A Fiat não é muito conhecida pelo sucesso dos seus carros médios, especialmente no Brasil, mas também lá fora. Em compensação, poucas fabricantes entendem de carros pequenos como ela. A maioria dos Fiat compactos virou referência no segmento, como o primeiro 500, o 128, o 127 (que, no Brasil, ganhou uma nova frente e foi vendido como 147) e o Uno.
Mas o que você talvez não saiba é que, a partir de 1955, a Fiat criou uma submarca especialmente para testar inovações em carros pequenos. Era a Autobianchi, que foi encerrada em 1995 e, agora, ao que tudo indica, teve seu nome “registrado” pelo governo italiano e pode até virar marca ítalo-chinesa (ou seria sino-italiana?).
A Autobianchi surgiu por iniciativa da Bianchi, fabricante de bicicletas fundada em 1885 que é a mais antiga ainda em operação no planeta. No início do século XX, a Bianchi também fabricou motocicletas e automóveis, mas foi forçada a abandonar a atividade no final da Segunda Guerra Mundial, pois sua fábrica foi destruída no conflito. Para piorar, o fundador Edoardo Bianchi morreu em um acidente de carro, deixando a Bianchi nas mãos de seu filho, Giuseppe.
Uma nova fábrica foi construída depois da Guerra, mas não era o suficiente para voltar a fabricar automóveis – as condições financeiras não estavam boas para nenhuma empresa italiana e, por isso Giuseppe Bianchi decidiu focar-se apenas na fabricação de motos e bicicletas. Mas nem todo mundo lá dentro concordava com isso.
Um dos diretores da Bianchi, Ferruccio Quintavalle, não aceitava o fato de uma empresa tão experiente não investir em um segmento aquecido como o dos carros compactos. Mas ele sabia que, do jeito que as coisas estavam, não seria possível seguir com aquela empreitada sem parceiros maiores. Por conta própria, ele foi atrás da Fiat e da Pirelli, oferecendo uma parceria para criar uma nova empresa. Assim nasceu a Autobianchi que conhecemos, em 11 de janeiro de 1955, quando começou a construção de uma nova fábrica em um complexo de 140.000 metros quadrados, na cidade de Desio, poucos quilômetros ao norte de Milão.
A família Bianchi ficou com 33% da sociedade. O restante foi dividido entre Fiat e Pirelli. A ideia era dividir também as funções de cada empresa, pois cada uma delas tinha um interesse diferente. A Fiat queria conquistar o segmento dos carros mais luxuosos, visto que os carrozzieri como a Moretti e a Vignale já estavam usando seus modelos para isso, e forneceria motores, transmissões e chassis, além dos serviços de seus engenheiros. A Pirelli, naturalmente, forneceria os pneus para os carros. Já a Bianchi ficou com as carrocerias e montagem dos veículos, pois seu desejo era voltar a fabricar automóveis e este seria o primeiro passo.
O primeiro modelo lançado pela Autobianchi foi o Bianchina, um minicarro feito sobre o Fiat 500, que usava o mesmo motor bicilíndrico de 479 cm³ (ampliado mais tarde para 499 cm³). A estrutura era a mesma, mas a carroceria era completamente nova com três volumes e desenho assinado por Luigi Rapi, designer da Fiat. O parentesco dos dois carros fica evidente na dianteira e no quadro de instrumentos.
Apesar do visual esportivo, ele tinha apenas 15 cv em seu motor arrefecido a ar (depois, a potência passou a 17 cv). De qualquer forma, era um carro feito para quem queria passear com estilo e economia, e de forma alguma deveria ser o único carro de uma família, por exemplo.
O Autobianchi Bianchina ganhou algumas versões de carroceria ao longo dos anos em que foi fabricado. O três volumes se chamava Berlina, enquanto a versão com teto de tecido se chamava Transformabile. Havia, ainda, a perua de duas portas Panoramica; o Quattroposti, com um pequeno banco traseiro; o Furgoncino, “pequeno furgão” em italiano; e o auto-explicativo Cabriolet.
Mesmo sendo um carro de nicho, o Bianchina foi um sucesso e teve nada menos que 275.000 unidades vendidas na Europa entre 1957 e 1970, quando deixou de ser fabricado sem grandes alterações ao longo de sua vida. E assim, neste meio tempo, a Autobianchi teve tempo de lançar outros modelos.
Em 1963, no Salão de Turim, foi apresentado o Stellina, um roadster com carroceria de fibra de vidro projetada por Tom Tjaarda feito sobre a plataforma do Fiat 600D, e dotado do mesmo quatro-cilindros em linha de 767 cm³ acoplado a uma caixa manual de quatro marchas.
Este sim era um carro de nicho, com visual bem diferente do que se via nas ruas na época. O Stellina foi o primeiro carro italiano a usar fibra de vidro na carroceria e era um veículo experimental. Tanto que foi produzido apenas por dois anos (1964 e 1965). No entanto foi um passo importante para o desenvolvimento da tecnologia para fabricação de carrocerias de fibra da Itália.
