No final dos anos 1950, a Porsche era uma fabricante pequena, quase artesanal, mas já carregava um peso simbólico que extrapolava seu tamanho. O 356, primeiro carro de produção em série da empresa, havia cumprido sua missão: mostrara ao mundo que era possível criar um esportivo leve, confiável e veloz a partir de uma base tão improvável quanto o Volkswagen projetado por Ferdinand Porsche décadas antes. O motor boxer de quatro cilindros refrigerado a ar, derivado do Fusca, era simples, mas a leveza do conjunto e o cuidado no acerto de chassi transformavam o 356 em um carro competitivo, que brilhou tanto nas ruas quanto nas corridas.
Esse sucesso, porém, trazia consigo uma sombra. O 356 estava no mercado desde 1948 e, apesar das inúmeras evoluções ao longo dos anos, já não escondia suas limitações. O espaço interno era restrito, o desempenho começava a parecer modesto diante dos avanços dos rivais europeus, e a arquitetura herdada do Volkswagen já havia chegado ao limite de desenvolvimento. A cada ano, a concorrência entregava mais cilindros, mais potência e carros com uma aura de sofisticação que o pequeno Porsche começava a não alcançar.
Ferry Porsche, filho de Ferdinand e então comandante da empresa, sabia que não poderia simplesmente prolongar a vida do 356 indefinidamente. A marca precisava crescer, e para isso era essencial oferecer um carro que mantivesse a alma do primeiro Porsche, mas que fosse maior, mais refinado e mais poderoso. Era preciso provar ao mundo que a Porsche não era apenas uma derivação luxuosa da Volkswagen, mas uma fabricante capaz de caminhar com as próprias pernas e desenvolver uma identidade técnica independente.
Se o sucessor do 356 fosse mal concebido, a jovem Porsche poderia perder relevância e até desaparecer em meio ao turbilhão de fabricantes esportivos que floresciam na Europa no final dos anos 1950 — todas buscando um lugar no auge do esporte motorizado. Era um contexto muito diferente do atual, no qual temos as marcas já consolidadas. A Jaguar era quem melhor equilibrava o prestígio nas ruas e o desempenho nas pistas, seguida pela Mercedes. A Ferrari despontava nas pistas, mas seus carros de rua eram produzidos em séries limitadíssimas porque o foco de Enzo Ferrari sempre foram os carros de corrida. O mesmo acontecia com a Maserati. A MG era quem melhor havia conquistado o público entusiasta com sua Série T que entregava diversão a um preço acessível.
A Alfa Romeo, por outro lado, havia encontrado com o Giulietta Sprint de 1954 uma fórmula que misturava preço competitivo, charme italiano e comportamento esportivo, e começava a conquistar jovens europeus de classe média. E havia ainda a GM, claro, que estava entrando na briga com o Chevrolet Corvette — o esportivo europeu feito na América. Era um mercado vibrante, plural, mas também fragmentado. Cada fabricante buscava uma receita própria de esportividade, sem hegemonia clara.
Foi nesse cenário de experimentação e competição aberta que a Porsche precisava se posicionar. O sucessor do 356 não poderia ser apenas um carro melhor: teria que ser a afirmação de uma identidade, uma resposta clara à pergunta que muitos ainda faziam: a Porsche era apenas um Volkswagen esportivo, ou ela poderia seguir em frente, com identidade própria?
Encontrar essa resposta — preservar a herança do 356 e, ao mesmo tempo, criar algo totalmente novo e melhor — seria a tarefa mais difícil da história da Porsche até ali.
A inquietação da Porsche diante do futuro não começou com o envelhecimento do 356 — pelo contrário: ele foi a base para os primeiros estudos para a diversificação da linha. Em 1951, apenas três anos depois do lançamento do 356, o mestre das carrocerias da Porsche, Erwin Komenda, projetou uma versão quatro lugares do 356, chamada Typ 530.
A ideia, ainda em colaboração com a Volkswagen, era simples no papel, mas complexa de executar: um cupê maior, com espaço para quatro pessoas, mas mantendo o motor boxer na traseira. O resultado foi um carro de proporções infladas, com teto mais alto, portas enormes, e entre-eixos 30 cm mais longo. Esteticamente era truncado e sem a leveza do 356. Por isso, jamais passou do protótipo. Mas ele deixou claro o desafio que a Porsche teria pela frente: aumentar as dimensões e o conforto, sem comprometer a identidade das proporções do 356. Ainda assim, a dúvida sobre o futuro do novo Porsche — se seria um quatro lugares completo ou um 2+2 compacto — permaneceu.

