Em 1987, a GM decidiu participar do World Solar Challenge — aquela famosa competição em que protótipos movidos exclusivamente por painéis solares cruzam a Austrália de norte a sul, por mais de 3.000 km. Era uma competição para gente que realmente queria testar limites, de engenheiros que queriam provar que a mobilidade elétrica era possível fora do laboratório. A GM não era conhecida por apostar em maluquices, ainda mais em algo tão distante do seu negócio tradicional. Mas a divisão australiana da marca insistiu e a matriz em Detroit aceitou, vendo aquilo como uma oportunidade de estudar aerodinâmica e eficiência energética.
O resultado foi o Sunraycer — um protótipo desenvolvido em parceria com a AeroVironment, empresa californiana especializada em veículos aéreos não tripulados. Um carro em forma de gota d’água, coberto de painéis solares, aerodinamicamente perfeito. E ele venceu. Não apenas venceu — estabeleceu um ritmo que transformou o resto da competição em perseguição simbólica. Cruzou a linha de chegada com dias de vantagem sobre o segundo colocado. O Sunraycer usava 8 m² de células solares desenvolvidas pela Hughes Aircraft, com eficiência superior a 20% — um valor altíssimo para 1987, quando células comerciais raramente passavam de 12%. O motor elétrico, um MagneTek personalizado, entregava apenas 750 watts, mas com eficiência de 92%, e todo o carro pesava 180 kg graças ao uso de honeycomb de alumínio e fibra de kevlar — tecnologias de construção aeronáutica que quase nenhuma fabricante aplicava em um carro de quatro rodas. Nem mesmo nesse tipo de competição.
Foi tão impressionante que Roger Smith, CEO da GM na época, entusiasmado pelo resultado, teve uma ideia que, na época, parecia maluca: “E se a gente fizesse um carro elétrico de verdade? Não movido a sol, mas a baterias. Um carro que as pessoas pudessem usar no dia a dia?” Smith não era um executivo do tipo visionário, muito menos carismático — pelo contrário: era conhecido por ser um administrador duro, conhecido por cortar custos. Isso tornou tudo mais estranho: de repente ele quer apostar em um carro que ninguém precisava?

Para o projeto deste carro elétrico, a equipe da AeroVironment foi convocada, e passou a trabalhar in-house.Junto deles veio um engenheiro eletrônico chamado Alan Cocconi, que trabalhava no seu laboratório-garagem em algo que mudaria tudo: um controlador eletrônico capaz de gerenciar o fluxo de energia das baterias para o motor elétrico de forma precisa, permitindo aceleração suave e controle fino da potência. Era o equivalente elétrico do sistema de injeção eletrônica — a peça que faltava para fazer um carro elétrico funcionar como um carro de verdade, e não como um carrinho de golfe metido a besta.
O controlador de Cocconi era baseado em transistores de efeito de campo (MOSFET) que é, no fim das contas, uma chave eletrônica capaz de ligar e desligar correntes altas com perdas mínimas. No contexto de um carro elétrico, ele funciona como o “acelerador” de verdade, decidindo quanta energia sai do pack de baterias e chega ao estator do motor a cada microssegundo. O segredo de Cocconi estava na velocidade de chaveamento: enquanto controladores automotivos comerciais da época operavam em dezenas de hertz, o dele trabalhava na casa dos kilohertz, ligando e desligando a energia milhares de vezes por segundo. Isso permitia modular a corrente com precisão cirúrgica, reduzir vibração e ruído, melhorar a eficiência e entregar torque de forma totalmente linear. Em outras palavras, ele acelerava e freava com a naturalidade de um carro de combustão interna com câmbio automático.
Três anos depois, em janeiro de 1990, entre Corvettes, Camaros e picapes, a GM levou ao Salão de Los Angeles algo completamente diferente de tudo o que estava ao seu redor. Ele era baixo, aerodinâmico, prateado, com linhas fluidas. Parecia saído de um filme de ficção científica — mas com proporções e acabamento que o colocavam claramente no mundo real. Seu nome era GM Impact.

As especificações eram impressionantes para a época: 0 a 100 km/h em oito segundos. Autonomia de 125 milhas (200 km) em condições ideais. Coeficiente aerodinâmico 0,19 em um tempo no qual o Corvette C4, com sua dianteira baixa tinha coeficiente 0,34. Esse número — um recorde para a época — foi resultado de mais de 300 horas de testes no túnel de vento de escala real do centro técnico da GM em Warren, Michigan. Era muito mais do que os outros carros da GM tinham na fase final de projeto.

