Aqui no Brasil, hoje, a marca japonesa Daihatsu é lembrada, entre os entusiastas, tão somente por uma série de reportagens do saudoso Tio Josias Silveira. Quando a gente conversava, uma coisa recorrente era a crença dele, idêntica a minha, que a gente tem que estar aberto a qualquer carro que caia no nosso colo. Não se precisa comprar TUDO que aparece, claro, mas se o preço está certo… por que não?
Lembro sempre disso quando alguém diz “teria!” sobre algum carro. O Tio Josias me ensinou que, se o preço for correto e se tem espaço e dinheiro para ele, “teria” todo carro do mundo. Carro usado não tem preço fixo, por mais que tabelas existam; variam muito por causa de estado e situação. O melhor carro é o que é barato, em toda sua proposta.
Sim, a gente gosta de carro e não de dinheiro. Mas se você seguir a filosofia do Tio, não perde muito dinheiro com eles; quiçá uma vez ou outra até ganhe algum com eles. Não, não estamos falando de ganhar a vida no comércio de veículos, que é outro caso, diferente, onde faz sentido se separar um pouco da vontade e paixão. Falamos de estarmos abertos a todo tipo de coisa legal, se o preço for correto.

No caso do Daihatsu, a matéria que ficou semi-famosa em nosso meio aconteceu justamente por um caso assim. Nela o Josias contou em 2013 nelas suas desventuras com um Daihatsu Charade sedan 1994, com motor 1,5 litro, que apareceu “num rolo, barato, por 8 mil reais”. O Tio tinha experiência com eles: já tinham passado pelas suas mãos um Charade hatch 1,3 e um Cuore 0,85 litro.
As matérias do Tio sobre ele transbordam da criatividade antes tão comum para quem tinha “caco véio” como ele mesmo dizia. Peças de Gol, Palio, Vectra, Uno, retífica e conversão para rodar a álcool, volante Momo (meio falseta, segundo o Josias) e muito mais. Segundo ele “uma ONU de componentes”.

A empresa japonesa é realmente obscura, pois por muito tempo era só japonesa. Todo mundo conhece a Daihatsu como sendo propriedade da Toyota, mas a marca era independente no início, e apesar da crescente participação do gigante Toyota, só virou uma subsidiária em 2016. A Toyota comprou 16% da empresa em 1967; aumentou a participação para 33,4% em 1996 e 51,2% em 1998. O que significa que o carro do Josias (e o Achado meio Perdido de hoje) eram carros e uma empresa independente.

A Daihatsu também quase veio para o Brasil; por meio, ora vejam só, da Puma. Depois de apresentar seu projeto do Mini-Puma de dois cilindros e dois lugares no salão de 1975, a empresa tinha abandonado a ideia de carros populares. Mas a crise da venda de esportivos nos anos 1980 fizeram a empresa tentar de novo algo desse gênero.

Em 1981 fez esforços para trazer os minicarros da Daihatsu para o Brasil. A ideia era trazer o Cuore, então um carrinho da categoria Kei no Japão, com tração dianteira e apenas 3,2 m de comprimento. O Cuore tinha dois cilindros, 547 cm3 e 31 cv, e suspensão independente nas quatro rodas. Alguns modelos foram importados para cá na época.
Pelo menos um carro foi reencarroçado em fibra de vidro, e teve o motor convertido para rodar com álcool (como o Josias, veja só). Mas como sabemos, infelizmente o projeto não foi adiante.

Todos os Daihatsu são carrinhos interessantes, avançados tecnologicamente e infalivelmente gostosos de guiar, se ouvirmos as avaliações da imprensa mundial. Josias, um cara de bom gosto, um sommelier de merde de estirpe, dizia que seu sedã de 90 cv originais (talvez mais de 100 cv com a sua preparação) girava gostoso a mais de 6000 rpm, cruzava tranquilo a 140 km/h fazendo 10 km/h litro de um coquetem de 70% álcool, 30% gasolina. A última vez que falei com ele sobre o carro, quando o entrevistei para esta augusta publicação em 2020, estava já há quase 10 anos com o carro, e tinha rodado mais de 50 mil km com ele sem problema algum. E tinha um Cuore em que rodara mais de 200 mil km também!

