Há alguns dias contamos aqui a história do Audi 200 Quattro Trans-Am, o carro que a Audi usou para convencer os americanos de que a tração integral era uma boa tanto para o asfalto quanto para a terra, e também para dar um boost (pun intended) em sua popularidade nos EUA.
Deu certo, porque o Audi 200 foi o campeão absoluto da Trans-Am em 1988 — na verdade seu desempenho foi tão bom que a organização baniu a tração integral e os carros não-americanos da competição. O que nem todo mundo sabe ou lembra é que aquele carro foi projetado e construído dois anos antes, já com o objetivo de provar a superioridade da tração nas quatro rodas.
A gente até mencionou naquele post, mas agora é a hora de nos aprofundarmos na história do Audi 5000CS Turbo, recordista de Talladega em 1986.
O nome do circuito de Talladega costuma ser associado aos muscle cars americanos por uma boa razão: o circuito oval de Talladega Superspeedway, no Alabama, é um dos mais rápidos dos EUA e um dos mais importantes da Nascar —tanto que deu até nome a uma versão especial de homologação feita pela Ford em 1969, o Torino Talladega — do qual só existem pouco mais de 750 unidades, algo que faz dele um dos muscle cars mais valiosos do mundo.
Mas o que o cara aí em cima tem a ver com o Audi? Não muita coisa — carros americanos e alemães sempre foram muito diferentes e, passados quase vinte anos, as coisas não tinham mudado muito: nos EUA, a regra ainda eram os potentes V8 aspirados de tração traseira, tanto nas pistas quanto nas ruas. E foi exatamente por isso que a Audi decidiu levar um de seus carros para Talladega, um dos circuitos mais rápidos dos Estados Unidos.
Para tal, a Audi decidiu pegar seu maior modelo, o 200, e modificá-lo para ficar de acordo com as regras da Nascar na época — que, até então, não eram muito rígidas.
De qualquer forma, a Audi não modificou tanto o carro — ao menos por fora: a carroceria foi rebaixada em cerca de 40 mm, as arestas mais pronunciadas foram suavizadas e os espelhos laterais, removidos para evitar o arrasto aerodinâmico. Além disso, o carro recebeu um spoiler na dianteira e outro, menor, na traseira — eram peças discretas, na medida para aumentar o downforce sem prejudicar a aerodinâmica. O coeficiente de arrasto continuou sendo de baixos 0,33.
As maiores mudanças, porém, são invisíveis: boa parte dos componentes da carroceria foi trocada por peças mais leves — os para-choques eram de Kevlar; portas e capô, de alumínio; e todas janelas exceto o para-brisa eram de plástico. O resultado era um sedã de quase cinco metros de comprimento que pesava apenas 1.072 kg.
O maior trunfo deste Audi 200 especial, contudo, ficava debaixo do capô. Em vez de empregar um motor V8 aspirado, a Audi decidiu manter o motor de cinco cilindros com turbocompressor. Deslocando 2,1 litros, o motor tinha um cabeçote especial, do qual até hoje não se sabe muito a respeito, mas documentos históricos indicam ter cinco válvulas por cilindro — três de admissão e duas de escape, provavelmente, e que elas ficavam a 47° em relação ao cilindro em vez dos 25° do Audi Quattro do Grupo B.
No mais, o que se sabe é que o motor entregava absurdos 650 cv — potência que o colocava lado a lado com motores com o dobro ou até o triplo do deslocamento.
Também foram realizadas modificações extensas na estrutura do carro e na suspensão — tudo para otimizar a aderência e mantê-lo pregado no asfalto nas curvas inclinadas de Talladega, mas sem prejudicar a velocidade: as molas que ficavam do lado de “fora” da curva — no caso, do lado do passageiro, eram mais rígidas, de modo que a rolagem da carroceria era reduzida sob os mais de 2,2g que incidiam sobre o carro em alta velocidade.
Além disso, as massas foram redistribuídas: o tanque de combustível, o reservatório de óleo e a bateria foram montados do lado do motorista; enquanto o conjunto mecânico — motor, transmissão e eixo diferencial (novamente, muito semelhante ao do Audi Quattro de rali) foram deslocados cerca de 5 cm para a esquerda, enquanto o banco do motorista, a coluna de direção e os pedais foram deslocados 20 cm para a direita.
Não ficava muito confortável, mas garantia que 53% do peso do carro ficasse sobre as rodas do lado de dentro da curva e, assim, o equilíbrio em alta velocidade era otimizado. Para completar, Audi 200 foi calçado com pneus de 10 polegadas de largura.
Totalmente modificado, o Audi 200 recebeu um novo nome: Audi 5000CS Turbo Talladega. No dia 24 de março de 1986, a Audi levou este carro para o Alabama e colocou Bobby Unser, ex-piloto da Indy ao volante. O objetivo? Quebrar o recorde de velocidade média no circuito de Talladega.
Bobby era o cara certo para a empreitada: sua carreira na Indy durou 27 anos, durante os quais ele participou de 258 corridas, vencendo 35 delas e conquistando os títulos de 1968 e 1974.
Aposentado havia apenas quatro anos, Unser ainda estava em forma e, assim, conseguiu uma média de 332,852 km/h em uma volta, com picos de 350 km/h. Comparado ao desempenho dos carros da Nascar, a esta velocidade o Audi 5000CS teria conseguido ao menos um lugar na primeira fileira no grid de largada.
Mas ele conseguiu mais do que isto: a Audi usou o feito como forma de se promover nos Estados Unidos, levando o carro para uma turnê promocional pelo país. Dois anos mais tarde, o 5000CS Turbo Talladega foi a base para o Audi 200 quattro Trans-Am.
[ Fotos: Auto motor Und Sport via Ableitet]