A quantidade de cilindros em um motor nunca foi mero acaso. No começo o motor tinha só um cilindro. Depois, para dobrar a capacidade do motor, ele dobrou o número de cilindros. Então os engenheiros descobriram que nem toda vantagem numérica trazia vantagem mecânica, que a disposição dos cilindros, sua posição em relação às manivelas e a distância entre eles modificava seu funcionamento de várias formas. Havia também a questão da durabilidade e suavidade de funcionamento. Foi assim que os padrões dos motores se estabeleceram: foi assim que os motores chegaram aos três, quatro, cinco, seis, oito e doze cilindros.
Os dez cilindros, contudo, demoraram mais tempo. Apesar de terem sido desenvolvidos conceitualmente ainda nos anos 1930, eles foram adotados apenas em uns poucos veículos pesados nos anos 1960 em versões diesel, e só chegaram aos automóveis no início dos anos 1990 e agora, menos de 35 anos depois do seu surgimento, ele já não existe mais. Todos os outros estão por aí, menos o V10.
Os motores de 10 cilindros nunca foram amplamente adotados como os motores V8 ou V12. Eles foram concebidos como uma solução intermediária, uma forma de combinar a potência dos V12 a um empacotamento mais compacto, pouca coisa maior que um V8. Mas isso em um tempo no qual não se pensava em turbos ou sistemas híbridos. Com os V8 mais modernos rendendo mais potência que os V10, enquanto entregam menor consumo e menos emissões, não há mais razão técnica para se manter um V10 em produção. Especialmente um V10 aspirado.

É claro que um esportivo não é feito apenas de razões técnicas. A Chrysler poderia ter usado um V8 ou um V6 turbo no Viper, mas decidiu criar um dos motores mais singulares de todos os tempos e, graças a ele, fez um dos esportivos mais marcantes da história. E foi graças a ele que a ideia de se usar um V10 deixou de soar ousada e se tornou aceitável. Curiosamente, esta história começa com a Lamborghini, talvez a marca mais associada aos motores V10, depois de produzir mais de 10.000 Gallardo e 20.000 Huracán.
Foi ela que, no fim da década de 1980, ajudou a Chrysler a desenvolver o motor V10 para o Viper. Na época a Chrysler era a proprietária da Lamborghini, e os italianos já haviam desenvolvido um protótipo com motor V10, o Lamborghini P140 de 1987, que fora planejado como um modelo de entrada, para ser posicionado abaixo do Countach (ou de seu sucessor).

Partindo da família de motores V8 Magnum, a Lamborghini ficou encarregada de desenvolver o bloco todo de alumínio, com dois cilindros a mais. A primeira versão do motor deslocava oito litros e entregava 405 cv a 4.600 rpm, com 63,9 kgfm de torque a 3.600 rpm. O bastante para que o primeiro Viper, lançado em 1992, chegasse aos 100 km/h em 4,5 segundos, com máxima de 290 km/h. Hoje em dia isso não impressiona tanto, mas na época beirava o inacreditável. Com o passar dos anos, o V10 Viper, como foi chamado, passou por algumas atualizações até chegar ao seu auge na década passada, com 8,4 litros e 654 cv.

Ao longo de toda a década de 1990, o Viper foi o único carro do mercado com esse motor — embora a Dodge e a Ford tivessem um V10 para sua linha de utilitários. Mas as coisas começaram a mudar na virada dos anos 1990 para os anos 2000, quando os motores V10 se tornaram o padrão da Fórmula 1 e o desenvolvimento destes motores resultou em alguns esportivos com motores V10 — quase sempre derivados dos próprios motores da F1.
Um deles é o motor 908/1 do Porsche Carrera GT. Seu desenvolvimento começou no final dos anos 1990, quando a FIA e o ACO mudaram as regras da categoria LMP1-98 para a temporada de 1999, o que tornava o 911 GT1 não qualificado para homologação. Assim, a Porsche começou a desenvolver um novo protótipo para 1999.

Originalmente o carro usaria um flat-6 turbo, mas acabou reprojetado para usar um novo V10, o que atrasou a conclusão do seu desenvolvimento para 2000. O motor V10 era um projeto feito originalmente para equipar os carros da Footwork na F1 em 1992 que acabou engavetado e trazido de volta para o projeto do protótipo de Le Mans (LMP). O deslocamento original de 3,5 litros foi modificado para 5,5 litros, o motor foi fabricado e instalado nas costas do novo protótipo de corridas.

O desenvolvimento de um carro é algo que exige milhões de dólares em investimentos, e este era um dinheiro que a Porsche não poderia simplesmente engavetar como mais um projeto frustrado. Assim, o povo da Estugarda, como dizem em Portugal, enfiou o V10 na traseira de um conceito e o levou ao Salão de Paris de 2000 sem grandes pretensões, apenas para atrair o público para seu estande. Ao menos como publicidade ele serviria. Não era um carro que a Porsche conseguiria desenvolver naqueles tempos de recuperação financeira, muito menos enquanto um inédito SUV estava sendo gestado e consumindo recursos técnicos e financeiros.
E vejam só como o destino às vezes conspira a favor: o Cayenne foi lançado, foi um sucesso estrondoso, encheu os cofres da Porsche e, com essa grana, foi possível desenvolver e produzir aquele conceito despretensioso de Paris.