O carro tinha dois lugares, chassi de alumínio tipo espinha dorsal (backbone), painéis de carroceria em plástico reforçado, rodas traseiras parcialmente cobertas para maior eficiência aerodinâmica. Ele era leve, também, afinal isso influencia no consumo: seu backbone era de alumínio e pesava apenas 86 kg. Até mesmo as lanternas foram projetadas no túnel de vento para minimizar a turbulência na traseira.
E o público… amou. A reação foi tão positiva que Roger Smith, em pleno Dia da Terra (22 de abril de 1990), anunciou publicamente que a GM pretendia produzir aquele carro. Meta inicial: 25.000 unidades por ano.
Nos anos 1960 e 70 Los Angeles vivia sob uma névoa marrom permanente, um smog tão espesso que escolas fechavam e idosos eram orientados a não sair de casa. A Califórnia virou laboratório involuntário de políticas ambientais extremas, que levaram à criação do Califórnia Air Resources Board, conhecido pelo sugestivo acrônimo “CARB” (que, em inglês é abreviação de “carbono” ou “carburador”). O Conselho acabou ganhando um poder que nenhum outro departamento estadual dos EUA tinha: ele podia, sozinho, ditar o futuro tecnológico da indústria automotiva.
Ao ver que a GM estava prestes a lançar um carro de emissão zero, o CARB decidiu que todos os fabricantes deveriam fazer o mesmo. A Califórnia vinha sendo pressionada por grupos ambientais e por cidades sufocadas pelo tráfego, e o Impact havia provado que a tecnologia não era mais ficção científica. Para o CARB, aquilo era a brecha perfeita. Se a GM conseguia, então todos deveriam conseguir — como se a GM não fosse a maior fabricante do planeta, na época.
Em setembro de 1990 — seis meses depois do anúncio da GM — a Califórnia aprovou uma lei determinando que 2% das vendas dos sete maiores fabricantes no estado deveriam ser de veículos de emissão zero até 1998. Subindo para 5% em 2001 e 10% em 2003. Era chamado de ZEV Mandate. E, no papel, parecia irretocável: obrigar os fabricantes a acelerar um futuro inevitável.
Na prática, porém, era uma jogada completamente descolada da realidade. A GM tinha um protótipo funcional, desenvolvido ao longo de quase dez anos. As outras marcas não tinham nada além de relatórios internos explicando por que aquilo era inviável. Toyota, Ford, Chrysler, Honda, Nissan e Volkswagen não estavam preparadas. Algumas sequer tinham departamentos de veículos elétricos. Seria necessário criar equipes do zero, investir centenas de milhões de dólares em pesquisa, baterias, manufatura, controle eletrônico, testes de impacto, homologação — tudo para atender a uma lei estadual cujo impacto comercial era imprevisível. Afinal, ninguém sabia se haveria uma demanda real por um veículo elétrico.
Mesmo assim, todas as fabricantes foram obrigadas por lei a desenvolver carros elétricos — justamente numa época em que as baterias de níquel-hidreto metálico ainda estavam engatinhando e o lítio era experimental demais para uso em automóveis. Qualquer fabricante minimamente racional olhava para os números e via uma conta que não fechava: era a obrigação de produzir um produto caro, de nicho, sem rede de recarga, sem escala e sem garantias de aceitação do mercado.
A GM, que havia investido voluntariamente no projeto, de repente se viu na mesma situação que seus concorrentes: obrigada a produzir algo que talvez não fosse viável comercialmente. Só que havia uma diferença fundamental. Ela já tinha matado vários leões para chegar até ali. E isso dava à marca uma espécie de resignação confiante — um “já começamos, então vamos até o fim”. O carro estava andando, literalmente. E isso tornava politicamente impossível para a GM recuar sem parecer irresponsável.
Mas a GM seguiu em frente. Afinal, já estava à frente. E, sem querer, havia puxado toda a indústria para um lugar onde ninguém mais queria estar, mas do qual nenhum deles conseguiria escapar.
A GM tinha 50 protótipos do que seria o EV1. Carros de pré-produção, feitos à mão, ainda longe da versão final. Como estava na dianteira, caberia a ela descobrir se haveria demanda por aqueles carros e, caso houvesse, como vendê-los. Por isso, eles iniciaram um programa experimental chamado “PrEView”. Era um programa ousado: a GM simplesmente emprestaria o carro sem custo algum a qualquer pessoa que se candidatasse. O único pré-requisito era ter uma tomada adequada para recarga na garagem.

O detalhe é que “tomada adequada” não era apenas uma tomada comum. Era necessário instalar um circuito dedicado de 220 volts com disjuntor próprio, usando o carregador Magne Charge por indução — uma tecnologia ainda experimental, desenvolvida pela Delco Electronics. Não havia conectores. Não havia pinos. Era literalmente uma pá metálica que se encaixava em uma fenda do carro e transferia corrente por campo magnético. Nada parecido com o que existia na época.
A GM abriu uma linha telefônica para inscrições. Mais de 10.000 pessoas ligaram nos primeiros dias. E não eram apenas curiosos: eram pessoas dispostas a alterar o circuito elétrico da própria casa apenas para participar. A GM teve que fechar a linha. Não tinha carros suficientes para atender nem 1% da demanda.

