Na semana passada a Volkswagen apresentou mais um facelift do Gol e do Voyage e, apesar do visual em sintonia com outros modelos recentes da marca, eles ainda são basicamente os mesmos carros desde 2008, quando esta terceira geração do Gol foi lançada.
Foi naquele ano que o Gol foi atualizado com uma nova plataforma pela primeira vez em sua história, o que deu ao modelo um motor transversal e corrigiu alguns “problemas” de ergonomia que o hatch teve em suas primeiras gerações. Apesar da nova plataforma, aquela não era uma plataforma nova — ao menos não inteiramente nova. Para fazer a terceira geração do Gol (e do Voyage e da Saveiro) a Volkswagen combinou elementos da plataforma PQ24, que estreou na Europa em 1999 com o Audi A2 e o Škoda Fabia de primeira geração, com componentes da plataforma PQ25, lançada naquele mesmo ano no Seat Ibiza de quarta geração.
No Brasil a plataforma PQ24 foi lançada em 2002 quando a Volkswagen lançou a quarta geração do Polo por aqui. Dois anos mais tarde ela foi usada no Fox, e quatro anos depois foi aproveitada no Gol, no Voyage e na Saveiro. Isso significa que ela já está por aí há 16 anos e ainda não tem data para ser aposentada, o que faz dela uma das plataformas mais duradouras do mercado brasileiro.
Eu disse “uma das” porque, logicamente, ela não é a mais antiga, tampouco a única assim longeva. Existem e existiram outras plataformas que duraram muito mais tempo por aqui, como veremos neste post.
Mas antes… acho que precisamos esclarecer de uma vez por todas o que é uma plataforma e qual sua influência no projeto do carro.
O termo plataforma não tem uma definição exata. Quando os carros surgiram, cada modelo tinha uma base mecânica própria que não poderia ser adaptada para construir outro modelo. Não é preciso pensar muito para perceber que esse tipo de construção é cara e não permitia a economia de escala. Por isso os engenheiros desenvolveram o conceito de plataformas, que era um projeto básico que permitia modularidade para compartilhar componentes e reduzir custos. Na época anterior à construção em monobloco por exemplo, usava-se um chassi padrão que poderia ser alongado ou encurtado para receber diferentes carrocerias.
Com a construção em monobloco, convencionou-se chamar de plataforma o conjunto de componentes que formam o assoalho, longarinas, a parede corta-fogo, e a suspensão do carro. A evolução dos métodos de construção ampliou a modularidade destes componentes de forma que alguns fabricantes passaram a chamar as plataformas de arquitetura ou matriz. Note que a plataforma, embora pareça algo inflexível, designa um conjunto de componentes, o que significa que você pode modificá-los de acordo com a necessidade. Por isso, o fato de uma plataforma ser antiga, não significa necessariamente que ela esteja defasada. É possível modificá-la para modernizá-la em certos aspectos.
Dito isso, vamos às plataformas usadas por mais tempo no Brasil. Mas antes, é preciso deixar claro que estamos considerando somente as plataformas que serviram a mais de um modelo, o que exclui a Volkswagen Kombi e o Chevrolet Opala, que foram mantidos em produção recebendo apenas atualizações estéticas e mecânicas ao longo dos anos.
Volkswagen BX/AB9 1980-1997/1994 a 2014
A plataforma BX foi desenvolvida no Brasil a partir da plataforma B1, que estreou aqui em 1974 com o Passat, e foi a primeira plataforma de motores de arrefecimento líquido da Volkswagen. Ironicamente, esta versão encurtada da B1 foi criada para o Gol, que nasceu com o boxer a ar da Volkswagen, mas foi sua origem que permitiu a adoção dos motores AP a partir de 1984.
Ela continuou em uso até 1997, quando a Saveiro de primeira geração foi substituída, mas antes disso, uma derivação de entre-eixos mais longo chamada AB9 estreou na segunda geração do Gol, lançada em 1994. Foi esta configuração mais longa que tornou a plataforma do Gol uma das mais duradouras do mercado brasileiro, resistindo até 2014, quando o Gol “G4” (o terceiro facelift da segunda geração) deixou de ser produzido. No total, foram 17 anos de BX e 20 anos de AB9 — ou 34 anos se você somar considerar que ambas são uma só.
