Quando se fala de recordes automotivos é comum haver uma separação entre modelos produzidos em série e modelos não produzidos em série — os chamados “fora-de-série”. A razão é simples: impedir que um carro de exemplar único feito sob encomenda, por exemplo, seja comparado em igualdade a modelos produzidos em massa.
Contudo, as definições de modelo “de série” e “fora-de-série” não são muito claras. Primeiro porque há mais de uma definição. Depois, porque somente uma delas tem caráter oficial — todas as outras são baseadas em fatores subjetivos, e podem variar de acordo com o país.
Para a Federação Internacional do Automóvel (FIA), a definição de modelo produzido em série foi estabelecida em 1968 para fins de homologação dos modelos. Segundo a entidade máxima do automobilismo mundial, para ser considerado um modelo produzido em série, o carro precisa “ter ao menos 25 exemplares idênticos produzidos em um período de 12 meses, e deve ser feito para venda regular para compradores privados”.
Nos EUA e no Reino Unido a definição é um pouco diferente. Todo fabricante de veículos é considerado um “vehicle manufacturer” ou “automaker“. Os carros produzidos em série são chamados de “mass-produced vehicles“. São veículos idênticos e produzidos em grande escala.
Já os fora-de-série são chamados apenas de “limited production cars” ou “low volume vehicles“. Via de regra eles são produzidos artesanalmente, um a um, e usam motores fornecidos por outros fabricantes, porém chassi e carroceria próprios.
O Pagani Zonda é considerado um fora-de-série
Há ainda os chamados “kit cars”, que são veículos baseados em chassis de outros carros ou réplicas — sempre produzidos de forma artesanal. Nos EUA eles eram geralmente vendidos sem motor como forma de driblar as exigências legais de equipamentos de segurança, consumo e emissões — cujas homologações e testes têm custos proibitivos para estas pequenas fabricantes, o que inviabilizaria a própria existência desse tipo de veículo.
Faróis de Focus em um supercarro? Nos fora-de-série isso é muito comum
Contudo, em 2015 os EUA aprovaram o Low Volume Motor Vehicle Manufacturers Act, uma nova legislação que define o que é um fabricante de veículos fora-de-série para que eles sejam dispensados destas exigências de segurança e emissões. Segundo a lei, um fabricante de baixo volume (o equivalente exato do nosso termo “fora-de-série”), é qualquer fabricante de veículos que não produza mais de 325 unidades por ano, e utilize motores homologados fornecidos por um grande fabricante de veículos em larga escala.
E no Brasil?
A definição de fora-de-série sempre foi muito vaga por aqui. Praticamente qualquer fabricante que produza carros em menor escala é considerado fora-de-série — ainda que alguns tivessem produção suficiente para exportação, caso da Puma. Contudo, ao analisar as características comuns a todos eles, podemos chegar a uma definição aproximada de o que é um carro fora de série no Brasil.
Começando pelo Monarca, aquele que é considerado o primeiro fora-de-série nacional e chegando ao Lobini e às réplicas da Chamonix, os fora-de-série têm como sua principal característica a produção artesanal ou semi-artesanal e o fato de não serem produzidos em uma linha de produção. Eles até usam estações, mas nada como a linha de produção popularizada por Ford.
Outras características são os motores fornecidos por grandes fabricantes, e carrocerias com design próprio. O Monarca, por exemplo, usava chassi Volkswagen, carroceria própria desenhada e modelada por Anísio Campos e Toni Bianco, e um motor 1.600 de Porsche 356.
Demais componentes como vidros, lanternas, botões e interruptores e até quadro de instrumentos e volante também são normalmente fornecidos por grandes fabricantes. Em seus primeiros anos de mercado, o Troller T4, por exemplo, usava comandos do ar-condicionado do Ford Ka e volante do Volkswagen Gol.
O chassi é a única variável: alguns modelos usam uma base própria, outros partem de um chassi pré-existente. O Puma GTE/GTS/GTI e suas variações, por exemplo, usam como base o Karmann-Ghia e, mais tarde, a Brasilia. Já o Santa Matilde SM, o Puma GTB e Lobini (acima) partiram de plataformas próprias.
Em 2016, contudo, o Conselho Nacional de Trânsito decidiu estabelecer claramente o que é um fora-de-série após uma série de ações de fabricantes de veículos artesanais ou de baixo volume que se viram obrigados a instalar airbags e ABS em seus carros com o início da obrigatoriedade destes equipamentos de segurança em 2014.
Assim, os fabricantes de veículos “fora-de-série” foram separados por definição dos fabricantes de veículos artesanais e definiu o que é uma réplica e um buggy. Veja como ficou:
– Fabricante de Veículos de Pequena Série: é aquele cuja produção está limitada a 30 (trinta) veículos por marca/modelo e 100 (cem) unidades no período de 1o de janeiro a 31 de dezembro de cada ano;
– Fabricante de Veículos Artesanais: é a pessoa física ou jurídica que fabrica, no máximo, 03 (três) veículos, exceto ônibus, micro-ônibus, motor-casa e caminhão, e de reboque e semirreboque com PBT superior a 750 kg, no período de 1o de janeiro a 31 de dezembro de cada ano;
– Réplica: veículo produzido por um fabricante de pequena série e que:
a) assemelha-se a outro veículo que foi descontinuado há pelo menos 30 anos;
b) possua licença do fabricante original, seus sucessores ou cessionários ou atual proprietário de tais direitos;
– Buggy: Automóvel para utilização especial em atividade de lazer, capaz de circular em terrenos arenosos, dotados de rodas e pneus largos, normalmente sem capota e portas. Além disso, estando o veículo com a massa em ordem de marcha, em superfície plana, com as rodas dianteiras paralelas à linha de centro longitudinal do veículo e os pneus inflados com a pressão recomendada pelo fabricante, deverá apresentar um ângulo de ataque mínimo de 25o; um ângulo de saída mínimo de 20o; altura livre do solo, entre eixos, mínimo de 200 mm e altura livre do solo, sob os eixos dianteiro e traseiro, mínimo de 180 mm.”