Os 50 sortudos selecionados receberam os carros e ficariam com eles por até duas semanas. Eram beta-testers oficiais — cobaias voluntárias de um experimento gigantesco. Eles deveriam relatar tudo: o bom, o ruim, os problemas, as surpresas. Cada carro retornava com um dossiê de dezenas de páginas, com gráficos de carga, temperatura de bateria, consumo instantâneo, problemas de software, comportamento de regeneração, e relatos de uso urbano real. Era o tipo de validação que nenhuma fabricante da época havia feito até então.
O feedback foi esmagadoramente positivo.
“Parece um carro normal.”
“Acelera como um esportivo.”
“É silencioso, mas não parece frágil.”
“Quero comprar um quando sair.”
A imprensa também teve acesso. E elogiou. A revista Popular Mechanics chamou o Impact de “obra-prima da engenharia”. A Popular Science disse que era “o melhor carro elétrico do mundo”. A Car and Driver notou que a aerodinâmica do Impact “fazia um CRX parecer um paralelepípedo”. Ninguém esperava que um elétrico experimental tivesse o acabamento, a dirigibilidade e o comportamento dinâmico de um coupé esportivo.

Naquele mesmo ano, a GM modificou um dos protótipos e o levou para uma pista no Texas. A 295 km/h, tornou-se o carro elétrico mais rápido do planeta. O hype estava criado. E não era hype de marketing, apenas — era hype de engenharia. Agora era hora de transformar aquela promessa em um produto real e, acima de tudo, encontrar uma forma de vendê-lo. Afinal, gostar de um carro emprestado é fácil.
Dezembro de 1996. Centro de produção da GM em Lansing, Michigan. Os primeiros modelos de série do Impact saíram da linha de produção — se é que se pode chamar aquilo de “linha”. Cada carro era essencialmente montado à mão, em um processo tipo “craft station” que a GM havia usado para o Buick Reatta. O nome do carro também havia mudado: não era mais Impact, e sim EV1 — Electric Vehicle 1.

A GM sabia que aquele método jamais seria escalável. Mas era o único possível. O EV1 não compartilhava plataforma com nenhum outro carro da marca. Não havia peças comuns com Cavalier, Sunfire, Saturn, nada. Cada componente — da estrutura de alumínio aos circuitos de potência — era exclusivo. Isso, por que o modelo final manteve a estrutura “backbone” de alumínio, os paineis de carroceria de plástico ABS termoformados para se obter tolerâncias baixíssimas e, assim, atingir o coeficiente 0,19.

A suspensão era independente nas quatro rodas, com braços de alumínio. Freios a disco nas quatro rodas com ABS de série. Ar-condicionado com bomba de calor — o primeiro do tipo em um automóvel. A bomba permitia aquecer e resfriar sem desperdiçar energia como os sistemas resistivos convencionais, e era tão eficiente que até hoje muita gente acha que é invenção moderna. Ele também tinha direção eletro-hidráulica — algo necessário, uma vez que não havia como conectar a bomba hidráulica a uma polia — e freios regenerativos.

Suas baterias eram 26 unidades de chumbo-ácido “avançado”, desenvolvidas pela Delphi, dispostas em formato de T no assoalho. Pesavam 533 kg sozinhas e armazenavam 16,5 kWh de energia — suficiente para 90 a 160 km de autonomia. Eram células de chumbo-ácido de ciclo profundo, com placas mais espessas, eletrólito de composição alterada e gerenciamento térmico ativo. O pack tinha canaletas internas para circulação de ar forçado e sensores de temperatura espalhados por toda a estrutura. Em caso de superaquecimento, o sistema reduzia automaticamente o torque, algo que mais tarde ficaria conhecido como “derating” — hoje padrão em qualquer elétrico.
O motor elétrico era um AC trifásico de indução, montado transversalmente na dianteira, entregando 137 cv e 15,2 kgfm de torque disponível instantaneamente. Ligado às rodas dianteiras através de uma redução de duplo estágio. Esse motor era descendente direto do projeto original do Impact, baseado nos parâmetros definidos por Alan Cocconi. Ele girava a mais de 13.000 rpm e era silencioso e equilibrado, coisa que motores de indução da época raramente conseguiam.

O peso total ficou em 1.400 kg. Pesado para um carro de seu porte, mas não para um elétrico com 533 kg de baterias. Com os 137 cv, ele acelerava de zero a 100 km/h em 8 segundos, e tinha velocidade máxima limitada eletronicamente a 130 km/h — um reflexo da tecnologia primitiva das baterias da época.
O interior era minimalista. Dois lugares confortáveis separados por um túnel central gigantesco que abrigava o “backbone” do chassi e parte do pack de baterias. Painel era digital com velocímetro, indicador de carga e autonomia instantânea. O porta-malas era razoável — dava para levar compras ou bagagem de um casal e não mais que isso. Mas o EV1 nem precisava de mais que isso, afinal, ele foi concebido para uso rotineiro do dia-a-dia, não para viagens de fim de semana.

E o visual… o visual era pura ficção científica. Faróis ovais, linhas fluidas, traseira afilada, rodas traseiras parcialmente cobertas por carenagens aerodinâmicas. Disponível em prata, verde metálico e vermelho. Não era bonito — mas tinha aquele charme das formas funcionais. Era um pouco estranho, mas era o futuro.
Havia também pequenos detalhes que mostravam o nível de exigência de um projeto tão extremo: cada vão de porta tinha borrachas duplas para reduzir ruído; o para-brisa tinha inclinação extrema, então o vidro precisava ter baixa refração para minimizar distorções; até os limpadores eram retrabalhados para reduzir arrasto. Não existia nenhum carro no mundo em 1996 que fosse tão aerodinamicamente puro quanto o EV1 — e nenhum que tivesse tanta tecnologia embarcada por metro cúbico.