Durante toda a segunda metade da década, Ferry Porsche encomendou projetos que equilibrassem conforto traseiro e espaço de bagagem, mas com o avanço da década e a consolidação da Porsche como fabricante independente, a pressão só aumentava. O 356 estava envelhecendo e já não era competitivo frente aos novos esportivos que surgiam em toda a Europa. A evolução natural do 356 ameaçava virar um beco sem saída.
Para tentar soluções, os fabricantes Reutter, de Stuttgart, e Beutler, da Suíça, receberam contratos para alongar o 356. Nenhum dos resultados foi convincente. Em 1959, a fábrica colocou em marcha o Type 695, que se tornou uma espécie de laboratório de soluções técnicas. Embora ainda derivado do 356, o 695 tinha carroceria maior e mais larga, chegando a 1,67 m contra o 1,65 m do 356, e um entre-eixos alongado para 2,4 m. A intenção era acomodar melhor os ocupantes e testar novos arranjos de suspensão.

O 695 experimentou sistemas de braços longitudinais e até estudos de McPherson, antecipando o que viria a ser adotado no futuro. O motor continuava o quatro-cilindros boxer 1600, mas o ponto central não era desempenho — era explorar geometrias de chassi que corrigissem a instabilidade característica do motor traseiro.
Durante o desenvolvimento do 965 Ferry Porsche chamou o Conde Albrecht von Goertz, um badalado projetista da época que vinha de sucessos como o BMW 503 e o 507. Ele apresentou um carro maior e mais luxuoso — mais próximo de uma Ferrari ou Maserati, com faróis duplos, lanternas circulares triplas na traseira e para-choques enormes: um espetáculo visual, mas não era um Porsche. Louise Piëch e Ferry concordaram: era bonito, mas não tinha a essência da marca. O designer badalado acabou dispensado.



É nesse momento de transição que surge a figura de Ferdinand Alexander Porsche, ou simplesmente Butzi. Nascido em 1935, neto de Ferdinand e filho de Ferry Porsche, Butzi cresceu dentro da empresa, cercado por pranchetas, motores e maquetes. Em 1958, depois de estudar design na Hochschule für Gestaltung em Ulm — e de ser expulso por não se adequar ao rigor funcionalista da escola —, ele entrou oficialmente para a Porsche como designer, subordinado a Erwin Komenda, agora engenheiro-chefe.
Jovem, com pouco mais de vinte anos, carregava a responsabilidade imensa de provar que não estava ali apenas por ser da família, mas porque tinha visão própria. Seu talento para formas limpas e proporções equilibradas logo se destacaria, e a ele caberia a tarefa de imaginar o sucessor do 356.

Esse desafio materializou-se no Type 754 T7, iniciado em 1959. O T7 foi a primeira tentativa real de quebrar a dependência estética do 356. Com desenho liderado por Butzi, o protótipo media 4,47 metros de comprimento, quase 30 centímetros a mais que o 356, e tinha entre-eixos de 2,4 metros. Largura de 1,67 m e altura de 1,31 m davam ao carro um porte mais próximo de um gran turismo do que de um esportivo compacto.
Pela primeira vez, a Porsche arriscava um interior 2+2 de verdade, com bancos traseiros utilizáveis. A frente trazia faróis redondos integrados a para-lamas mais baixos, já antecipando a “expressão” do futuro 911. O teto descrevia uma curva longa e suave até a traseira, mas o balanço posterior excessivo desequilibrava o conjunto. Visualmente era um carro funcional, mas ainda sem a elegância que se buscava.