Ford “Projeto M”/Renault 117 – 1968 a 1997
A Renault só deu as caras no Brasil em 1997, trazendo o Clio de primeira geração importado da Argentina. Mas ele não foi o primeiro projeto da marca francesa era oferecido por aqui. Tivemos outros carros rodando sobre uma plataforma Renault durante quase 40 anos antes da chegada do Clio — só não tínhamos percebido isso porque eles estavam disfarçados de Ford e Willys.
Isso aconteceu porque em 1967, quando a Ford assumiu o controle da Willys-Overland, esta estava desenvolvendo o Projeto M/Projeto 117 com a Renault. Com uma plataforma e motores prontos para serem lançados, a Ford desenvolveu uma carroceria própria para o projeto e lançou o Corcel em 1968. A Renault, por sua vez, seguiu o projeto adiante e lançou o carro originalmente previsto: o Renault 12.
Em 1977 o Corcel ganhou uma segunda “geração”, que tinha um visual completamente diferente, porém mantinha a mesma base mecânica. O Corcel II continuou em produção até 1986, mas seus derivados resistiram por mais dez anos. O primeiro foi a Belina, lançada em 1978 e produzida até 1991.
Sua sobrevida em relação Corcel II se deveu à relação com outro derivado do Corcel, lançado em 1981: o Del Rey. Inicialmente a perua do Del Rey era chamada Scala como forma de se diferenciar da Belina — afinal, as duas eram o mesmo carro. Mas depois que o Corcel saiu de linha ela mudou o nome para Belina e com este nome ficou até 1991.
Mas o carro que levou a plataforma a quase três décadas de vida foi a picape Pampa. Lançada em 1982 ela se manteve no mercado até 1997(!), quando finalmente saiu da vida para entrar na história e dar espaço à nova Courier.
GM4200 – desde 1994
A plataforma 4200 da GM é atualmente a mais antiga ainda em produção no Brasil, mas ela nem precisou incluir seus primeiros dez anos — ela só chegou por aqui em 1994, quando o Corsa B foi lançado no Brasil, mas não foi aposentada quando a versão sedã do modelo deixou de ser produzida em 2016.
Antes disso, em 2009 a Chevrolet lançou o Agile, que foi lançado sobre esta mesma plataforma, e deu origem à segunda geração da picape Montana, que é produzida até hoje. Já são 24 anos e contando…
Volkswagen PQ34 – 1997 a 2013
Esta plataforma chegou ao Brasil ainda importada em 1997, quando o Audi A3 começou a ser trazido da Alemanha. Dois anos mais tarde seu primo mais humilde, o Golf IV, começou a ser produzido em São José dos Pinhais, e dali não saiu antes de 2013. Nesse meio tempo, a PQ34 também serviu ao Audi A3 nacional, feito entre 2000 e 2006, e ao Bora, importado entre 2001 e 2011. No total, do lançamento do Audi alemão ao fim do Golf IV, foram 16 anos de mercado.
Tipo Uno Fiat – desde 1996
Apesar do nome Uno e de ter sido desenvolvida originalmente para o Fiat Uno (o antigo, de primeira geração, não o atual) a plataforma Tipo Uno chegou ao Brasil com o lançamento do Palio em 1996 e suas derivações foram usadas para a picape Strada, o sedã Siena e a perua Palio Weekend.
Desde então os modelos passaram por quatro facelifts e o Palio até ganhou uma segunda geração — que veio em 2011 e morreu no ano passado para dar vez ao Argo —, mas a primeira geração continua por aí com a Strada (que é a picape mais vendida do Brasil) e a Weekend, que já têm 20 e 21 anos, respectivamente.
Volkswagen PQ24 – desde 2003
Em 2003 a Volkswagen lançou uma nova geração do Polo no Brasil e com ela a plataforma PQ24, que também seria utilizada no “sucessor” do Gol, o projeto Tupi que acabou lançado com o nome Fox.
Nos anos seguintes Polo e Fox criaram família: o Polo ganhou um sedã e o Fox ganhou uma perua, e em 2008 os dois ganharam mais um irmão de plataforma: a terceira geração do Gol. Em 2014 o Polo deixou de ser produzido, mas Fox, Gol, Saveiro, Voyage e Spacefox continuam por aí.