A GM sabia que aquilo não era um carro: era um manifesto e um laboratório. Não era apenas ela quem estava aprendendo a fazer um carro elétrico viável. Todos estavam aprendendo junto com ela.
Com o carro pronto, a GM sabia que não podia simplesmente colocar o EV1 em uma concessionária e esperar que alguém aparecesse. Era uma tecnologia tão nova, tão diferente, tão fora da curva, que o público precisava ser construído antes de existir. Por isso, desde o programa PrEView, a marca havia percebido algo essencial: elétrico não se vende como um carro normal; elétrico se vende como uma ideia.
O processo começou ainda em 1995, quando os protótipos do Impact evoluíram para mulas quase finais. A GM criou um banco de dados interno com milhares de nomes coletados no PrEView, incluindo perfis detalhados de cada pessoa: hábitos de condução, trajetos diários, faixa de renda, disposição para adaptar a casa, histórico de interação com o programa e, especialmente, entusiasmo genuíno pela tecnologia. Era o que hoje chamamos de marketing de precisão, mas antes de existir o termo marketing de precisão.
Quando o EV1 ficou pronto para o público, a GM usou essa base como primeira peneira. Foram enviadas cartas personalizadas, convites impressos em papel metalizado, folhetos minimalistas que pareciam material de apresentação de laboratório aeroespacial. Cada convite era praticamente um documento secreto: fotos do carro ainda camuflado, dados técnicos que não tinham sido divulgados, detalhes do processo de leasing e um telefone exclusivo para agendamento de test-drive.
A GM montou também um time itinerante — uma espécie de “EV1 Roadshow” — que percorreu universidades, centros de tecnologia, feiras ambientais e até encontros de carros esportivos. Era uma tática dupla: aproximar o elétrico dos ecologistas e dos gearheads ao mesmo tempo. Os engenheiros levavam baterias desmontadas, motores cortados ao meio, uma seção do assoalho com o pack completo exposto e, claro, um EV1 funcional para demonstração. A cada evento, a equipe coletava mais nomes, mais fichas, mais gente disposta a participar. O formulário perguntava desde a quilometragem mensal até a altura do motorista — o EV1 era tão baixo que isso realmente importava.
E havia um detalhe decisivo: a GM treinou concessionárias específicas para lidar com o EV1, e apenas elas podiam oferecer o carro. Eram pontos de venda escolhidos a dedo — lojas com departamentos de serviço que aceitariam instalar carregadores domésticos, com técnicos treinados diretamente por engenheiros do projeto e com gerentes que realmente acreditavam no carro. Não havia espaço para vendedores cínicos repetindo roteiros decorados. A GM sabia que qualquer deslize no atendimento mataria o projeto.
O resultado foi imediato: a base de clientes do EV1 nasceu fanática, apaixonada, o que hoje chamamos de “evangelistas”. Gente que não apenas queria o carro — queria usá-lo como uma declaração pessoal. Para a GM, isso era ouro.

Em janeiro de 1997 os primeiros EV1 começaram a ser entregues a clientes em Los Angeles, Phoenix e Tucson. Não estavam à venda — só podiam ser obtidos por leasing, num contrato rígido que impedia qualquer alteração no carro e também já previa a proibição de revenda. Isso irritou alguns entusiastas, mas a GM tinha seus motivos: o EV1 era experimental demais e custava mais de US$ 80.000 por unidade para construir. Vender significaria assumir responsabilidade total sobre um produto que a própria engenharia admitia ser frágil, delicado e ainda em evolução. Revendê-lo, significava colocar nas mãos dos rivais um produto que só a GM sabia como fazer.
Mas bastou o primeiro grupo de clientes pegar a estrada para a narrativa mudar. Os jornais começaram a publicar relatos quase incrédulos. Motoristas descrevendo a sensação de sair de um semáforo com torque imediato, deixando carros V6 e V8 para trás. O silêncio a 100 km/h, que fazia qualquer carro a combustão parecer antiquado. A suavidade do motor de indução, que parecia deslizar no ar. O comportamento dinâmico que surpreendia até quem gostava de esportivos. Não havia trancos, vibrações, hesitações. Era tudo linear. Era um carro do futuro no presente.
E a aerodinâmica do EV1 criava uma sensação estranha para quem cresceu dirigindo sedãs e cupês convencionais. Acima de 80 km/h o carro parecia ganhar eficiência, como se cortasse o ar com mais facilidade do que deveria. Não havia aquela resistência do ar sentida em qualquer carro acima dessa velocidade. A cabine permanecia serena. Quem dirigia pela primeira vez dizia que parecia “flutuar”.
Os donos rapidamente aprenderam os truques de eficiência que hoje são comuns entre motoristas de elétricos: planejar regeneração antes das curvas, evitar frenagens bruscas, usar a carga da bateria como extensão intuitiva da paisagem. E muitos relatavam que, pela primeira vez, tinham consciência real do uso de energia. Não de combustível — mas de energia. Cada subida, cada frenagem, cada aceleração ganhava um peso físico que o carro tornava evidente.
A imprensa, que tinha ido aos lançamentos esperando um estudo de engenharia e nada mais, se viu obrigada a tratar o EV1 como um carro de verdade. A Car and Driver escreveu que o EV1 “tinha pedigree de esportivo”, algo impensável para um elétrico em 1997. A Motor Trend exaltou o comportamento em curvas, explicando que o pack de baterias no assoalho criava um centro de gravidade tão baixo que o carro parecia colado ao chão. Jornalistas que conviviam com Camaro, Corvette e esportivos estrangeiros passaram semanas tentando entender como aquele pequeno cupê silencioso conseguia entregar prazer de direção real.