Dito isso, sem dúvida o carro mostrado em Turim no ano seguinte ao Stellina foi ainda mais importante. O Autobianchi Primula tinha estrutura própria, e foi a primeira experiência do Grupo Fiat com um carro de motor e tração na dianteira, configuração popularizada pelo Mini lançado em 1959. No entanto, em vez de contar com o câmbio dentro do cárter, como era no Mini, o Primula tinha o câmbio montado em uma das extremidades do motor, a fim de tornar sua manutenção menos problemática.
A suspensão usava braços triangulares e feixes de molas semi-elípticas na dianteira, com amortecedores hidráulicos, enquanto a traseira utilizava um eixo rígido com feixe de molas. A direção era do tipo pinhão e cremalheira, e os freios eram a disco com circuito duplo, além de servofreio acionado a vácuo.
O carro foi projetado por Dante Giacosa, que na época era diretor técnico da Fiat, mas foi lançado sob a marca Autobianchi para testar a reação do público ao novo conceito. E foi muito bem recebido, tanto que depois dos sedãs de duas e quatro portas, vieram o hatch de duas e quatro portas, e um cupê de duas portas. Os motores eram de quatro cilindros, com 1,2 litros ou 1,4 litro de deslocamento, iguais aos utilizados no Fiat 124.
O Autobianchi Primula foi fabricado entre 1964 e 1970 e teve quase 75.000 unidades vendidas. No entanto, assim como o Bianchina, ele saiu do caminho para que a marca pudesse renovar sua linha na década que começava.
O Autobianchi A111 foi seu substituto direto, mas abandonava o design descolado do Primula por algo mais conservador, com três volumes e linhas que pareciam ter sido desenhadas usando uma régua. Não era culpa dos designers da Autobianchi, e sim de Giacosa, que decidiu usar um projeto já existente da Fiat, abandonado por questões de logística.
O A111 tinha, novamente, motor dianteiro tranversal e tração dianteira, e o mesmo quatro-cilindros de 1,4 litro e 75 cv usado no Primula. Mas era um carro maior e mais luxuoso, com madeira de verdade no painel e espaço suficiente para cinco adultos viajarem relativamente confortáveis. Suspensão e freios eram praticamente iguais aos do Primula.
O A111 era bem feito e bem acertado, mas custava caro, não sobreviveu por muito mais tempo: saiu de linha em 1972, com pouco mais de 50.000 unidades fabricadas.
Sucesso de verdade fez seu irmão menor, o Autobianchi A112.
Se você acha que reconhece seu o carro de algum lugar, é porque provavelmente já jogou com ele em Gran Turismo 4. Mas não é só isso: o Autobianchi A112 foi o precursor do Fiat 127, que por sua vez deu origem a nosso Fiat 147. Olha só o painel de instrumentos: é praticamente igual ao do “Fietinho”, não?
E não é só isso: toda a plataforma do carro foi aproveitada no Fiat 127, que foi lançado em 1971, dois anos depois do A112. Este, com um motor de quatro-cilindros que podia ter entre 903 cm³ e 1.050 cm³ (muito similar ao usado pelo Fiat 147, diga-se), trazia uma versão aperfeiçoada da receita empregada no Mini, com mais espaço para as pessoas e para a bagagem sem aumentar muito o tamanho da carroceria. Leve (apenas 670 kg na balança) e charmoso, o A112 conquistou o público de imediato.
Curiosamente, grande parte de seu sucesso nas vendas vinha do público feminino, que correspondia por 35% das vendas, e dos jovens de 18 a 24 anos, que ficavam com 1/3 dos exemplares vendidos na Itália.
A Autobianchi não demorou para entender que a molecada gostava de comprar o A112 para acelerar e, por isso, em 1975 passou a oferecer a versão Abarth, que tinha visual mais invocado, com detalhes em preto na carroceria, para-lamas alargados e rodas de liga leve e um motor 1050 de 70 cv. Não era o carro mais veloz que se podia comprar, mas era uma beleza nas curvas.
Ao longo de oito “séries”, que traziam modificações estéticas e em detalhes como freios, acerto de suspensão e acabamento, o Autobianchi A112 foi um sucesso absoluto, com mais de 1,25 milhão de exemplares produzidos até 1986.
O fim da Autobianchi foi abrupto e pura questão comercial. A Fiat adquiriu o controle da Lancia em 1969 e, quando chegou a hora de lançar o sucessor do A112, o Y10 – baseado no Fiat Panda –, decidiu fazê-lo sob a marca Lancia em quase toda a Europa, com exceção da Itália, onde a Autobianchi ainda era uma marca forte. E assim a marca resistiu até 1995, quando o Y10 saiu de linha, substituído pelo Lancia Y.
Por essa razão, há quem considere o Autobianchi A112 o último Autobianchi de verdade. E a Fiat brasileira deve muito a ele, considerando que o 147, primeiro carro vendido pela marca no Brasil, é seu descendente direto.