Tecnicamente, o T7 não era apenas um estudo de forma, mas também uma discussão sobre motores mais potentes. Embora o protótipo tenha rodado inicialmente com o mesmo quatro-cilindros do 356, já se falava em um motor de seis cilindros boxer — um projeto embrionário que ainda estava sendo concebido por Hans Mezger e a equipe de engenharia. Essa ideia, de um seis cilindros traseiro, era ousada para uma fabricante tão pequena, mas se tornaria o coração da identidade da Porsche dali em diante.
Os protótipos 530, 695 e 754 T7 não foram sucessos em si, mas foram indispensáveis como estágios de aprendizado. O 530 mostrou os limites da fórmula; o 695 validou soluções técnicas intermediárias; e o T7, mesmo imperfeito, revelou o caminho estético que Butzi seguiria ao refinar o projeto. A Porsche ainda não tinha em mãos o sucessor definitivo, mas agora sabia onde buscar: em um carro maior, mais sofisticado, com motor mais potente e desenho limpo o suficiente para resistir ao tempo. Esse carro, ainda embrionário, já carregava em si as linhas do que se tornaria o 911.
O Type 754 T7, apesar de inovador, logo revelou suas fragilidades. O balanço traseiro exagerado, necessário para acomodar bancos adicionais e manter o motor atrás do eixo, criava uma silhueta pesada e visualmente desequilibrada. O carro era maior e mais espaçoso que o 356, mas ainda não tinha a harmonia que a Porsche buscava para seu sucessor.
A partir de 1960, o projeto foi retrabalhado quase do zero, dando origem ao Type 754 T8, o elo direto com o futuro 911. O T8 media 4,29 metros de comprimento, com entre-eixos de 2,2 metros, quase 20 centímetros a menos que o T7. O balanço traseiro foi reduzido, resultando em proporções mais equilibradas. Os bancos traseiros permaneciam como 2+2, mais adequados para crianças ou bagagens, marcando o compromisso entre praticidade e esportividade.
Nesse processo, o papel de Ferdinand Alexander “Butzi” Porsche era central, mas não solitário. Com pouco mais de vinte anos, recém-chegado da Hochschule für Gestaltung em Ulm, Butzi assumiu a liderança do design, definindo proporções, linhas de teto e a identidade visual do carro. Todos os detalhes eram discutidos em conjunto com Ferry Porsche, que supervisionava o equilíbrio entre estética e viabilidade técnica. Foi assim que a dianteira baixa com faróis redondos e a silhueta fastback suave do T8 começaram a tomar forma, já antecipando a assinatura inconfundível do 911.

Paralelamente, a engenharia enfrentava outro desafio crítico: criar um motor que fosse potente, confiável e compatível com o layout traseiro. Essa responsabilidade ficou a cargo de Hans Mezger, engenheiro experiente que já trabalhava na Porsche desde os anos 1950 em motores de alto desempenho. Mezger atuava sob a coordenação de Ferry Porsche e do engenheiro-chefe Klaus von Rücker, desenvolvendo o novo boxer de seis cilindros com arrefecimento a ar, chamado internamente de Type 745. O motor inicialmente tinha dois litros de deslocamento e comando único no cabeçote, com potência estimada entre 130 e 140 cv, mas exigia soluções inovadoras de lubrificação e arrefecimento para manter o desempenho consistente mesmo com o peso extra.

O T8 começou a rodar com versões de teste desse motor. Ao mesmo tempo, o design se refinava: os para-lamas foram suavizados, o capô alongado, e o perfil fastback ganhou fluidez. Forma e função começavam a se fundir. De um lado, a estética definitiva, liderada por Butzi e sua equipe, equilibrando proporções, harmonia visual e a assinatura do futuro 911. Do outro, a engenharia do motor e do chassi, coordenada por Mezger, Ferry e von Rücker, garantindo desempenho, confiabilidade e comportamento dinâmico coerente com a tradição Porsche.

Ainda não era um carro pronto para a produção, mas o T8 representava a evolução do 356 para algo totalmente novo, maior e mais potente, mas ainda um Porsche.
Entre 1961 e 1962, os protótipos equipados com o novo seis-cilindros começaram a rodar pelas ruas de Stuttgart. A fase era decisiva: além de validar o motor, servia para refinar o comportamento dinâmico e o design. O 356 ainda era referência em acerto, mas sua suspensão traseira de eixos oscilantes já mostrava limites em estabilidade, especialmente nas versões mais potentes. Para o novo carro, a Porsche adotou um arranjo de braços semiarrastados e barras de torção longitudinais, que mantinha a tradição da marca, mas oferecia maior previsibilidade nas curvas e menos variação de cambagem em alta velocidade.

