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Trânsito & Infraestrutura

As quatro espécies de motorista urbano de 2023

No final de 2021 eu prometi que, no ano novo, eu iria dirigir muito mais. Pegaria a estrada mais vezes, colocaria o carro em lugares diferentes, sairia de carro só pelo prazer de dirigir, não necessariamente para chegar a algum lugar específico. Eu cumpri essa missão com êxito. Fui do zero aos quase 2.100 metros de altitude, dirigi de Minas Gerais até Santa Catarina, fui do leste para o oeste, conheci novas cidades e encontrei novas estradas. Até viagem de caminhãozinho rolou.

Neste final de 2023, contudo, eu decidi tirar o pé. Rodar mais para resolver coisas cotidianas e aproveitar mais os finais de semana em casa, com os amigos e família. Isso significa que eu comecei a dirigir mais pelas cidades. E como caminhar, tomar banho e abrir a geladeira, dirigir te faz pensar. Te deixa reflexivo e introspectivo. Mesmo no caos urbano, porque você pensa sobre o caos urbano, no fim das contas.

E pensando no caos urbano eu me dei conta que aqueles motoristas sem-noção das estradas são os mesmos das cidades. Porque muita coisa mudou desde o tempo em que eu passei na roça, dirigindo só em estradas e quase nada em cidades. A principal delas? Os smartphones, que dão origem a uma praga urbana:

 

O salvador do universo pelo Whatsapp

Celular ao volante já era perigoso antes de eles serem conectados à internet e terem telas de altíssima definição. Depois a gente inventou um jeito seguro de usá-los com os sistemas “viva-voz” e, mais recentemente, com a popularização dos sistemas multimídia, que colocam tudo o que a gente precisa em uma telinha no painel com comandos no volante ou até mesmo comandos de voz.

Mas… por alguma razão alguns motoristas — muitos, na verdade —, devem estar em uma missão interplanetária para salvar o universo, porque é a única justificativa plausível para alguém precisar ler/digitar mensagens em um deslocamento de 15 ou 20 minutos. Como nem tudo é plausível na realidade, as pessoas usam e vão continuar usando o bendito aparelho ao volante, então elas o fazem da forma menos insegura possível, assumindo uma mistura de direção defensiva com desvio do olhar por tempo prolongado. E elas invariavelmente acabam freando demais, mesmo quando não há por que frear.

Outro dia um sujeito carimbou o para-choques traseiro do meu carro por causa disso. Um motorista precavido demais parou o carro no sinal verde (vou falar desse tipo de motorista mais adiante), o motorista seguinte freou, eu freei, mas o que vinha atrás de mim estava no Whatsapp, evitando que meteoros caíssem sobre o Brasil, e freou tarde demais.

Esse comportamento você vai reparar em uma pista mais fluida, ou melhor, supostamente mais fluida. O trânsito está livre, não há cruzamentos ou interseções, há poucas mudanças de faixa, mas o trânsito dá umas engasgadas aleatórias. Nesse momento repare: é gente ao celular, variando a velocidade por não estar de olho no trânsito, e sim em coisa mais importante.

Nesse contexto também aparece outro tipo de motorista preocupante. Um tipo que parece seguro, mas é perigoso porque acha que é seguro e todo mundo acha que ele é seguro. Estou falando do…

 

O prudentão

O prudentão é o motorista exemplar. Ele não excede o limite de velocidade, ele nunca avança o sinal amarelo, ele para em todas as faixas de pedestre e nunca corta a frente de ninguém. Parece a descrição do motorista perfeito. Só que…

… ele se mantém abaixo da velocidade máxima na faixa da esquerda de uma via expressa. Ele freia no semáforo verde, porque o contador/timer está se aproximando do zero. Ele freia para o pedestre que está no lado oposto da avenida de quatro pistas, antes mesmo de o motorista mais próximo da calçada frear. E ele freia em absolutamente todas as rotatórias, mesmo naquelas em que ele tem a preferência por estar à direita.

É assim que ele se torna perigoso. Os demais motoristas ao seu redor, estão dirigindo de forma controlada, de forma defensiva, mantendo um ritmo eficiente e seguro, mas também sem excesso de zelo. O outro motorista viu a mocinha de mochila da Barbie no outro lado da rua, mas não é ele que precisa começar a parada do trânsito, e sim o motorista mais próximo do pedestre.

Porque nem os demais motoristas e nem o pedestre esperam que o motorista do outro lado da rua é que irá ceder a vez. E aí o risco de um acidente aumenta, porque o carro para de repente, sem motivo aparente. Foi o que aconteceu na carimbada do para-choque: o sujeito, por mais que estivesse no telefone, viu o semáforo aberto e não esperava a parada. Nem eu. Nem o carro à minha frente. Mas o sujeito parou no sinal verde, porque ele estava prestes a ficar amarelo, afinal, o contador regressivo mostrava isso. E ele, como é prudentão, parou. E depois foi embora, alheio ao pequeno acidente que causou.

 

O freador de buzina

O freador de buzina, caso não tenha ficado claro, é o sujeito que buzina como se ela fosse frear o carro. Ele até antecipa o risco de acidente, mas é melhor buzinar do que frear, afinal, ele está certo — o outro é que está errado.

Acontece muito com motociclistas: o carro corta a frente do motociclista e este, em vez de fazer o possível para frear, gasta tempo e energia com aquela pobre buzina anêmica, tão banalizada no trânsito urbano que já nem serve mais de alerta. Mas ele não é o único. Há os motoristas que tentam frear os pedestres com sua buzina, há aqueles que tentam frear o outro carro com sua buzina, mas jamais freiam seu próprio carro/moto.

Esse tipo de motorista tem uma variação:

 

O rei-desviador

Essa você certamente já viu: você está em uma pista de duas faixas no mesmo sentido, e mais à frente, na faixa da direita, há um cachorro ou um ciclista. Nesse momento, o rei-desviador não freia. Ele, reizinho da rua, desvia o carro para cima do seu, e você, plebeu que está na esquerda, em velocidade maior e “na cara” da contramão, que freie ou se vire para desviar dele. Virou praxe e é tão comum que parece ser uma regra de trânsito nova.

Bônus: o Motoney

É como no futebol: o sujeito esperou o contato, o contato veio. Acontece especialmente com motovloggers, aqueles caras que prendem câmeras no capacete e saem pela cidade. Eles não perdem a oportunidade de gravar um acidente, por mais banal que seja, porque isso gera engajamento. Hoje eles são menos, mas ainda existem e estão por aí, prontos para buzinar na hora de frear, esperando o contato.