E foi assim que em 2004 a Porsche começou a produzir o Carrera GT, com seu V10 ampliado para 5,7 litros, 40 válvulas, 611 cv a 8.000 rpm e 60 kgfm a 5.750 rpm. Conectado ao câmbio manual de seis marchas com embreagem de cerâmica, o Carrera GT era capaz de ir de zero a 100 km/h em 3,6 segundos, zero a 200 km/h em 9,25 segundos e seguia até os 334 km/h. Tudo isso sem controle de tração ou estabilidade.
Outro V10 derivado desta era da Fórmula 1 é o BMW S85. Em 2003, a BMW fornecia motores para a F1 e, desta empreitada, surgiu o BMW P83, um motor de 940 cv e 19.000 rpm usado nos bólidos de Frank Williams. Sim: 19.000 rpm.
A Williams não conseguiu nenhum título com os motores BMW, mas Ralf Schumacher, Juan Pablo Montoya, Mark Webber e Nick Heidfeld mostraram-se bastante competitivos. Para a BMW, foi o suficiente. Especialmente por que em 2005, seu último ano fornecendo motores para a Williams, a fabricante usou o know-how da F1 para colocar no novo M5 E60 um motor V10 completamente novo.

Era um monstro de cinco litros com comando duplo nos cabeçotes, sistema variável VANOS na admissão e no escape, taxa de compressão de 12:1 e linha vermelha do conta-giros a 8.250 rpm. O carro usava dois radiadores, cada um dedicado a uma das bancadas de cilindros, e o sistema de admissão usava corpos de borboleta individuais. O resultado eram 514 cv a 7.750 rpm e 53 mkgf de torque a 6.100 rpm — o que significa que ele é um dos raros motores aspirados com mais de 100 cv/litro.
A era V10 da Fórmula 1 ainda inspirou a criação do motor Toyota 1LR-GUE, também conhecido como “o V10 do Lexus LFA”. Ele não é derivado dos motores usados pela Toyota em sua incursão na Fórmula 1, mas ele foi concebido para estabelecer uma relação direta com os carros de F1 da Toyota.
O problema é que o desenvolvimento do Lexus LFA foi tão demorado que, quando o carro ficou pronto, a Toyota já havia deixado a F1 e a F1 já havia adotado os motores V8.

Mesmo assim, o 1LR-GUE chegou ao mercado nas 500 unidades do LFA feitas entre 2011 e 2013. Destas 500 unidades, 436 são versões regulares, com 560 cv a 8.500 rpm. As outras 60 são as Nürburgring Package, com 571 cv.
Além do Viper V10 e dos três super-V10 mencionados acima, a Volkswagen e a Ford também tiveram seus motores V10 nesses 30 anos. A Volkswagen teve dois, na verdade. O primeiro foi o motor V10 desenvolvido para o Lamborghini Gallardo e o Audi R8. Originalmente, o taurino italiano usava um motor V10 próprio, de 5 litros, desenvolvido pela Lamborghini. Mas em 2008, quando a Audi lançou seu R8 com um V10, ele passou a compartilhar um novo V10 desenvolvido para o Audi R8.
O outro V10 da Volkswagen, foi um V10 diesel TDI, desenvolvido para o Touareg e para o Phaeton. O motor ficou famoso pelas ações de mídia que envolviam o rebocamento de árvores gigantes e aviões, afinal, ele tinha nada menos que 313 cv e 76,4 kgfm a meros 2.000 rpm.
Já o motor da Ford tem uma origem mais parecida com o Viper V10. Batizado V10 Triton, ele é derivado da família V8 Modular, a mesma usada pelo Mustang entre 1991 e 2014. É um V10 com alma de muscle car, com comando simples nos cabeçotes e duas ou três válvulas por cilindro, dependendo do modelo. Ele surgiu em 1997 para equipar picapes, SUVs, furgões e caminhões, e deixou de ser fabricado em 2021.
A versão mais potente utilizada pela Ford até 2019 tinha 320 cv e 63,3 kgfm de torque, sendo utilizada nos caminhões F-650 e F-750 Super Duty. No entanto, há uma versão ainda mais potente, que foi utilizada em um ônibus escolar chamado Blue Bird Vision, também até 2021. O Blue Bird Vision é um daqueles tradicionais ônibus escolares amarelos que sempre vemos nos filmes. Produzido desde 2010, ele usava uma versão de 367 cv e 63,2 mkgf de torque.
Não pense, contudo, que o V10 não poderia ser modernizado para a era dos híbridos e downsizing. A única razão pela qual os V10 nunca se popularizaram e desapareceram é a modularidade do ferramental: motores de três cilindros dão origem a motores V6, tal como os quatro-em-linha dão origem aos V8 e os seis-em-linha dão origem aos V12. Já a modularidade dos V10 depende de um cinco-em-linha.
O último V10 produzido em série deixou a linha de produção em 2024 — era o V10 Lamborghini compartilhado com a Audi, usado inicialmente no Gallardo, depois no R8, no S8, no S6 e, finalmente, no Huracán. Como o R8 foi substituído por um GT quatro-portas elétrico e o Lamborghini Temerário adotou um V8 biturbo combinado a motores elétricos, o V10 saiu de linha para entrar na história, encerrando uma era de exatos 32 anos de esportivos com o sonoro ronco dos 10 cilindros.


