Acordar cedo em uma manhã fria, ir até a garagem, abrir o carro, sentar no banco, colocar a chave no contato, virar. “Crank, crank, crank. Crank crank crank. Crank Crank Crank… VROOOOMMMMM!!” O carro pega, você agradece silenciosamente aos deuses da graxa, deixa o motor esquentar um pouquinho e sai de casa para trabalhar. Ou para fazer qualquer outra coisa na verdade.
Quem tem um carro velhinho conhece bem esta rotina. É chato mas, ao mesmo tempo, te faz se sentir bem. Dá uma sensação boa saber que você é responsável por manter aquela máquina cansada funcionando, não é? Já passei muito por isso.
Mas sabe o que eu descobri? O carro não precisa ser seu para te deixar feliz quando funciona, ou mesmo de um conhecido. Não precisa nem estar perto de você. É só abrir o YouTube e pesquisar por vídeos de partidas a frio. Fiz isto ontem e devo dizer: acho que encontrei um novo passatempo. Sabe aqueles vídeos “satisfatórios”, que os americanos postam nas redes sociais mostrando coisas funcionando perfeitamente? É mais ou menos aquela sensação. Veja só:
À primeira vista parece que não tem nada demais, certo? É só um cara dando a partida em seu Fusca com duas cores diferentes em uma manhã fria. No entanto, assistindo do jeito certo, você consegue se entreter bastante assistindo a outros vídeos de caras tentando dar a partida em seus carros. O YouTube está fervilhando deles.
Se você é aquele tipo de entusiasta que simplesmente gosta de carros – não apenas esportivos, não apenas muscle cars, não somente supercarros; apenas carros em geral —, provavelmente está começando a entender o que eu quero dizer.
Desprenda-se de suas paixões por marcas e modelos e concentre-se no que te faz gostar de carros de verdade. A relação entre homem e máquina. E não precisa ser uma máquina desejável por sua potência, seu design ou sua performance. Pode ser um Ford Crown Victoria 2002 com interior marrom…
… pode ser um Fiat Uno europeu com motor diesel…
… e pode até ser uma Chevrolet Caravan brasileira dando um pouquinho mais de trabalho.
Enfim, carros comuns comuns que gente do mundo todo vê todo dia, rodando há mais de 20 anos sem descansar, ou então carros mais novos, porém sem nada que apele em especial aos entusiastas. Gosto destes carros. Eles são máquinas que queimam combustível e o transformam em calor, fumaça, barulho e movimento, e eles não precisam ser mais do que isto para me entreter.
Às vezes estes carros ficam semanas, meses, ou mesmo anos sem funcionar. Não estão perfeitos, podem estar precisando de reparos, mas têm motor, câmbio, volante e uma chave para colocar no contato. É o suficiente, não?
Outro Fusca, mas é pura coincidência. O cara não precisava estar usando Crocs, mas isto é só um detalhe. Ele diz que esta é “primeira partida depois de um longo inverno”. Sabendo disto, tem como não se sentir feliz pelo fato de o carro ter funcionado logo na segunda tentativa? Mesmo que eu sequer saiba onde foi feito o vídeo, mesmo que ele tenha sido publicado mais de três anos atrás, e que eu nem saiba o nome do cara, me senti satisfeito e feliz em ver o Fusca pegar.
Uma partida a frio é mais complicada, obviamente, porque o motor ainda não está em sua temperatura ideal de funcionamento. Primeiro, a falta de calor torna a ignição mais complicada. O óleo também está mais viscoso, o que torna sua circulação dentro do carro mais difícil e, consequentemente, a lubrificação do motor menos eficiente. Além disso, é preciso tornar a mistura ar-combustível mais rica (aumentando a proporção de combustível em relação ao ar) para tornar a queima mais eficiente. É por isso que os carros mais antigos, com carburador, têm o afogador: ao injetar um pouco mais de combustível, a mistura fica mais rica e a combustão acontece a uma temperatura um pouco mais baixa, facilitando as coisas.
Meu Gol 1985, o Robso, não tinha afogador, mas havia um pequeno botão improvisado no painel para despejar um pouco de gasolina sobre o carburador e facilitar a partida. Talvez por causa disto eu tenha me identificado tanto com estes vídeos. Especialmente o vídeo do Monzão aí em cima.
Aliás, isto nos traz a outro ponto importante: estes vídeos são ainda mais legais quando são gravados no inverno, e o cara se dá ao trabalho de divulgar a temperatura ambiente no momento, com algo do tipo “dando a partida a frio no meu Peugeot 106 1.9 a diesel a menos de -18°C”.
Alguns fazem compilações, com mais de quinze minutos (algumas, com mais de uma hora) de partidas a frio. Em algumas, o dono do carro comemora efusivamente – e, se você gosta de carro, não precisa ter passado por uma situação parecida para comemorar junto.
É claro que, se você quiser, pode assistir vídeos de partida a frio com carros mais novos e entusiastas – fica a seu critério. O que importa é que poucas coisas são tão boas para dar a partida no seu dia do que assistir a vídeos de carros dando a partida.
O Lamborghini Gallardo sofre um pouquinho
Tenho certeza de que muita gente aqui se identificou. Você vai acabar descobrindo que assistir a vídeos de carros dando a partida a frio é uma ótima forma de… dar a partida no seu dia.