E o público… o público queria mais. Havia listas de espera. Havia clubes de donos. Havia gente planejando solarizar a casa para carregar o carro com energia solar. Havia crianças que colecionavam recortes do EV1 como antes faziam com o DeLorean. O carro virou símbolo de futuro, de esperança, de tecnologia viável.
Só havia um pequeno problema: quase ninguém conseguia um.
A GM havia decidido limitar a produção a algumas centenas de unidades por ano, e isso criava a curiosa sensação de que o EV1 era simultaneamente revolucionário e inacessível. Ele era amado, desejado e elogiado — mas não havia volume suficiente para transformar essa euforia em mercado.
E enquanto os primeiros clientes celebravam, algo na sombra começava a se mover. Os fabricantes rivais, que haviam sido arrastados ao programa de carros elétricos pelo CARB sem nenhum projeto pronto, pressionavam o governo. E dentro da própria GM surgia uma pergunta incômoda: “Se o EV1 é tão bom, por que está custando tanto e dando tão pouco retorno?”
A simples existência do EV1 havia criado uma distorção política e econômica que nenhum fabricante queria encarar. O carro mostrava que a tecnologia elétrica era viável. O programa de leasing mostrava que existia público. Os recordes aerodinâmicos e de eficiência mostravam que aquilo não era um brinquedo. E, sobretudo, o CARB havia deixado claro que a regra valia para todos. Só que apenas a GM tinha um carro pronto. As demais marcas estavam anos atrás. Isso sequer era justo, afinal, a GM só estava testando a viabilidade quando o CARB atropelou tudo, tratando aquele experimento como um produto pronto e viável para o mundo real. A GM só teve a sorte de já estar avançada, mas ela própria não sabia se conseguiria atender as metas do CARB.
Foi neste momento que começou o que muitos chamam de “o contra-ataque mais coordenado da história automotiva moderna”. As fabricantes rivais formaram comitês internos para desacreditar os elétricos. Não publicamente, mas através de estudos técnicos enviados ao CARB, alegando que a tecnologia de baterias era instável, que o custo era proibitivo, que a autonomia era insuficiente, que o impacto ambiental do processo de fabricação não justificava a redução de emissões. Foi quando começou a polarização “técnica” sobre a eficiência e a sustentabilidade.
Enquanto isso, a indústria do petróleo entrou em cena com uma ferocidade que o CARB não esperava. A Western States Petroleum Association financiou campanhas de “educação pública” explicando que carros elétricos aumentariam o custo da energia, sobrecarregariam a rede elétrica e trariam riscos de incêndio.
Tudo isso, contudo, era apenas o início da disputa de narrativas que persiste até hoje. O que realmente assustava os fabricantes, porém, era algo muito mais simples, banal e tangível: a grana.

