Não sei vocês, mas eu desconfio que uma possível tendência de clássico para os próximos anos pode ser o Baja Bug. Outro dia vi alguns modelos estrangeiros nas redes sociais. Mais recentemente, Lenny Kravitz mandou um desse para sua casa nas Bahamas, onde ele usa o Fusca como transporte local, substituindo seu antigo Jeep Willys. Agora, a Twisted com S virado lançou uma releitura restomodizada pela bagatela de US$ 149.000 nos EUA — o que me parece um ótimo negócio: fazer Bajas aqui e vender para americanos. Se você quiser se aventurar, aqui a gente explica como fazer isso. O Baja, não a exportação.
Como você deve saber (ou ao menos desconfiar), o Baja Bug surgiu na década de 1960, mais ou menos na mesma época em que teve início o Baja 1000 — que, nos primeiros anos, era conhecido como Mexico 1000. Hoje, há inúmeras variações da receita, e até no Brasil é possível comprar kits prontos para transformar o bom e velho Besouro em algo mais apropriado para encarar trilhas.
A origem do Baja Bug, porém, não é muito conhecida do grande público — possivelmente porque não foi documentada na época, sendo vista como uma tendência natural e espontânea. Existe, contudo, uma versão recorrente que liga essa história a um dos mais famosos customizadores de Porsche da atualidade: Rod Emory, criador dos projetos Outlaw para o 911 e o 356 — alguns deles, inclusive, com forte apelo off-road.

Segundo o próprio Rod, foi seu pai, Gary Emory, o criador do primeiro Baja Bug. Por volta de 1967, Gary era um dos que sonhavam com um buggy Meyers Manx, concebido poucos anos antes pelo californiano Bruce Meyers. O problema era que, apesar da simplicidade do conceito, o Manx era caro — e Gary não tinha condições de pagar por um. Então, decidiu procurar uma alternativa mais acessível, mas igualmente eficaz em trilhas e dunas de areia.
Por sorte, Gary trabalhava em uma revenda Volkswagen chamada Chick Iverson Volkswagen, e tinha acesso a todos os dados técnicos do Fusca. Com um pouco de pesquisa, ele poderia projetar seu próprio veículo off-road usando peças de prateleira — que, graças ao emprego, estavam ao alcance. Melhor ainda: seu pai, Neil, e o irmão, Don, também trabalhavam na mesma concessionária, no setor de funilaria. Não seria tão difícil, afinal.



O grande trunfo do Fusca como base para esse tipo de projeto estava em sua construção simples, mesmo para os padrões da época. Na prática, o chassi do Fusca funcionava quase como uma plataforma modular: era fácil retirar a carroceria e instalar algo completamente diferente sobre o trem de força — ou simplesmente modificar a carroceria existente e recolocá-la. Pelas já citadas questões de custo, Gary ficou com a segunda opção.
O ponto de partida foi a sucata de um Fusca 1957 com teto solar, que Gary conseguiu em uma troca por uma pequena moto Suzuki de 80 cm³. O carro foi desmontado e a carroceria lixada até o metal exposto. O interior também foi depenado — até mesmo as janelas foram removidas, ficando apenas o para-brisa.
A carroceria ficou na oficina de funilaria da Iverson VW, onde o pai de Gary começou a trabalhar nas modificações externas. A dianteira foi cortada, assim como os para-lamas, reduzindo peso e balanço dianteiro e permitindo um ângulo de ataque maior. Um segundo par de para-lamas dianteiros foi cortado e adaptado na traseira, abrindo espaço para rodas mais largas e pneus de perfil alto. O restante das chapas traseiras foi removido, deixando o motor e os componentes da suspensão expostos. Faróis e lanternas foram instalados de forma bastante rudimentar, com dois pares de faróis auxiliares — um no teto e outro abaixo do conjunto principal — e a placa posicionada entre eles, em local elevado.
O interior recebeu tratamento minimalista: bancos revestidos em vinil preto e cortinas no lugar das janelas, para proteger os ocupantes dos elementos durante as expedições.

