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Achados Meio Perdidos

Achados meio Perdidos: o Ford Phaeton 1933 do CARDE

Em 1933 e 1934, no auge da mais famosa onda de crime americana, bem no meio da Grande Depressão, pela primeira vez na história os bandidos lançaram mão da mais nova inovação tecnológica para burlar a lei. John Dillinger, Pretty Boy Foyd, Bonnie & Clyde, Baby face Nelson, todos esses famosos fora da lei tinham uma coisa em comum além de suas Thompson com carregador circular.

Bonnie and Clyde. E um Ford V8 1932

Todos eles roubavam bancos e fugiam de automóveis. Usando a confiabilidade e velocidade dos novos automóveis dos anos 1930, fugiam em alta velocidade e passavam as fronteiras de estados, fazendo os policiais locais pararem de persegui-los. Por causa deles, uma polícia federal foi necessária. Sim: é assim que nasce o FBI.

A gangue Dilinger, por exemplo, assaltava um banco em Indiana ou Wisconsin e depois fazia uma viagem de carro para Daytona Beach ou Tucson, a mais de 2000 km do crime! Baby Face Nelson gostava de visitar seus velhos amigos em São Francisco, enquanto Bonnie Parker e Cyde Barrow praticamente moravam no carro que haviam roubado recentemente.

Ford 1932: o primeiro V8

Se sentiam livres exatamente pela liberdade proporcionada pelo automóvel; a 3000 km de seu último crime, naquela época sem telefones móveis, quem poderia saber que eram criminosos? “Eles vagavam tanto, e tão longe, que era impossível dizer se estavam dirigindo para cometer crimes ou se estavam cometendo crimes para poder dirigir por aí e pagar a gasolina.” – disse Peter Egan.

Ford 1933

Deixando o compasso moral quebrado deles por um instante, para a gente é interessante pensar nos carros que escolhiam para essas aventuras. Pensem bem: como eram roubados, dinheiro não era realmente um problema para a “compra”. O carro tinha que ser rápido, de preferência mais rápido que a lei, sim, mas também totalmente confiável. Quebrar no meio de uma perseguição, algo realmente chato. Tinham que ter espaço para quatro ou cinco integrantes da gangue, confortáveis para longas viagens, e ter soleiras externas para que pudessem atirar para fora com apoio.

O preferido de quem podia escolher: Fordor V8, 1933-34

O que escolhiam? Invariavelmente, o carro de fuga preferido, na maioria das vezes, parecia ser um Ford Fordor sedã 1933 ou 1934 com um motor V-8 Flathead sob o capô. O 1934, com 10 cv extras, era o preferido. Afinal de contas, era tão veloz quanto qualquer Packard três vezes mais caro, mas era também onipresente pelo país afora, fácil de ser roubado e invisível depois disso feito. Era também fruto de produção com tolerâncias apertadas para a época, e a alto volume; a qualidade e confiabilidade era superior a todo o resto. Ainda por cima, era também um carro de bom comportamento em velocidade, bons freios, e até relativamente econômico na gasolina gasta.

Ah, o Ford V8. Em 1933 e 1934 ainda era uma novidade, tendo sido lançado em 1932. Seria o último carro projetado por Henry Ford himself, fechando finalmente um legado de um tamanho inigualável no mundo do automóvel. Um legado que começara em 1908 e o modelo T. Já ali o T não era apenas barato, mas sim um automóvel de qualidade superior, tão bom quanto qualquer coisa vendida em 1908. Henry Ford, sempre um maluco cabeça-dura, achava que ninguém poderia querer mais carro que o T.

o sedã Tudor

Por muito tempo foi verdade; o T vendeu 15 milhões de cópias e colocou a América e boa parte do mundo sobre rodas. Ford mudou o mundo. De verdade, e para melhor. Fez o automóvel acessível, usável, útil e indispensável a qualquer família. Obrigou a abertura de estradas e ruas para ele, tornou lugares distantes fáceis de se conhecer. Criou uma classe média forte no Michigan, motor indispensável da economia americana. Do Brasil à Austrália, seus modelo T eram onipresentes.

Tornou Henry o homem mais rico do mundo, também, o que imediatamente reforçou todas suas maluquices: ninguém precisava de mais carro que um T. Mas em 1927, era uma relíquia, e seu filho Edsel Ford, exasperado, implorava ao pai que o substituísse.

Edsel tentava convencer o pai que o mundo estava mudando, e ele precisava de um novo carro. E um com desenho de carroceria melhor, como os da GM, que ganhava terreno a passos largos. Mas o velho Henry não queria nem saber, o modelo T era eterno. Certa vez descobriu um protótipo, feito escondido por Edsel e seus companheiros. Pegou uma marreta, subiu no teto dele, e começou a bater; só parou quando todo o carro estava todo bem achatadinho no chão.

