Sexta-feira, 14 de outubro de 2016. A Petrobras anuncia a primeira redução nos preços da gasolina e do diesel nas refinarias desde 2009.
O reajuste foi resultado da nova política de preços da petrolífera, anunciada no final de setembro. A Petrobras deixou de controlar os preços internamente e voltou a adotar a paridade com o mercado estrangeiro. Com isso, quando o barril do petróleo sobe no mercado internacional, os preços no mercado interno sobem junto, quando ele baixa, porém, os preços internos também são reduzidos. Segundo estimativa da Petrobras, a redução anunciada de 2,7% nos preços do diesel e 3,2% nos preços da gasolina nas refinarias poderia resultar em uma redução de R$ 0,05 nas bombas.
Quinze dias se passaram e o que aconteceu foi o contrário: o preço médio nas bombas subiu R$ 0,017. Segundo o levantamento feito pela ANP na semana anterior à redução do preço nas refinarias, o preço médio da gasolina era R$ 3,654. Com o reajuste, portanto, o preço poderia chegar a R$ 3,60, mas o preço médio na primeira semana após as reduções aumentou para R$ 3,671.
No início de novembro, um novo anúncio de redução dos preços dos combustíveis nas refinarias. O resultado nas bombas? Mais um aumento — sensível, porém maior: R$ 3,676. Os preços chegaram a voltar à média de R$ 3,65 no início de dezembro, mas antes que pudessem continuar caindo, a Petrobras anunciou um novo reajuste devido ao aumento da cotação do petróleo no mercado internacional e os preços voltaram a subir, chegando à média de R$ 3,759.
Em seus três primeiros meses, portanto, a nova política de preços da Petrobras não surtiu o efeito desejado, da variação mensal para cima ou para baixo, acompanhando a oscilação da cotação internacional do petróleo, como ocorre principalmente nos EUA.
O motivo para não ter havido nenhuma redução contudo, vai muito além de uma simples canetada da estatal petrolífera ou da suposta ausência de concorrentes na exploração de petróleo no país. No Brasil os preços são influenciados por diversos fatores, que veremos a seguir.
A adição de álcool anidro afeta os preços?
Quando os combustíveis aumentaram, as distribuidoras atribuíram o ligeiro aumento à alta do etanol, causada pela entressafra e pela produção de açúcar para exportação. O açúcar sempre foi uma commodity cara e com a produção indiana reduzida, a demanda pelo açúcar brasileiro no mercado internacional aumentou ligeiramente.
Aqui temos dois problemas: o primeiro é justamente o fato de o etanol dividir o interesse dos produtores com o açúcar. Os motivos são óbvios: quando um de seus dois produtos se torna muito mais lucrativo você simplesmente concentra nele seus esforços de produção, reduzindo a produção do outro para uma demanda que se manteve igual, o que faz os preços subirem. É a lei da oferta e procura em seu estado puro.
O outro problema é que até alguns anos atrás, a adição de álcool anidro à gasolina era variável. A lei permitia uma adição de 20% a 25% de álcool anidro por litro de gasolina. A intenção era impedir uma variação mais significativa do preço da gasolina nas entressafras de cana. Assim, quando o preço do álcool anidro subia, bastava reduzir a concentração da mistura que o preço final da gasolina poderia ser mantido ou aumentado sutilmente.
O problema é que a nova lei, que permitiu o aumento da mistura de álcool anidro para 27% na gasolina comum/aditivada, também mudou a variação da mistura — concentração deixou de ser variável e passou a ser fixa. Agora, independentemente do preço do álcool anidro a mistura deve ser sempre 27% (ou 25% nas gasolinas premium). Isso faz com que o preço da gasolina fique muito mais suscetível às variações do álcool anidro.
Embora pareçam a mesma coisa, os dois combustíveis são substancialmente diferentes: o álcool anidro tem a menor concentração possível de água em sua composição (daí seu nome “anidro”, que significa literalmente “sem água”), geralmente 0,4%, embora a lei permita até 1% de água no álcool anidro que se adiciona à gasolina. Já o etanol hidratado, como seu nome sugere, contém água em uma proporção de 6%.
De acordo com a CEPEA/ESALQ, o valor da cotação do álcool anidro subiu R$ 0,19 entre a semana anterior do primeiro anúncio de redução da Petrobras e a última semana de outubro, passando de R$ 1,91 para R$ 2,10. Considerando que a substância representa 27% da gasolina comum, o aumento proporcional seria de R$ 0,05. Como a redução da gasolina anunciada pela Petrobras incide somente no custo da gasolina antes dos impostos (R$ 1,46/litro na época), a combinação do aumento do etanol anidro resultou no aumento de R$ 0,01 observado na semana seguinte ao anúncio da redução.
Agora, observe que o preço da gasolina nas refinarias é inferior ao do álcool anidro: R$ 1,46 ante R$ 1,91 (ou R$ 2,10). Isso significa, na prática, que estamos substituindo 270 ml de gasolina por 270 ml de uma substância mais cara. Quanto maior a proporção de álcool anidro, mais cara a gasolina.
A adição do álcool anidro, portanto, embora necessária para aumentar a resistência à detonação (octanagem) entre outras funções, está encarecendo a gasolina mesmo em períodos de safra ou de produção voltada ao etanol. Em resumo: a gasolina poderia ser mais barata se as distribuidoras pudessem adicionar apenas 10% ou 15% de álcool, em vez dos obrigatórios 27%.