O entre-eixos de 2.211 mm foi definido após inúmeros testes: curto o bastante para dar agilidade em estradas sinuosas, mas suficientemente longo para reduzir a tendência de sobresterço, inevitável em um esportivo com motor pendurado atrás do eixo traseiro. A direção, ainda sem assistência, foi projetada para transmitir peso e precisão em velocidade, mantendo a filosofia de interação pura que a Porsche considerava vital em um carro esportivo.
No interior, consolidava-se a configuração 2+2, que não era apenas conveniência: tratava-se de um argumento comercial importante, mantendo o novo modelo mais utilizável que rivais de dois lugares como Ferrari ou Jaguar. O painel trazia cinco instrumentos circulares, com o conta-giros em posição central — um detalhe que nascia de uma exigência funcional, mas que acabaria se tornando uma das marcas registradas do 911.

Enquanto isso, o motor boxer de dois litros passava por sucessivos ajustes. O projeto inicial previa carburação dupla e comando único no bloco, mas a equipe de Hans Mezger trabalhou para extrair mais potência e suavidade sem comprometer confiabilidade. A refrigeração a ar, mantida como dogma da casa, exigia otimização do fluxo de ar e ventilador de grande diâmetro. O resultado foi um seis-cilindros leve, compacto e capaz de girar com fluidez acima das 6.000 rpm, entregando cerca de 130 cv — o suficiente para levar o novo Porsche a mais de 210 km/h, colocando-o em pé de igualdade com os esportivos europeus de maior prestígio.

Ao fim de 1963, já estava claro que a Porsche tinha em mãos mais que um sucessor para o 356. Era um carro que poderia competir em velocidade, estabilidade e sofisticação com fabricantes muito mais antigos e consolidados, e que trazia a seu favor uma identidade própria, fruto direto da engenharia e da filosofia de design da família Porsche.
A estreia pública veio no Salão de Frankfurt, em setembro de 1963. Ainda apresentado como Porsche 901, o novo esportivo imediatamente chamou atenção da imprensa e do público pela harmonia entre as linhas e a engenharia. O design de Butzi era simples e funcional, mas transmitia modernidade. O fastback fluido, a frente baixa e os faróis redondos integrados davam ao carro uma identidade clara, sem recorrer a exageros estilísticos. Era, ao mesmo tempo, uma evolução do 356 e algo completamente novo.

O nome, no entanto, seria motivo de controvérsia. A Peugeot já detinha os direitos de denominações com três dígitos e zero no meio, e não hesitou em contestar a escolha. A solução veio em 1964: o 901 tornou-se 911, um número fácil de pronunciar em qualquer idioma, que rapidamente se fixou na memória coletiva.

As primeiras unidades de produção saíram de Zuffenhausen em setembro de 1964, equipadas com o motor 2.0 de seis cilindros e 130 cv. Na prática, era um esportivo que unia duas características raramente vistas juntas: desempenho real em estrada e relativa usabilidade no dia a dia. A velocidade máxima de pouco mais de 210 km/h e a aceleração até 100 km/h em menos de nove segundos o colocavam na mesma liga de modelos italianos muito mais caros.

A imprensa recebeu o carro com entusiasmo, mas não sem ressalvas. A estabilidade, típica de carros com motor traseiro, exigia respeito. Publicações alemãs e britânicas reconheceram o nível de engenharia e a qualidade de construção, mas destacaram que, em mãos inexperientes, o 911 podia ser traiçoeiro ao limite. A resposta da Porsche foi rápida: em 1965, a marca lançou o 911 Targa, com teto removível e barra central fixa, não apenas como inovação estilística, mas também como alternativa para mercados que começavam a exigir maior segurança em conversíveis.

Esse início foi crucial para estabelecer a reputação do modelo. Não era apenas um sucessor, mas um carro que, desde os primeiros anos, mostrava potencial para se tornar um ícone. Ainda assim, a história do 911 estava só começando — e as próximas etapas, tanto nas ruas quanto nas pistas, seriam decisivas para consolidar seu lugar entre os grandes esportivos da história.
A segunda metade da década de 1960 marcou a expansão real do 911. A Porsche entendia que precisava constantemente refinar o carro, tanto para manter sua competitividade nas ruas quanto para explorar ao máximo seu potencial nas pistas. Em 1966, o 911 S inaugurou um novo patamar de desempenho, com 160 cv extraídos do mesmo motor 2.0, mas agora equipado com carburadores Weber e rodas Fuchs de cinco raios em liga leve, que logo se tornariam uma das assinaturas visuais do modelo.