O motor original já não existia e, em seu lugar, Gary instalou um boxer 1500 com cilindros e pistões de 1600 cm³, além de um sistema de escape do tipo stinger, com os canos voltados para cima, acoplado a um câmbio de Kombi com caixa de redução. Todos os componentes eram originais da Volkswagen, priorizando confiabilidade e robustez em vez de potência.
As rodas eram um jogo de Ansen Sprint de 15 polegadas, calçadas com pneus Gates Commando XT diagonais — 7.35-15 na dianteira e 10-15 na traseira. Segundo Rod Emory, o Fusca modificado ainda estava na família em 2015, com uma de suas irmãs.
Curiosamente, na época, a Volkswagen torcia o nariz para o Meyers Manx, ainda que um deles tenha vencido a primeira edição da Mexico 1000. Ninguém sabe ao certo o motivo, mas é provável que a marca não simpatizasse com o fato de o buggy não parecer um Fusca — afinal, a silhueta do modelo era parte da estratégia de marketing da VW. Então, quando outras pessoas começaram a fazer suas próprias versões inspiradas no carro de Gary Emory, a marca percebeu a oportunidade e abraçou a ideia — a ponto de o projeto original aparecer em uma das icônicas campanhas impressas da Doyle Dane Bernbach, a DDB.

Não demorou para que o Baja Bug se tornasse uma subcultura entre os fãs dos VW a ar. E o mais curioso é que, ao longo das décadas, a receita original praticamente não mudou.
Como montar um Fusca Baja

Um dos grandes atrativos do Fusca Baja é a simplicidade das modificações — hoje ainda maior, graças às empresas especializadas na fabricação dos kits de carroceria, geralmente em fibra de vidro: resistentes, leves e fáceis de encontrar. Normalmente, o conjunto inclui para-lamas, tampa traseira, capô e frente. Dá até para instalar em casa, embora seja recomendável algum conhecimento prévio, já que as peças costumam exigir pequenas adaptações. Também é possível seguir o método tradicional e cortar as chapas originais — ou contratar um bom funileiro para o serviço.
Existem dois estilos principais de Fusca Baja: o narrow eyes, com faróis dianteiros mais próximos no painel frontal, e o wide eyes, que preserva os faróis nos para-lamas.

Há quem instale para-choques tubulares na dianteira e na traseira, mas isso é opcional. É altamente recomendável, no entanto, o uso de uma proteção para o motor, já que o boxer fica exposto — o que, de todo modo, melhora a refrigeração. Muitos também substituem os estribos característicos do Fusca por barras tubulares.

O estilo, porém, é apenas parte da equação. Ao montar um Fusca Baja, é preciso considerar o propósito. Se a ideia é apenas curtir o estilo e rodar nos fins de semana, mesmo que seja só na cidade, adaptações na suspensão são dispensáveis. Mas se a intenção é encarar terra, lama e trilhas de verdade, há mais trabalho pela frente.

Modificar a suspensão do Fusca é essencial para instalar rodas e pneus maiores, aumentando sua capacidade fora de estrada. Por sorte, esse tipo de modificação é conhecido há décadas e segue um método consolidado: na dianteira, trocam-se as mangas de eixo e instalam-se amortecedores mais longos; na traseira, ajusta-se o facão e, em alguns casos, substituem-se também as mangas para afastar as rodas e ampliar a bitola.
Claro que há quem vá além, trocando todo o sistema de suspensão por arranjos ajustáveis com amortecedores coilover, ou mesmo convertendo a traseira para um conjunto independente com braços triangulares sobrepostos. Tudo depende do orçamento — e da ambição do projeto. Há até quem prefira o Baja rebaixado, apenas pelo visual.

O que não muda é a necessidade de regularizar a documentação caso o carro vá rodar em vias públicas. Segundo relatos de fóruns especializados, como o 4×4 Brasil, esse processo pode ser uma verdadeira odisseia, variando de acordo com o estado. Por isso, muitos recomendam procurar um exemplar já modificado e devidamente regularizado, mesmo que a ideia seja restaurá-lo e instalar novas peças.
Assim como aconteceu há quase 60 anos, o espírito do Baja Bug continua sendo o mesmo: fazer mais com menos — e se divertir ao máximo fora do asfalto.


