Quando assistimos aqueles vídeos maravilhosos com jornalistas ou pilotos acelerando carros clássicos em circuitos ou estradas paradisíacas, a imagem que formamos na nossa imaginação é de que eles são um pedaço do paraíso na terra, modelado com metal, borracha e tecido sobre quatro rodas. Não é para menos: os clássicos são uma combinação de apelos sensoriais difíceis de superar. O visual atemporal, o ronco orgânico dos motores, a mecânica em seu estado bruto, sem filtro algum.
Mas existe um lado dessa história que você só conhece quando ouve o clique pesado da maçaneta, a batida metálica da porta e a partida pesada do motor. Ou pior ainda: quando descobre que o comportamento dinâmico dele não é certinho como o do seu carro moderno, e que os comandos não são tão precisos quanto você gostaria e que uma situação de emergência pode acabar mal. Você sabe, volta e meia aparece um clássico batendo em alguma coisa. E não é por falta de experiência: às vezes até mesmo os proprietários mais experientes sofrem nas mãos desses carros.
O mais novo proprietário experiente a sofrer na mão de um clássico é Magnus Walker, o Urban Outlaw, um dos colecionadores de Porsche mais famosos do planeta. Em um evento de clássicos realizado em Minneapolis/EUA, ele levou a repórter Vaneta Sawkar, do jornal “Star Tribune”, para conhecer melhor seu Porsche 911 “277” 1971 (ela poderia ter lido nosso post sobre o carro). Na volta do passeio, ele perdeu o controle do esportivo e, para evitar uma colisão com um Mercedes 280SL Pagoda (W113), acabou arrebentando a lateral do Porsche em seu próprio trailer.
A batida foi o típico acidente com Porsches 911 clássicos: o motorista/piloto alivia o acelerador e o carro sai de traseira.
Sim, a tendência de sair de traseira faz o Porsche contornar curvas deslizando de lado, sem girar muito o volante. Os fãs adoram a ideia de “esterçar com a traseira”. Isso é possibilitado por que, mesmo com a transferência de peso lateral facilitada pelo posicionamento do motor atrás do eixo-traseiro, a carga vertical descendente aplicada pela aceleração mantém a aderência e o tracionamento. Veja só esse segundo Porsche vermelho na Eau-Rouge:
Parece divertido, não? Essa é uma qualidade do Porsche clássico, mas ironicamente, essa qualidade é também seu maior perigo: a mesma tendência sobre-esterçante que faz o carro ser divertido de guiar se torna potencialmente perigosa se, por algum motivo, você precisar aliviar o acelerador durante a manobra.
Isso por que ao aliviar o acelerador, o freio-motor transfere o peso para a dianteira. A traseira perde a carga vertical descendente que mantinha a tração mesmo com a traseira desllizando. Sem essa carga a traseira fica leve e a inércia lateral do eixo traseiro faz com que ele escape de vez, dificultando o trabalho do motorista em recuperar o carro.
Para piorar as coisas, o Porsche de Magnus tem a bitola traseira mais estreita, o que permite maior transferencia de peso lateral É por esse motivo que o 911 RSR (934) e os demais 911 de alta performance têm bitolas traseiras mais largas. É uma tentativa de conter essa tendência sem matar o desempenho. Além disso, a suspensão traseira do Porsche clássico tem como característica a variação da convergência das rodas traseiras. Com carga sobre a suspensão, como acontece durante a aceleração, as rodas assumem um ângulo convergente, mas quando a suspensão se distende, como acontece nas frenagens, as rodas “abrem” a convergência, aumentando ainda mais o potencial sobre-esterçante
Como se as particularidades dinâmicas do Porsche 911 1971 de Walker não fossem suficientes para criar essa situação, o “fora-da-lei urbano” ainda roda com pneus slick por aí. Como se sabe, os pneus slick precisam de alta temperatura para começar a produzir grip, e é praticamente impossível obter essas temperaturas nas velocidades moderadas do trânsito urbano. Só isso já seria bastante para tornar o carro altamente arisco e pronto para escapar do controle a qualquer momento. Combinados ao comportamento temperamental do 911 clássico, o resultado não poderia ser diferente.
Ou poderia. Em vários vídeos vimos Walker se divertir com seu Porsche, acelerando o clássico pelas ruas e estradas, mas sempre com pouco trânsito, longe de outros carros. Sempre notamos uma certa cautela do cara. Mas desta vez, talvez por estar diante das câmeras ou simplesmente para se divertir com o possível nervosismo da repórter que estava no banco do carona, ele parece ter passado do limite do razoável naquelas condições.
Many thanks to all for your support after my Memorable Minneapolis Monday – I'm happy to say Vanetta , myself the trailer and car 277 and ok and doing well – cheeRS
Posted by Magnus Walker on Sexta, 28 de agosto de 2015
Felizmente ninguém se machucou. A jornalista parece ter ficado furiosa, considerando seu tom de voz no vídeo do acidente. Magnus não comentou sobre o acidente em suas redes sociais — ao menos não diretamente. Em uma postagem no Facebook ele disse que “está feliz por dizer que Vanetta, o trailer e o carro estão bem”. A jornalista, o trailer e o carro.