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Car Culture Humor

A história do 962C, o último Porsche a vencer nas 24 Horas de Le Mans nos anos 80

Quando tivemos a ideia de fazer esta série sobre as lendas de Le Mans, sabíamos que vários posts seriam dedicados a carros da Porsche. Não é para menos: os alemães foram os que mais venceram edições da corrida de endurance mais importante do mundo — nada menos que 16 vitórias. Tudo começou no Porsche 917 em 1970, o início da era de ouro da Porsche em Mans, que terminou com o 962C nos anos 1980 — a marca ainda venceria outras três vezes nos anos 1990, mas já sem a mesma dominância das décadas anteriores.

Como vimos no post anterior, para 1982 a FIA mudou o regulamento das 24 Horas de Le Mans incluindo uma nova categoria: o Grupo C, para protótipos fechados com grandes motores aspirados ou motores menores e turbinados – era só escolher. O importante era que os protótipos respeitassem um tamanho máximo, um peso mínimo (800 kg) e não gastassem mais de 600 litros de combustível a cada 1.000 km.

Aproveitando as regras flexíveis, a Porsche decidiu que era hora de criar um protótipo totalmente novo para substituir o 936 que, apesar de vencedor, era ultrapassado — sua construção de estrutura tubular e carroceria de fibra de vidro remetia aos anos 60, e os rivais estavam cada vez mais avançados.

Com estrutura do tipo monocoque de alumínio e painéis de Kevlar na carroceria, o 956 era um carro impressionante — basta lembrar das 24 Horas de Le Mans de 1983, quando entre os dez primeiros a cruzar a linha de chegada estavam nove 956. Foi graças ao sucesso na Europa que a Porsche decidiu levar o 956 para correr no campeonato de endurance americano, organizado pela IMSA — do qual faziam parte as 24 Horas de Daytona, por exemplo.

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O problema é que, enquanto a IMSA tinha algumas regras mais permissivas do que o circuito europeu de endurance (no consumo de combustível, por exemplo), outras eram mais rígidas — especialmente na questão da segurança. Havia uma cláusula no regulamento que exigia que a caixa de pedais do carro ficasse atrás do eixo dianteiro, o que não era o caso no 956 (e, a propósito, nem no 917). Para falar a verdade, o Porsche 956 era um carro bem perigoso, sendo capaz de atingir velocidades impressionantes sem oferecer proteção adequada em caso de impacto — e o piloto ficava sentado bem à frente, onde a energia da colisão ficaria concentrada, e o acidente seria provavelmente fatal.

A teoria foi confirmada de um jeito extremamente infeliz: em 1985, com um Porsche 956 de uma equipe independente, Stefan Bellof tentou ultrapassar Jacky Ickx (que estava em um 956 da equipe de fábrica da Porsche) na Eau Rouge, durante os 1.000 Km de Spa-Francorchamps. Seu carro acertou a traseira de Ickx e saiu da pista pela esquerda, acertando o muro. Bellof não resistiu aos ferimentos e foi declarado morto minutos depois de dar entrada no hospital. Para tornar as coisas ainda mais tristes, Bellof foi o cara que levou o Porsche 956 a seu recorde de 6:11 em Nürburgring Nordschleife dois anos antes.

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Assim, o 956 recebeu um aumento no entre-eixos para que os pedais coubessem atrás do eixo dianteiro e o piloto não ficasse tão desprotegido em um impacto, além de uma gaiola de proteção de aço integrada ao monocoque de alumínio. A Porsche também aproveitou que a IMSA era menos rigorosa quanto ao tamanho do motor e instalalou no 956 um flat-6 de 2,8 litros bem parecido com o que equipara o Porsche 935 anos antes, porém com apenas um turbocompressor (a IMSA não permitia sistemas biturbo).

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Por causa das modificações, o carro recebeu um novo nome: Porsche 962. Sua estreia aconteceu nas 24 Horas de Daytona de 1984, e Derek Bell dominou a corrida até a volta 127, quando o carro teve problemas no câmbio e foi forçado a abandonar a corrida. Por outro lado, o 962 foi o campeão na categoria GTP da IMSA por três anos seguidos (1985, 1986 e 1987).

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Também foi em 1985 que o Porsche 962 estreou nas 24 Horas de Le Mans. Para adequar-se ao regulamento, a Porsche instalou nele o motor biturbo de 2,65 litros que já era usado no 956 e deu ao carro, que trazia a belíssima pintura da Rothmans, o nome de 962C. Com Derek Bell e Hans Stuck revezando ao volante, o 962C foi o terceiro a cruzar a linha de chegada, atrás de dois 956 inscritos por equipes independentes.

No ano de 1986, porém, foi diferente: o 962C de Bell e Stuck venceu a prova, à frente de outros nove Porsche de equipes independentes — do 936 ao protótipo 961, baseado no Porsche 959 de rali.

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Graças ao entre-eixos mais longo, o Porsche 962 era mais estável que o 956. Além disso, a Porsche havia aperfeiçoado seu sistema de dutos Venturi e, por isso, o efeito solo era ainda mais evidente. Só que o 962 também era um carro selvagem, e Derek Bell somou perfeitamente como era guiá-lo em uma entrevista feita para a Porsche alguns anos:

O 962 é o melhor carro de corrida que eu já pilotei. Força bruta e efeito solo inacreditável. As força centrífuga era enorme, e a direção não era assistida. Era preciso ter a força de um urso e bastante coragem.

De fato, Bell e o 962C mostraram que eram mesmo uma dupla e tanto no ano seguinte. Agora com motor de três litros, o carro que Derek Bell dividia com Hans Stuck e Al Holbert venceu as 24 Horas de Le Mans de 1987 seguido de outros dois 962.

Foi a última vitória da Porsche antes que a FIA decidisse modificar novamente o regulamento do Mundial de Endurance, banindo os motores turbinados por pressão das outras equipes — motivadas exatamente pelo sucesso do 956 e do 962.

Na verdade o 962 voltaria a vencer em Le Mans muitos anos depois, ainda que não fosse um esforço da Porsche e sim de uma equipe particular, que o inscreveu nas 24 Horas de 1991. Mas esta história vai ficar para um próximo post!