Foi somente quando o modelo T basicamente parou de vender em 1926, que resolveu agir. O Modelo A de 1928, com desenho de Edsel e engenharia de Henry, foi um dos maiores sucessos da história da companhia, e talvez a única obra conjunta de verdade dos dois. O modelo A era outra obra prima: para sua época, um carro de desempenho e comportamento incríveis, e com a mesma confiabilidade e qualidade dos T.

Henry dizia que não via utilidade em um carro com mais cilindros do que uma vaca tem tetas. A lógica da afirmação nos escapa, mas de qualquer forma, embora a Chevrolet concorresse com ele usando motores seis cilindros em linha OHV, ao invés dos quatro em linha de válvulas laterais do A, ele não queria mudar. De novo. Ande com um Chevrolet e um Ford 1928: o Ford parece mais rápido, com certeza.

Mas marketing é marketing, e seis parece melhor que quatro. Ford relutantemente entende esta lógica distorcida, e resolve finalmente agir. O resultado é o Ford V8 de 1932, sua última grande criação.

Ford inadvertidamente se torna a marca de alta performance americana. Antes, os 20 cv do T eram suficientes, pois havia nada antes. Quando finalmente o substitui em 1928, o modelo A tinha o dobro da potência do T, 40 cv. O V8 dobrava de novo a potência: estava em torno de 80 cv. De 1924 a 1934, potência dobrada duas vezes. Seria como um carro barato de 80 cv hoje, acabar com 320 cv em 2035. Então você começa a entender o que era um Ford V8 em 1933/1934.

O V8 de Ford revoluciona a indústria americana. Era primeiro, fisicamente muito mais leve, menor e mais baixo que os populares oito em linha dos carros de luxo; permitia um carro mais leve e econômico, com mesmo desempenho e espaço de um Packard. Era também, como tudo nos Ford, criado para ser fácil de produzir a baixo preço.

É na verdade o início do V8 americano. Depois dele, em 1949 a Cadillac e a Oldsmobile criam compactos V8 com válvulas no cabeçote mas ainda um só comando no vale do V como o Ford, e até hoje ainda temos motores assim. Ford mostrou que um motor grande por dentro mas pequeno por fora como o seu V8 era o caminho para quem não tem legislação de cilindrada máxima. Genial.

O V8 usava três mancais principais para sustentar o virabrequim, em vez dos cinco habituais usados ​​na maioria dos V-8 hoje. As válvulas de cada bancada eram montadas dentro da área triangular formada pelo “V” de cilindros, como hoje estão os pushrods dos OHV. O coletor de admissão alimentava ambos os lados do V, mas os dutos de escape tinham que passar entre os cilindros para alcançar os coletores de escape externos, já que as válvulas estão daquele lado, lado a lado. Tal arranjo transferia o calor do escapamento para o bloco, impondo uma grande carga de resfriamento; exigia muito mais capacidade de líquido de arrefecimento e radiador. Ficou conhecido como V8 Flathead, cabeça-chata, pelo formato do cabeçote, uma simples tampa plana, já que as válvulas estavam no bloco.

O V8 Flathead original tinha 3,6 litros, a partir de 77,79 x 95,25 mm. Em 1932, com carburador simples e taxa de compressão de 5,5:1 produzia 65 cv. O V8 de 1933 aumentou a compressão para 6,33:1 e a potência para 75 cv. Em 1934, um carburador de corpo duplo acrescentava 10 cv para um total de 85 cv. O torque do Ford 1934 era de 20 mkgf.

O V8 teve uma versão de menor tamanho, o V8-60, que conhecemos aqui nos Simca com 2,5 litros; também ganhou uma versão de 12 cilindros nos Lincoln a partir de 1934. O motor foi usado com pequenas mudanças incrementais até 1953, num total de 21 anos de produção, algo que rivalizou o motor do T original em longevidade: o T durou 19 anos. Henry Ford podia ser muitas coisas erradas, mas era também um gênio incontestável.

O Station-Wagon

Em fevereiro de 1933, as revisões do Ford 1933 (modelo 40) foram substanciais, começando pelo novo estilo e nova grade com a parte inferior proeminente, que era muito bonita, apesar de inspirada em Packards (e no Ford model Y inglês). A distância entre eixos foi aumentada em 153 mm para 2845 mm.

Os carros ganharam um novo painel com instrumentos dispostos em um encaixe oval à frente do motorista. Havia um porta-luvas no lado do passageiro. Os modelos Deluxe fechados receberam acabamento em madeira no painel e nas molduras das janelas, e os bancos tinham novos bancos mais confortáveis.