O EV1 custava caro para produzir. Mais de US$ 80.000 por unidade, segundo documentos internos revelados anos depois, e isso considerando uma produção ainda artesanal. A produção em larga escala exigiria investimentos de dezenas de bilhões de dólares em baterias, linhas de produção, centros de reciclagem, treinamento técnico, logística de peças, infraestrutura de recarga e suporte ao cliente. E tudo isso para vender um carro que, na época, o público médio ainda via como esquisitice.
As planilhas eram implacáveis. Elétricos, no fim dos anos 1990, não eram um bom negócio. Não com o estado das baterias, não com a densidade energética possível, não com o custo dos materiais e não com o mercado limitado. E o pior: o sucesso nichado do EV1 criava pressão política para que todos fossem obrigados a seguir pelo mesmo caminho — mesmo que ninguém tivesse um protótipo funcionando, quanto mais um carro pronto para produção.
Por isso, dentro da própria GM começou a surgir um desconforto crescente. O EV1 era, ao mesmo tempo, vitrine de inovação e ameaça existencial. Se desse certo demais, obrigaria toda a companhia a se reorganizar em torno de uma tecnologia cara e imatura. Se desse errado, enterraria bilhões de dólares e mancharia a reputação da empresa. Era um dilema cruel, agravado pelo clima corporativo da época, dominado por cortes de custos, fusões e a obsessão por margens trimestrais.
Enquanto o público celebrava o futuro silencioso do EV1, as forças contrárias — políticas, econômicas e industriais — alinhavam seu ataque. Não era uma conspiração cinematográfica. Era apenas a realidade acontecendo. E o próximo movimento viria justamente de onde o projeto menos esperava: da própria GM.
O problema que ninguém queria admitir — o custo absurdo por unidade, a corrosão lenta da lei californiana, a falta de escala — já estava claro dentro da GM no fim de 1999. Mas o recuo não aconteceu de uma vez. Foi um processo silencioso.
O primeiro sinal concreto surgiu em março de 2000, quando a GM dissolveu, sem alarde, a equipe dedicada exclusivamente ao EV1 em Lansing. Não foi um anúncio público. Foi um memorando interno, distribuído em reuniões individuais, no qual engenheiros foram redistribuídos para programas convencionais: Silverado, Malibu, plataformas GMT. A prioridade, dizia o memorando, era “realinhar recursos conforme projeções de demanda”. Projeções que eles mesmos haviam sido instruídos a reduzir.
O segundo movimento veio meses depois: o fechamento gradual das instalações de recarga públicas. A GM havia financiado a instalação de cerca de 300 carregadores “Magne Charge” em estacionamentos, shoppings e prédios públicos na Califórnia e no Arizona. No final de 2000, esses carregadores começaram a desaparecer — oficialmente “para manutenção”. Extraoficialmente, porque o programa já não tinha orçamento para continuar existindo. Alguns proprietários perceberam a manobra. Muitos não.
A partir de 2001, o recuo deixou de ser discreto e passou a ser estratégico. O lobby das fabricantes pressionava há anos o CARB para flexibilizar o mandato de emissões zero, e agora, com a economia desacelerando e o surgimento dos híbridos, o conselho finalmente cedeu. Híbridos e células de combustível contariam parcialmente como “veículos de emissão avançada”. De repente, a única razão legal para o EV1 continuar vivo evaporou.
Dentro da GM, isso foi interpretado como sinal verde para matar o projeto. Em maio de 2001, o orçamento de marketing do EV1 foi reduzido a zero dólares. Nenhum outro programa de produto da GM teve corte semelhante naquele ano. Publicidade desapareceu. Test-drives desapareceram. Até o site do EV1 ficou meses sem atualização. A empresa deixou de oferecer treinamentos específicos para concessionárias. Sem treinamento, não havia equipe. Sem equipe, não havia como apresentar o carro. Era uma morte por inanição.
O passo seguinte foi congelar a produção. O EV1 Gen II, lançado em 1998, era o carro mais avançado que a GM já havia construído. Era apenas uma atualização com custos de produção reduzidos, operação mais silenciosa, redução de peso e novas baterias — inicialmente uma nova geração de chumbo-ácido da Panasonic; depois um pacote de hidreto metálico de nível da Ovonics, muito mais moderna e que aumentou a autonomia de 120 km a 160 km.
Apesar da atualização, em dezembro de 2000, todas as ordens internas de peças para a produção de novos EV1 foram canceladas, exceto para manutenção de frota. A GM nunca anunciou isso oficialmente, mas fornecedores como Delphi e Ovonics receberam avisos formais: não haveria novos pedidos para módulos de bateria. O último EV1 de produção saiu de Lansing em 16 de julho de 1999 — mas GM só tornaria esse fato público muitos anos depois.
A partir daí, o fim estava escrito. Bastava decidir quando — e como.
Fevereiro de 2002 marcou o momento em que o recuo interno virou ação concreta. As cartas começaram a chegar pelo correio, em envelopes brancos, timbrados com o logotipo azul da GM. A linguagem era neutra, quase administrativa: informava que os contratos de leasing do EV1 não seriam renovados e que os veículos deveriam ser devolvidos ao final do período vigente. Não havia alternativa. Não havia opção de compra. Não havia diálogo.
Para os locatários, foi um choque. A maioria tinha sido surpreendida positivamente pelo carro, construído rotinas e hábitos em torno dele, e agora recebia uma notificação fria dizendo que tudo acabara. Alguns ligaram para as concessionárias e descobriram que os funcionários não tinham instruções oficiais, apenas um script preparado pelo departamento jurídico: “Infelizmente, o programa não continuará. Agradecemos sua participação.”
Quando os primeiros contratos começaram a expirar, a GM passou a agir de maneira ainda mais direta. Os clientes que tentaram negociar extensão foram recusados. Os que insistiram receberam visitas de representantes contratados pela própria fabricante para recolher os carros. Em alguns casos documentados, esses representantes chegaram com caminhões-plataforma sem aviso prévio, pedindo as chaves — e, se o cliente recusava, simplesmente içavam o carro bloqueando as rodas.