Na mesma época, o 911 começou a escrever sua história nas competições. Ele não foi concebido como carro de corrida desde o início — esse papel cabia aos protótipos da marca, como o 904 e, mais tarde, o 906 e o 908. Mas a leveza e a resistência do projeto permitiam adaptações rápidas. Nos ralis, sobretudo no Monte Carlo, o 911 se destacou pela tração em superfícies escorregadias. Em 1968, Vic Elford e David Stone venceram o rali mais prestigioso da Europa ao volante de um 911 T, um triunfo que colocou o novo esportivo definitivamente no mapa da competição internacional.

Enquanto isso, nas ruas, a evolução técnica não parava. Em 1969, a Porsche introduziu a primeira grande mudança estrutural: o entre-eixos foi alongado em 57 mm, passando de 2.211 para 2.268 mm. A medida não parece significativa à primeira vista, mas transformou a dirigibilidade. O novo balanço reduziu a tendência de sobre-esterço repentino, tornando o carro mais previsível em curvas rápidas sem comprometer a agilidade. Foi também o ano de estreia da injeção mecânica Bosch nos 911E e 911S, um avanço que preparava o terreno para padrões de emissões mais rigorosos e, ao mesmo tempo, melhorava a entrega de potência.

No início dos anos 1970, o 911 já era um sucesso consolidado, mas ainda precisava de um modelo de referência absoluta, um carro que se tornasse objeto de desejo imediato. Esse papel foi cumprido em 1972 com o lançamento do Carrera RS 2.7. Com 210 cv, aerodinâmica refinada e a icônica “ducktail”, o primeiro spoiler traseiro de fábrica em um Porsche, o RS redefiniu o que significava um 911 de alto desempenho. Leve, brutal e direto, ele foi desenvolvido para homologar o carro nas competições de Grupo 4, mas acabou se tornando um ícone de rua. Até hoje, é visto como a essência do 911 clássico.

Paralelamente, a presença do carro nas pistas se ampliava. Em 1973, o 911 RSR derivado do RS começou a disputar provas de resistência, incluindo as 24 Horas de Le Mans, onde conquistou vitórias de categoria que provaram sua durabilidade frente a rivais muito mais potentes. Esse sucesso competitivo consolidou a ideia de que o 911 não era apenas um esportivo versátil: era um carro capaz de ganhar corridas importantes sem precisar abdicar de sua identidade de rua.

Em 1974, o 911 entrou em sua segunda fase de vida com a chegada da Série G. Não foi apenas uma atualização estética: ela representou a resposta da Porsche a novas exigências regulatórias e ao mesmo tempo o amadurecimento definitivo do modelo. Os novos para-choques de impacto, equipados com amortecedores telescópicos, eram exigidos pelas normas americanas que pediam resistência a batidas de até 8 km/h sem danos estruturais. O desenho mudou, mas o caráter se manteve intacto. Era a primeira de muitas provas de que o 911 sabia se adaptar sem perder sua essência.

O grande acontecimento daquele ano, porém, foi a estreia do 911 Turbo, internamente conhecido como 930. Ele nasceu de uma necessidade esportiva: a Porsche precisava de um carro de homologação para disputar o Grupo 4 e o Grupo 5, mas o resultado acabou extrapolando qualquer expectativa. O motor 3.0 com turbocompressor KKK entregava 260 cv, números que na época colocavam o 911 Turbo no território de supercarros exóticos como Ferrari e Lamborghini. Só que, diferentemente deles, o Turbo era também um carro de rua relativamente utilizável, com quatro lugares e uma construção robusta.

A introdução do turbo mudou para sempre a imagem do 911. Ele deixou de ser apenas um esportivo ágil e versátil para se tornar também um monstro de desempenho absoluto, capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em pouco mais de 5 segundos. Mas havia um preço: a entrega brutal do turbo em altas rotações, combinada com o motor pendurado atrás do eixo traseiro, exigia braços firmes e nervos de aço. Foi dessa característica que nasceu o apelido “widowmaker”, uma reputação que só reforçou o mito em torno do carro.
Enquanto isso, nas pistas, o 911 vivia seu auge como base para algumas das mais lendárias máquinas de competição da Porsche. O 934 e o 935, derivados diretamente do 930, dominaram as corridas de turismo e resistência ao longo da segunda metade dos anos 1970.

