FlatOut!
Image default
Automobilismo

Achille Varzi – a história do primeiro vencedor da Fórmula 1

Achille Varzi era o oposto de Tazio Nuvolari. Enquanto Tazio era um piloto movido pelo talento instintivo, Varzi, por outro lado, era um estrategista frio e calculista, um adversário impiedoso que explorava cada fraqueza dos rivais e, claro, absurdamente rápido. Fora das pistas, sabia ser charmoso, tinha um humor sarcástico afiado e apreciava os prazeres refinados da vida.

Seu estilo de pilotagem preciso e cirúrgico lhe rendeu vitórias em 16 Grandes Prêmios, duas Targa Florio, uma Mille Miglia e três campeonatos italianos de automobilismo, competindo por equipes lendárias como Scuderia Ferrari, Bugatti, Maserati, Alfa Romeo e Auto Union. Ao lado de Rosemeyer, Caracciola e, claro, Nuvolari, Achille Varzi foi uma das primeiras lendas dos Grand Prix.

O primeiro herói da Fórmula 1 – antes mesmo da Fórmula 1

Filho de um industrial do setor têxtil, Varzi nasceu em 1904, na cidade de Galliate, próxima a Milão. Começou a brilhar nas motos ao lado de seu irmão Angelo, correndo com as melhores máquinas da época, como Garelli e Sunbeam. Nos anos 1920, seu nome passou a dividir os holofotes com Nuvolari, mas os dois se encontravam pouco nas pistas. Em 1928, finalmente juntaram forças, formando a Scuderia Nuvolari & Varzi e comprando Bugattis Tipo 35 para competir nas corridas de Grand Prix. A decisão de se unir veio da percepção de que, juntos, poderiam desafiar as equipes mais fortes e maximizar suas chances de vitória.

A parceria não durou muito. Varzi migrou para a Maserati e, em 1930, se tornou Campeão Italiano. Naquele mesmo ano, ele protagonizou uma das maiores corridas da história: a Targa Florio. Pilotando um Alfa Romeo P2 de dois litros, Varzi largou 12 minutos atrás de Louis Chiron, mas rapidamente começou a descontar o tempo. Os dois entraram em um duelo feroz, com Chiron sendo prejudicado por rodas danificadas e um mecânico doente..

Enquanto isso, Varzi viu sua roda sobressalente se soltar e abrir um buraco no tanque de combustível. Para completar a história, na última volta, ao reabastecer, um pouco de gasolina caiu no escapamento quente, incendiando o carro. Seu mecânico abafou as chamas com a almofada do banco, enquanto Varzi se contorcia no cockpit. Ainda assim, ele venceu, dando fim à hegemonia da Bugatti e levando a Itália ao delírio.

Em 1931, ele foi para a Bugatti e faturou o GP da França ao lado de Chiron. Depois de um ano apagado em 1932, voltou ao topo em 1933, vencendo o GP de Mônaco em uma batalha lendária contra Nuvolari. Durante 97 das 100 voltas, os dois trocaram ultrapassagens. Na última volta, Varzi arriscou tudo, segurou a terceira marcha até o limite, forçou a ultrapassagem e viu o motor de Nuvolari explodir. O rival tentou empurrar o carro até a linha de chegada, mas foi desclassificado.

Varzi voltou à Alfa Romeo em 1934 e venceu nove corridas, incluindo a Mille Miglia, garantindo o bicampeonato italiano. Naquele ano, ele brilhou nos Grandes Prêmios de Trípoli, Alessandria, Nápoles e Penya Rhin, consolidando sua reputação como um dos pilotos mais completos da época. Mas com a chegada da temida Mercedes-Benz e sua rival Auto Union em 1935, a Alfa Romeo perdeu terreno. Nuvolari assinou com a Scuderia Ferrari e, para não ficar para trás, Varzi migrou para a Auto Union, onde conquistou vitórias expressivas nos GPs de Túnis e Pescara, mostrando sua rápida adaptação aos revolucionários monopostos alemães de motor traseiro.

Rápido e meticuloso, se adaptou rapidamente aos potentes e instáveis monopostos de motor central-traseiro, mas em 1936 começou a perder o controle da própria vida. Envolveu-se em um escândalo amoroso com Ilse Pietsch, esposa do piloto Paul Pietsch, e mergulhou em um vício destrutivo em morfina. Embora não haja provas de que Ilse tenha fornecido a droga, especula-se que seu envolvimento com ela tenha sido o gatilho para sua dependência. A morfina era comumente prescrita na época, e Varzi rapidamente se entregou ao vício, o que levou sua carreira a um colapso.

Seu rendimento despencou e, em meio a uma série de atuações inconsistentes, sofreu um grave acidente durante o GP de Trípoli em 1936, quando perdeu o controle de seu Auto Union a mais de 250 km/h e saiu da pista. O impacto não foi fatal, mas o afastou das competições. Em 1937, foi demitido da Auto Union e tentou um retorno esporádico, mas já não era o mesmo piloto e logo desapareceu do cenário internacional até o pós-guerra.

Com a ajuda de sua nova esposa, Norma Colombo, Varzi conseguiu se livrar da dependência química em 1941, mas só retornou às pistas após a Segunda Guerra Mundial. Em 1946, renasceu das cinzas e voltou ao volante de um Alfa Romeo 158, vencendo o GP de Turim, considerado a primeira corrida sob as novas regras da Fórmula 1. Embora o campeonato formal só fosse criado em 1950, a corrida seguiu os regulamento que seria usado naquele primeiro campeonato.

A primeira corrida da Fórmula 1

Durante suas viagens pelos Grand Prix da época,  Varzi conheceu Juan Manuel Fangio em 1948, após uma corrida em Buenos Aires. O jovem argentino terminou a prova em quarto, enquanto Varzi ficou em segundo. Impressionado, o italiano ofereceu conselhos ao futuro pentacampeão. O vínculo cresceu, e quando Fangio foi correr na Europa, Varzi o surpreendeu revelar que pensava em se aposentar e abrir uma escola de pilotagem na Argentina. Varzi, contudo, nunca conseguiria concretizar este plano.

Era 1º de julho de 1948, durante um treino para o GP da Suíça, no veloz e traiçoeiro circuito de Bremgarten. O asfalto ainda estava úmido quando Varzi perdeu o controle de sua Alfa Romeo 158 a mais de 170 km/h na curva Jordenrampe. O carro rodou várias vezes, quase parou, mas então capotou, esmagando o piloto. Varzi usava apenas um capacete de linho, sem nenhuma proteção real. Foi seu primeiro grande erro em uma carreira marcada pela precisão, e também o último. Sua morte foi um choque tão grande que levou a FIA a tornar obrigatório o uso de capacetes nos Grandes Prêmios.

O funeral de Varzi reuniu 15 mil pessoas. Seu caixão repousou sobre o chassi de um carro de corrida durante três dias na igreja de Galliate. No discurso de despedida, um trecho ecoou com força: “Talvez você estivesse destinado a morrer, Achille, porque seu talento era próximo demais da genialidade, e a natureza busca destruir aqueles que chegam perto demais de seus mistérios. Agora você está se preparando para outra corrida, a última grande corrida. Uma corrida sem perigo, sem preocupação, sem tristeza…”

Ao longo de sua carreira, Achille Varzi disputou 28 Grandes Prêmios, vencendo 15 deles, chegando outras seis vezes ao pódio.