O motor do Charade do Josias é o mesmo do meu Daihatsu preferido; um que ele nunca teve, mas que sempre, volta e meia, me pego pensando nele. É o jipinho Feroza, tema do Achados meio Perdidos de hoje.
O Daihatsu Feroza

O primeiro jipe da Daihatsu era um concorrente do Suzuki Jimny; um carro na categoria Kei. É o Daihatsu F10 TAFT de 1974 o nome um acrônimo hilário de “‘Tough and Almighty Four-wheel Touring Vehicle”. O TAFT foi substituído em 1985 pelo jipinho Rocky/Rugger, antecessor direto do Feroza. O feroza, na verdade é um derivado dele, que apareceu em 1989 e iria até 2002. O nome interno da Daihatsu para este novo jipe que conhecemos como Feroza é F300; seus nomes comerciais são vários.

No Japão e em alguns países americanos, era o Daihatsu Rocky. Na Europa, na Austrália, e no Brasil, o F300 é conhecido como Daihatsu Feroza. O carro também foi comercializado como Daihatsu Sportrak no Reino Unido.

Uma das características mais interessantes do Feroza é sua carroceria; ao contrário do Jimny, que tinha teto rígido ou teto de lona, o Feroza tinha uma carroceria que era na verdade é um misto dos dois tipos. É uma carroceria fechada, mas a parte traseira do teto é removível, e há um teto solar removível acima dos ocupantes da primeira fileira também. Assim, é o melhor dos dois mundos, num carro só.

O único problema é que para se tornar um carro aberto, deve-se deixar o teto em casa; não há como carregá-lo no veículo a não ser montado. Desta forma, vira a maior parte do tempo um carro fechado mesmo, raramente visto sem teto. Mas vamos lá: poder tirar o teto é uma coisa sensacional. Ainda existe hoje em carros como o Jeep Wrangler e o Ford Bronco; gente paga muito dinheiro para ter carros assim.
Esse tipo de teto ficou famoso nos International Harverster Scout; depois nos Bronco originais; a primeira Blazer K5 americana era uma sensacional perua conversível com ele, assim como era a primeira geração da Toyota SW4. É um tipo de coisa que é sensacional, ainda que só para quem goste de coisas diferentes como são esses carros.
No Feroza, para quem quer levar o teto consigo quando o abre, existia uma versão com teto de lona opcional no Japão; aqui acreditamos que só a de teto rígido veio.

O Feroza tem chassi separado, e tração integral part-time com reduzida, um jipe de verdade. Na traseira há o tradicional eixo rígido suspenso por feixes de mola semi-elípticas, mas na dianteira, a suspensão é independente por duplo-A sobreposto, com barras de torção como molas. Opcional havia também amortecedores reguláveis, via botão no painel: “hard” para off-road, “soft” para a cidade, e normal para a estrada, dizia a Daihatsu.


É um jipe pequeno: mede apenas 3685 mm de comprimento, num entre-eixos de 2175 mm e apenas 1580 mm de largura. Pesa 1130 kg, o que para um carro desse tipo, é bem leve. É basicamente para duas pessoas, embora possa levar duas pessoas apertadas no banco de trás, ou uma tranquilamente. Os bancos traseiros rebatem para fazer um carro de carga, e há um santantônio para proteger os ocupantes traseiros de capotamento, mesmo com o teto deixado em casa.

O motor é o Daihatsu da família H: um motor quatro em linha arrefecido à líquido, com um comando no cabeçote apenas, mas operando quatro válvulas por cilindro opostas duas a duas em uma câmara triangular pentroof, como num DOHC. Todo em alumínio, são motores compactos e extremamente leves, e são onipresentes nos Daihatsu de 1987 até 2009.

