senna, parte do faturamento foi revertida às ações do Instituto Ayrton Senna.