A reação da comunidade EV1 foi imediata. O grupo mais vocal organizou abaixo-assinados, tentou reunir advogados, procurou deputados estaduais. Nada funcionou. A GM continuava irredutível. Em maio de 2003, quando cerca de quarenta proprietários ofereceram depósitos de segurança em dinheiro para manter os carros sob total responsabilidade própria, a GM respondeu com uma carta de três parágrafos, citando “restrições legais e de responsabilidade civil” — mas sem especificar quais. Era claro que não havia conversa possível.
A destruição começou silenciosamente em meados de 2003. Os EV1 recolhidos eram levados para dois depósitos principais: o terreno da GM em Burbank, na Califórnia, e um pátio de testes em Mesa, no Arizona. Fotos clandestinas tiradas no período mostram fileiras de EV1 alinhados como aviões aposentados no deserto. Alguns ainda com placas. Outros com adesivos de concessionária. Todos intactos.
Depois vinham os transportes finais. Caminhões levavam os carros para instalações de reciclagem certificadas, a maioria no interior da Califórnia. Os powertrains eram removidos, cabos de alta tensão eram cortados, módulos de bateria eram desmontados e neutralizados. Então o que restava — carroceria, estrutura, suspensão — seguia para a prensa hidráulica. Os EV1 eram dobrados ao meio antes de serem esmagados.
O caso mais simbólico ocorreu em março de 2004, quando um grupo de ex-locatários, liderado por Chelsea Sexton, descobriu que o último lote de EV1 em Burbank seria retirado durante a madrugada. Eles organizaram um “funeral” improvisado no estacionamento. Formaram um círculo humano ao redor dos carros. Acenderam velas. Colocaram bilhetes e flores no capô. Há vídeos em que um homem aparece abraçado ao próprio EV1, chorando, enquanto o caminhão dá ré para engatar o carro. Ele implora: “Deixem eu ficar com ele. Eu pago.” Não adiantou.

No final de 2004, o programa estava morto. Dos 1.117 EV1 produzidos, apenas 40 foram poupados — enviados para museus, universidades ou centros de pesquisa. Todos com o mesmo requisito contratual: o powertrain deveria ser desativado permanentemente. Nada de bateria funcional. Nada de inversor. Nada de motor. Eram vitrines, não veículos.
A GM justificou a decisão de forma oficial apenas uma vez: custos de suporte por quinze anos, riscos de responsabilidade civil com baterias envelhecidas e proteção de propriedade intelectual. Razões reais, plausíveis e justas, mas e insuficientes para quem via seu carro sendo destruído diante dos próprios olhos.
Quando o último EV1 foi esmagado, restou um silêncio desconfortável, porque ninguém conseguia aceitar uma explicação simples para algo tão drástico. A GM dizia que era economia. Ambientalistas diziam que era sabotagem. Clientes diziam que era traição. E então, em 2006, surgiu o documentário Who Killed the Electric Car?, que transformou essa indignação dispersa em narrativa.


