O Toyota AE 86 foi por muito tempo um dos melhores representantes daquela filosofia minimalista, que prega que não importa quanta potência você tem, e sim como você usa a potência que tem. Ele tinha só 125 cv, mas não pesava mais de 970 kg e essa potência era direcionada às rodas traseiras. O resultado não poderia ser outro: ele se tornou cultuado nos EUA, Japão e Inglaterra graças ao nível de diversão ao volante proporcionado por essas características.
A história poderia acabar por ali, mas no fim dos anos 1980 ele protagonizou o vídeo Pluspy sob o comando de Keiichi Tsuchiya, o rei do drifting e se transformou em uma espécie de herói mecânico dos drifters. O empurrão final para o status de ícone mundial foi o anime/mangá Initial D, e sua inclusão nos maiores games de corridas dos últimos 20 anos.
Por isso é perfeitamente compreensível que, na hora de desenvolver um novo esportivo para resgatar a veia gearhead da marca, a Toyota foi buscar inspiração diretamente no AE 86. Mesmo com uma lista respeitável de esportivos, que incluem o clássico 2000GT, o Celica e o Supra, a Toyota foi buscar inspiração exatamente em seu esportivo mais simples e puro.
É fácil para a Toyota dizer que o GT 86 foi inspirado pelo AE86 e simplesmente fazê-lo totalmente diferente e sem a mesma pegada purista. Mas os dois têm em comum muito mais do que um simples número. A conexão entre esses modelos separados por quase 30 anos vai além do marketing da empresa.
Ao olhar um ao lado do outro, você não encontraria a relação entre eles sem ver os emblemas da Toyota. Um tem as linhas retas dos anos 1980, ou outro abusa das curvas e vincos dos anos 2010.
Por dentro a história não muda muito: painel plástico com linhas retas e alguns botões, com o rádio toca-fitas escondido pela coifa do câmbio e um ar de sedã da época no AE86. No GT 86, um cockpit envolvente, com o túnel central alto e a alavanca de câmbio espetada no topo, materiais variados, como couro e aço, e bancos com suportes altos.
Mas se você procurar por esse lado, não encontrará nunca as semelhanças entre eles. É preciso dirigi-los, e por isso a própria Toyota levou os exemplares de sua frota ao País de Gales para descobrir como seus dois esportivos acessíveis se comparam depois de três décadas.
O AE86 rodou só 40.000 milhas desde que saiu da fábrica e pertenceu ao editor do blog da marca, Joe Clifford, antes de ser vendido à filial britânica da Toyota. Além da tração traseira e do baixo peso, o AE86 cativa seus motoristas devido à ausência de intermediários entre o homem e a máquina. Não há direção hidráulica, o acelerador é por cabo, embora a injeção seja eletrônica, e apenas o freio tem assistência hidráulica.
O visual é conservador, mas basta dar a partida para ouvir o 1.6 berrar, pedindo para ser girado além de 5.000 rpm. A posição de pilotagem é baixa, o que reforça a sensação de controle e velocidade, e as colunas finas — embora sejam “perigosas” demais para nosso mundo profilático, providencia visibilidade excelente do mundo exterior.
A traseira, contrariando o imaginário popular, é firme a menos que você a faça desgarrar para andar de lado como Tsuchiya fez nos anos 1980. Uma experiência pura de pilotagem como poucos carros hoje proporcionam.
E a inspiração parece ter funcionado para o GT 86. O carro foi aclamado por 99% da imprensa mundial exatamente por trazer de volta essa experiência analógica e direta que estava quase perdida. Direção precisa e rápida, câmbio curto, traseira divertida.
Ele não é leve como seu antecessor — o aumento de peso é um efeito colateral do aumento da resistência a impactos desses carros — mas também não pode ser considerado um carro pesado com seus 1.240 kg. Também por isso os 200 cv do boxer 2.0 de quatro cilindros de origem Subaru são mais que suficientes para dar aquele desempenho esportivo na medida.
Ali eles provam que são verdadeiros parentes — e nem são muito distantes. Apesar dos 75 cv de diferença entre o 1.6 16v DOHC do AE86 e o flat-4 2.0 do GT 86, o modelo novo é apenas 0,6 segundo mais rápido para ir de zero a 100 km/h (são 8,3 s para o antigo, 7,7 s para o novo).
Mas assim como o Lotus Elise, tempos de aceleração e velocidade máxima não significam nada para o GT 86. Seu brilhantismo está na dinâmica. Com um boxer instalado em posição mais baixa no cofre (que resulta em um centro de gravidade mais baixo) e a suspensão com acerto puramente esportivo, o Toyota tem respostas diretas e imediatas aos comandos do motorista.
Isso o torna ágil e equilibrado, e especialmente parecido com seu antecessor. Até por que ele abriu mão das assistências eletrônicas modernas e usa apenas um diferencial de deslizamento limitado para controlar melhor a tração.
Como notaram os caras da Auto Express, “as semelhanças entre os dois carros são impressionantes, a ponto de parecer que os engenheiros da Toyota tinham um AE86 à disposição ao longo do desenvolvimento do GT 86 para recriar todas as características que fizeram dele um carro tão divertido”.