O 935 em particular, com seu visual extremo e potência que facilmente superava os 600 cv, venceu as 24 Horas de Le Mans em 1979 — um feito histórico, já que superou protótipos concebidos exclusivamente para endurance. Esse triunfo provava que, mesmo derivado de um carro de rua, o 911 era capaz de vencer a corrida mais difícil do mundo.

Nas ruas, a gama também se diversificou. O 911 ganhava novas versões aspiradas, motores de 2.7, depois 3.0 e 3.2 litros, sempre buscando o equilíbrio entre desempenho e usabilidade. O Carrera 3.2, lançado em 1984, é muitas vezes lembrado como o 911 clássico definitivo: forte, confiável e já com a injeção Bosch Motronic, que trazia respostas mais lineares e maior eficiência. Foi esse modelo que manteve a chama do 911 acesa em um momento em que até dentro da Porsche se cogitava sua substituição pelo 928.
A verdade é que a Série G foi muito mais do que uma adaptação regulatória. Ela consolidou o 911 como ícone global. Nas ruas, era o carro que tanto podia levar o executivo alemão ao trabalho quanto ser visto atravessando os Alpes a fundo. Nas pistas, era a arma que derrotava carros supostamente mais modernos e potentes. Essa dualidade, de ser ao mesmo tempo um esportivo civilizado e uma base imbatível para corridas, foi o que garantiu ao 911 sua longevidade.

Quando chegou a geração 964, em 1989, o 911 já não precisava mais provar nada. Sobrevivendo a crises de petróleo, pressões regulatórias e até tentativas internas de substituição, o modelo havia atravessado 25 anos não apenas como sucesso comercial, mas como referência absoluta de como um esportivo deveria evoluir sem perder identidade.
Ao contrário de outros automóveis que mudaram a história da indústria de maneira imediata, o Porsche 911 não nasceu como uma ruptura. O Mini mostrou como a engenharia podia reinventar o espaço interno em um carro minúsculo; o Jaguar E-Type transformou o design em objeto de desejo universal no exato momento em que foi revelado. O 911 não teve esse impacto instantâneo. Ele não foi um choque de modernidade ou uma solução disruptiva. Quando surgiu, em 1963, era apenas a evolução natural do 356, um esportivo alemão respeitado, mas ainda discreto no cenário global.
A recepção da imprensa refletiu exatamente essa condição. As primeiras avaliações destacavam a precisão do comportamento dinâmico, o equilíbrio entre esportividade e conforto, e a sofisticação técnica do novo motor boxer de seis cilindros, mas ninguém ousava afirmar que aquele carro era algo revolucionário. Seu maior mérito inicial era ter refinado o conceito do 356, oferecendo mais potência, mais espaço e mais modernidade. O impacto cultural foi praticamente inexistente nos primeiros anos: para o público em geral, o 911 era apenas mais um esportivo europeu.

O que transformou o 911 em ícone foi o tempo. Cada nova versão construía sua reputação, não só pela experiência de condução inigualável mas também pela consistência com que a Porsche refinava o mesmo conceito. Em meados dos anos 1970, quando muitos esportivos da época estavam ameaçados pelas crises do petróleo e pelas normas ambientais, o 911 não apenas sobreviveu como evoluiu. O 911 Turbo (930) inaugurou uma nova era de desempenho para carros de rua. Ao mesmo tempo, a presença esmagadora nas pistas reforçava a credibilidade: não era apenas um carro de vitrine, era um competidor de verdade, capaz de vencer as 24 Horas de Le Mans.
Esse processo lento, quase artesanal, é justamente o que diferencia o 911 de outros carros históricos. Ele não mudou o jogo em um instante, mas provou sua relevância em décadas de consistência, adaptação e conquistas. Nos anos 1980 ele já era um símbolo cultural, aparecendo em filmes, pôsteres nos quartos da molecada e nas garagens de executivos bem-sucedidos. O 911 havia se tornado um objeto de culto.

Esse caminho, mais orgânico e menos explosivo, explica por que o 911 acabou consolidando um prestígio mais duradouro do que muitos rivais que brilharam forte e rápido, mas desapareceram logo depois. Ele não foi um raio que dividiu a história em antes e depois, mas uma chama que nunca se apagou e que, a cada atualização, ilumina a direção que os demais esportivos vão seguir.