Os três balcões da gasolina
Antes de prosseguir, uma breve explicação sobre a cadeia da gasolina no Brasil. Nenhuma etapa da produção de combustíveis no Brasil é monopolizada como foi até os anos 1990. Hoje qualquer empresa é livre para extrair, refinar, distribuir e revender combustíveis. Nós já explicamos isso neste post, mas resumidamente há multinacionais operando em parcerias ainda um tanto limitadas com a Petrobras na extração e refino de petróleo no Brasil, e uma solitária refinaria 100% privada, a refinaria de Manguinhos (abaixo).
A existência desta refinaria privada é o que garante uma concorrência mínima entre público e privado. Manguinhos tem liberdade de importar gasolina de onde bem entender, adequando sua operação à demanda do mercado, conseguindo até mesmo preços mais baixos que o das refinarias da Petrobras.
Na distribuição, o segundo balcão, há apenas três grandes empresas que controlam quase 80% do mercado de combustíveis do Brasil. Em comparação, nos EUA as quatro maiores empresas distribuidoras controlam menos de 30% do mercado.
Conforme a regulamentação vigente, os postos de combustíveis (o terceiro balcão) só podem adquirir seus combustíveis para revenda das distribuidoras — é proibido comprar diretamente das refinarias —, o que significa que os postos também ficam sujeitos às variações das refinarias. Na prática, isso significa que o repasse dos reajustes ao consumidor dependem muito mais das refinarias do que dos postos em si (isso ficará mais claro mais adiante no texto).
Como os preços são definidos?
Nas refinarias: nas estatais os preços são definidos por um comitê da Petrobras chamado Grupo Executivo de Mercado e Preços (GEMP), que se reúne a cada 30 dias para analisar as variáveis econômicas como cotação do dólar, custos operacionais e cotação do petróleo no mercado estrangeiro. No caso das refinarias privadas (Manguinhos), os fatores considerados são os mesmos, porém a definição dos preços é independente da Petrobras — afinal, trata-se de uma empresa privada.
Nas distribuidoras: os preços variam de acordo com a forma da entrega do combustível, prazo de pagamento e tipo de contrato com o posto. Isso faz com que postos em condições similares (localização, volume de vendas etc) paguem preços diferentes pelo combustível. Aumentos de preços são repassados imediatamente, enquanto reduções são repassadas gradualmente para potencializar margens de lucro.
Ainda há uma variação de preços de acordo com o preço praticado em determinada região: se um posto opera com um preço final para o consumidor mais barato que o da concorrência, a distribuidora pode reduzir o preço para este estabelecimento. Por outro lado, em mercados onde os preços são mais elevados as distribuidoras podem aumentar seus preços. Assim, dois postos diferentes de uma mesma bandeira dificilmente pagam o mesmo preço à distribuidora.
Nos postos: os preços são determinados com base em localização (que sofre influência do mercado imobiliário, além de fatores demográficos e socioeconômicos), concorrência e custos operacionais. Alguns postos aplicam uma sugestão de preços feita pela distribuidora, que mantém pesquisas ad continuum para monitorar os preços da concorrência em sua área. Os repasses geralmente são repassados apenas quando são superiores a R$ 0,05.
Concorrência limitada
Como vimos no item acima, a definição dos preços é mais flexível na distribuição e na revenda. Contudo, nos postos franquiados, como em qualquer contrato de franquia, há uma cláusula de exclusividade de fornecimento. Isso limita a concorrência de preços com postos de outras franquias e especialmente de postos “bandeira branca”.
Estes postos não vinculados às marcas das grandes distribuidoras/refinarias geralmente têm liberdade para comprar combustíveis da distribuidora que lhe oferecer o melhor preço — por esta razão é mais comum encontrar combustíveis mais baratos neste tipo de posto. Os postos franquiados, por outro lado, estão mais sujeitos aos critérios das distribuidoras por estarem limitados pelo contrato de exclusividade — o que limita também sua flexibilidade na definição de preços. É por isso que os reajustes nem sempre chegam às bombas para o consumidor final (lembre-se do que foi dito no item acima: as distribuidoras repassam aumentos imediatamente, mas as reduções são graduais).
Porém, da mesma forma que pode limitar a definição de preços dos postos franquiados, o contrato de exclusividade com as distribuidoras pode garantir vantagens que os postos bandeira-branca não terão devido à ausência de um contrato de exclusividade.
Fica claro, portanto, que as distribuidoras podem ter uma forte influência na definição dos preços ao consumidor, ainda que não sejam operadoras das revendas de combustíveis.
E por que o preço continua subindo?
Desde que a Petrobras adotou a nova política de definição de preços dos combustíveis nas refinarias, houve três reajustes (eles tendem a ser mensais, pois o conselho responsável pela definição dos preços se reune mensalmente). Os dois primeiros, em outubro e novembro, foram reduções, porém acabaram afetados principalmente pelo aumento do preço do álcool anidro que deve ser adicionado à gasolina — embora isso não explique o aumento do diesel.
No terceiro reajuste, realizado no início deste mês, os preços foram elevados devido ao aumento do dólar e da cotação do petróleo no mercado internacional. Porém, como o preço do álcool anidro se manteve estável, o repasse das distribuidoras foi inferior, o que impactou menos o aumento nas bombas: o preço médio nacional da gasolina aumentou apenas 0,45%.
Embora a flutuação dos preços pareça um pouco confusa para o consumidor final — que deverá se acostumar aos reajustes mensais para cima ou para baixo — ela é fundamental para atrair acionistas e recuperar a Petrobras após os seguidos prejuízos acumulados pela política anterior de congelamento dos preços no mercado interno, independentemente da cotação internacional do petróleo.