No Feroza em 1994, com injeção eletrônica e taxa de 9,5:1, o motor media 76 x 87,6 mm para um total de 1580 cm³; fornecia assim 95 cv a 5700 rpm, e 13,1 mkgf a 4800 rpm. A transmissão tinha cinco velocidades (dez, se considerarmos a reduzida de relação 1.754:1) e tração 4×4 selecionável. Há roda livre automática na frente. A direção era por esferas recirculantes, hidráulica, e os freios a disco na frente e tambor atrás, sem ABS. Os pneus originais, 195 R15.

O carro é bem manobrável; além da direção hidráulica, o diâmetro de giro era de apenas 5 metros. Além disso, extremamente capaz no fora de estrada: o ângulo de ataque é de 44° e o de saída, 31°, e o vão livre é de 205 mm. O tanque tem capacidade de 60 litros, o que dá ao carro excelente autonomia.

Uma curiosidade: a Bertone fabricava e vendia uma variação do Feroza chamada Bertone Freeclimber, com diferenças pequenas de estilo e equipamento, e equipada com o motor BMW M40 de 1,6 litro, e 100 cv. A versão existia para driblar quotas e impostos de importação de carros japoneses, e por isso, fez algum na França e na Itália em particular.
Um Feroza a venda

Achar um carro desses em estado ainda original é muito difícil. Já não existem muitos, para começar, e a maioria teve uma vida dura, seja ele no fora de estrada, ou nas cidades e estradas Brasil afora. Quase ninguém lembra dele hoje em dia; por isso mesmo, não é um carro caro, embora já esteja entrando na faixa de colecionáveis, e muitos, como este aqui, já tenham completado 30 anos e possam receber placa de coleção por isso.


O carro, encontrado a venda na OLX parece num estado incomum para hoje em dia; certamente não está perfeito, mas a conservação é muito boa, e o preço, parece justo: R$ 35.000.

Trata-se de um modelo SX 1994, que o vendedor diz estar com 117 mil km rodados apenas. O carro é do dono atual há dois anos, e ele informa que todos os vidros, faróis, lanternas e indicadores são originais do carro. Diz também que é totalmente revisado e tem histórico de manutenção.

E veja só: o sistema de amortecedor regulável por botão giratório no painel ainda funciona, segundo o vendedor. Ele também diz que as borrachas e vedações do teto traseiro e do teto solar estão íntegros. Vem com mais equipamentos originais: vidro elétrico, retrovisor elétrico, trava elétrica, e um som com conexão bluetooth. As rodas parecem originais, mas os pneus, ainda em bom estado, são maiores: Cooper All-Terrain 215/75 R15.

Pelas fotos, o interior, que ainda está no tecido original, parece em ótimo estado, tendo sobrevivido bravamente por 30 anos sem ter rasgado, e inevitavelmente sendo aí trocado por couro qualquer genérico preto, como é tão comum. Só esse fato faz a gente querer pelo menos dar uma olhada de perto no carro: isso é raro, e muito desejável.

No todo, parece uma forma relativamente barata (o que custa 30 mil hoje?) de se ter algo raro, diferente, e extremamente divertido com o teto conversível. E se der algo errado, bem; o espírito e o legado do Tio Josias nos ajudará a resolver, de uma forma ou de outra. Lá de um lugar melhor, ele vai sorrir, e se puder, nos ajudar. Como fazia aqui embaixo. Saudades, meu amigo!
Acesse o anúncio clicando aqui!
O Achados meio Perdidos é matéria aberta, oferecida pelo patrocínio dos assinantes do FlatOut. Ainda não é assinante? Considere ser: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicos, histórias de carros e pilotos, avaliações e muito mais! E se escolher o plano Flatouter, acesso a eventos exclusivos, nosso grupo secreto no Facebook, e incríveis descontos de parceiros. Vale muito a pena!