O filme apresentava vilões: a GM, a indústria do petróleo, o governo federal, até mesmo o CARB. E heróis igualmente claros: os locatários do EV1, engenheiros frustrados, ativistas que acamparam em frente à fábrica de Burbank tentando impedir os reboques. Era uma história sedutora, quase cinematográfica demais para ser falsa.
Mas a verdade — sempre mais tediosa que a ficção — era mais difícil de engolir.
A indústria petrolífera, de fato, fez lobby. Não especificamente para “matar o EV1”, mas para evitar que carros elétricos ameaçassem a cadeia de combustíveis. Entre 1998 e 2003, empresas como Chevron e Mobil gastaram dezenas de milhões de dólares pressionando o governo federal a privilegiar células de combustível a hidrogênio em vez de baterias. Documentos de época mostram reuniões com o Departamento de Energia em que executivos argumentavam que “hidrogênio é o futuro porque depende de uma infraestrutura centralizada” — algo que coincidia perfeitamente com os interesses das petrolíferas. Era influência política? Sim. Mas conspirar para atacar um único carro elétrico específico era outra história.
Outro elemento real foi a disputa judicial sobre patentes de baterias NiMH. A Ovonics, que fornecia módulos para o EV1 Gen II, entrou em litígio com a Texaco — que, logo depois, seria comprada pela Chevron. Em 2001, a Chevron assumiu controle parcial das patentes via joint venture e impôs restrições severas ao uso de grandes baterias NiMH em veículos híbridos plug-in e elétricos. Isso atrasou projetos de vários fabricantes, inclusive o da Toyota com o RAV4 EV. Ainda assim, essa questão afetava a tecnologia em geral, não o EV1 em particular.
A parte mais incômoda da história é a própria GM. A empresa não precisava de um conluio para abandonar o EV1. Precisava apenas olhar seus balanços. O programa custava centenas de milhares de dólares por unidade. A infraestrutura de recarga custava milhões. O mercado real era minúsculo. E a lei que justificava tudo estava sendo desmontada pelo próprio Estado que a havia criado.
Há, porém, uma coincidência desconfortável: em 2002, enquanto recolhia e destruía EV1s, a GM assinava um acordo estratégico com a Exxon e a Chevron para desenvolver células de combustível a hidrogênio — exatamente a tecnologia que desviava os holofotes dos elétricos a bateria. O projeto nunca deu em nada, mas confirma que a GM apostava em um futuro completamente diferente daquele que o EV1 representava.
O documentário moldou a discussão pública, mas não respondeu a pergunta central: por que destruir tudo? Por que não vender os carros a quem queria ficar com eles? Por que não doá-los sem garantia? Por que desativar powertrains de unidades preservadas?
Elas ficam sem resposta por conveniência, para criar a atmosfera de “teoria da conspiração”, mas a resposta mais próxima da verdade está registrada em um relatório interno de risco, elaborado em 2003 pelo departamento jurídico da GM: “Não é possível garantir a segurança operacional de baterias de alta voltagem envelhecidas sem monitoramento contínuo. A empresa estaria exposta a responsabilidade legal indefinida.” Era o medo de ser processada — algo que, na cultura corporativa americana, pesa mais do que qualquer nostalgia tecnológica.
Assim, a conspiração existiu e não existiu ao mesmo tempo. Não houve uma cabala secreta em salas escuras decidindo destruir o carro elétrico. Houve pressões, incentivos, lobbies, medos, decisões e, acima de tudo, uma indústria e um mercado que não estavam preparados para o salto que o EV1 representava. A morte do EV1, portanto, foi um mero colapso sistêmico.
Quando o último EV1 virou sucata, parecia fácil declarar o programa um fracasso absoluto. Zero vendas. Zero retorno direto. Zero continuidade. Mas a influência real do carro apareceu depois que ele acabou. Em como o mundo mudou depois de ter sido influenciado por sua existência.
O impacto mais imediato foi técnico. O EV1 consolidou a noção de que um elétrico podia ser rápido, eficiente e utilizável diariamente, algo que só existia em laboratório ou em protótipo. A aerodinâmica extrema do EV1 — com Cx de 0,19 — virou referência acadêmica por mais de uma década, influenciando estudos que depois seriam usados em projetos como o GM Volt, o Toyota Prius de terceira geração e até no desenvolvimento de plataformas modulares de elétricos nos anos 2010.
Outro legado foi de engenharia interna. Muitos dos engenheiros do EV1 migraram para áreas que se tornariam centrais na década seguinte. A equipe de eletrônica de potência — que havia aprendido a lidar com MOSFETs operando em faixas térmicas extremas — foi justamente a que mais tarde desenvolveu parte dos sistemas do Volt e do Bolt EV, especialmente os inversores de terceira geração que permitiram densidade de potência inédita para a GM. O EV1 treinou gente. Formou especialistas. Criou um corpo técnico que simplesmente não existia.

Culturalmente, o EV1 foi um fantasma que assombrou todas as decisões corporativas da GM. Cada vez que a empresa relutava em avançar num projeto elétrico, alguém lembrava: “A gente já esteve na frente antes.” Cada recuo seguinte carregava uma sombra histórica. Quando o Volt foi lançado em 2010, vários executivos admitiram — em conversas internas que só vieram a público anos depois — que o projeto era, em parte, uma tentativa de exorcizar o trauma do EV1.
O impacto externo foi ainda maior. O nascimento da Tesla, por exemplo, não foi obra do acaso. Martin Eberhard, cofundador da empresa, declarou repetidas vezes que o EV1 foi “a prova de conceito que mostrou que a indústria estava mentindo quando dizia que elétricos não eram viáveis”. Ele e Marc Tarpenning chegaram a dirigir um EV1 durante o programa de leasing, e aquilo definiu a filosofia inicial da companhia: um elétrico precisava ser bom, não apenas ecológico.
Os primeiros Tesla Roadster usavam células cilíndricas de íons de lítio, mas a lógica de gerenciamento térmico, a arquitetura do inversor e até a curva de aceleração foram inspiradas diretamente nos princípios que a GM havia testado no EV1. Não havia continuidade tecnológica formal, mas havia continuidade conceitual. O EV1 mostrou o caminho; a Tesla foi atrás.
No âmbito regulatório, o carro também deixou marcas. O fracasso do programa ZEV original ensinou o CARB a não tentar empurrar uma revolução tecnológica pela força. Nas versões posteriores do mandato, o órgão passou a estimular híbridos, híbridos plug-in e elétricos simultaneamente, criando uma rampa gradual em vez de uma parede. Isso pavimentou o terreno para os híbridos e os primeiros elétricos produzidos em grande escala dos anos 2010.

E então existe o legado simbólico. Para quem dirigiu um, o EV1 permanece como uma lembrança viva de um futuro possível que chegou antes da hora e depois foi apagado. Para os engenheiros, é o “carro que ensinou”. Para a indústria, é a lembrança incômoda de que inovação demais, cedo demais, pode ser tratada como ameaça — até por quem a criou.
O paradoxo final é que o EV1 falhou por que era o carro certo na hora errada. Ele não cabia no mercado, não cabia na política, não cabia no equilíbrio financeiro dos anos 1990. Mas, ao mesmo tempo, nada do que veio depois caberia sem ele. Sem vender uma única unidade, o EV1 reinventou o carro elétrico. Ele pode ter morrido esmagado, mas sua essência está por aí até hoje — inspirando novas tecnologias e, ironicamente, velhos erros.