Phaeton: conversível de 5 lugares

Havia 10 estilos de carroceria (14 se os níveis de acabamento Standard e Deluxe forem contados separadamente). Os cupês conversíveis e o Victoria vinham apenas na versão Deluxe, e o carro mais caro da linha, o “woody”, apenas na versão Standard. Os carros ganharam cerca de 3% de peso, mas eram 15% mais potentes aos 75 cv.

O Ford de 1934 (Modelo 40B) não representou uma mudança tão substancial quanto os dois anos anteriores. Mudanças perceptíveis incluíram uma grade mais plana com contorno mais largo e menos barras, venezianas retas no capô, duas maçanetas em cada lado do capô, faróis e lanternas menores e um logotipo reformulado.

Coupé 1933

A maior novidade era a maior potência do V8, agora 85 cv; havia quatorze opções de carroceria, sendo o Tudor o mais vendido. Pesam coisa de 1100 kg, tem chassi separado, freios ainda mecânicos por varão nas quatro rodas, à tambor, dois eixos rígidos, três marchas sem sincronizador, direção sem assistência desmultiplicada. Os comandos básicos são como os de hoje, e o carro é fácil de guiar, e anda bem com a força do V8. É uma delícia de tocar.

Claro que é lento para os padrões modernos, mas é um que pode facilmente acompanhar o tráfego moderno até nas estradas, algo que não se pode dizer de um modelo T. Fazia o 0-100 km/h ao redor de 18 segundos, e chegava a 130 km/h; parece pouco hoje, mas permitia fugas épicas, e 1000 km num dia de direção. E o mundo nunca mais foi o mesmo.

 

O Ford 1933 Phaeton do CARDE

Kevin Costener e o Ford 1934 em “The Highwayman”

Contei isso tudo isso hoje por ser um grande fã do Ford 1933/1934, especialmente o sedã Fordor 1934 como preferido pelos meliantes da época. É um carro cujo espirito de aventura e capacidade de velocidade no mundo real sempre estiveram comigo. Assista o filme “The Highwayman” com Kevin Costner fazendo o papel do Texas Ranger Frank Hamer perseguindo Bonnie & Clyde, ou leia as aventuras de Peter Egan com o seu sedan 1934 nas páginas da Road & Track americana. Um carro de quase 100 anos, mas que ainda poderia ser usado hoje normalmente.

Aqui no Brasil os Ford V8 são bem mais raros que os modelo A, que existem aqui em quantidade. Mas eles existem, claro, também. E um deles vai ser leiloado pelo museu CARDE em Campos do Jordão.

A instituição está realizando sua Winter Sale, um misto de exposição, leilão e venda direta de veículos antigos, obras de arte e memorabilia. O evento teve início no dia 19 de junho com a exibição dos modelos clássicos e a possibilidade de lances online, e terminará com um pregão presencial no dia 12 de julho, nas dependências do próprio museu. A ação tem caráter beneficente, com parte da arrecadação destinada à Fundação Lia Maria Aguiar, que atua em projetos sociais e de saúde na região.

Lote 30: Ford V8 1933, Phaeton

O lote mais interessante me pareceu justamente um raro Ford V8 1933. Não é 1934, nem sedã Fordor, mas compensa usando uma rara carroceria Phaeton. Esta carroceria conversível de cinco lugares era a mais popular na época do modelo A, mas nos anos 1930, perdeu lugar para os mais baratos sedãs todos de aço estampado soldado, mais baratos de produzir e que protegiam os ocupantes do mundo lá fora.

Os Phaeton são uma delícia de andar aqui no quente Brasil; há ventinho gostoso e o teto faz a sombra necessária para não se tostar ao sol. O para brisa basculante é fonte de ventilação extra. E de noite, pode-se baixar o teto para um passeio delicioso debaixo das estrelas na cidade.

Mas eu faria diferente: o usaria para viagens longas de verdade, talvez para visitar a Autoclássica na Argentina, ou alcançar o oceano Pacífico no Chile. Se John Dillinger conseguia coisas assim fugindo da polícia, como não conseguiria hoje, sem pressa? Apontaria o galgo em cima do capô para o horizonte, e nunca mais parava. E sem medo de que uma rajada de balas parasse com a brincadeira. Sim, não vou passar pelo Rio de Janeiro…

Peter Egan e seu Ford V8, 2012, Road and Track

O carro está com lance mínimo de R$ 78 mil, e se quiser comprar antes do leilão, agora, terá que desembolsar R$ 260.000. O CARDE estima que no leilão chegue até a R$ 300 mil. Se você tem os meios, altamente recomendado.

 


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