Muita gente acha que a parte mais legal de ser um jornalista automotivo é poder andar de carrão ou fazer viagens para lugares paradisíacos. Para quem trata a coisa com a seriedade necessária, nada disso importa, ainda que, sim, seja muito legal. Para mim, a melhor parte do que escolhi para ganhar a vida, entre um arrependimento ou outro por não ter ido cursar engenharia (me formei em direito…), é a chance de falar com gente interessante, com muita história pra contar.
Já pedi ao Bob Lutz para autografar meu livro “Car Guys vs. Bean Counters”, sobre a passagem dele na GM (recomendo). Já falei com Dieter Zetsche, Carlos Ghosn, Andy Palmer, Elon Musk, Shiro Nakamura, Hugo Spowers, Walter de Silva, Ulrich Hackenberg e uma porção de outros grandes nomes da indústria. Mas existem momentos especiais, como minhas entrevistas com Gordon Murray e com Sir Stirling Moss.
Finjam que o japonês sou eu, ok? Ao lado: Stirling Moss e Gordon Murray “Deal With It”
O pai do McLaren F1
A entrevista com Gordon Murray surgiu quando ele anunciou o T.25 e seu novo método de construção de automóveis, chamado de iStream, em 2010. Foi pena só o carro ter chamado a atenção, já que ele era pequeno, tinha três bancos, como o McLaren F1, e era esquisito, mas seria revolucionário, se tivesse sido fabricado.
Assim que vi os primeiros anúncios, fui atrás do pessoal de imprensa da Gordon Murray Design, mas não me deram retorno. Isso é uma constante na vida do jornalista. Por isso o negócio, muitas vezes, é insistir. Neste caso, acabou dando certo e falei com Huw Owen, diretor executivo da marca. Boa gente, Owen disse que era casado com uma brasileira, catarinense, e que ajudaria no que fosse possível.
Dias depois, ele me disse que eu poderia ligar para Murray no dia 23 de junho. Eu teria de ligar da redação em que trabalhava, na Car and Driver, e planejava gravar a entrevista, para repassar pontos importantes e também para guardar de recordação. Não é todo dia que você tem a chance de entrevistar “Deal With It” e pai do F1!
Repassei como era o iStream, o T.25, vi detalhes que o release havia abordado pouco e pensei em perguntas que revelassem detalhes desconhecidos. O que me interessava, em especial, era que empresas fabricariam o T.25 sob licença. Havia o rumor de que Eike Batista, que já havia tentado fabricar carros no Brasil, com a JPX, iria partir para uma nova tentativa com Murray como parceiro!
Se o projetista confirmasse alguma coisa, seria um tremendo furo. Além disso, seria a oportunidade de termos a fabricante nacional de automóveis que muitos sempre desejaram e que nunca se concretizou. Era uma notícia que daria gosto transmitir.
Perguntei na redação e não tínhamos nenhum jeito de gravar conversas telefônicas. Nem ali nem na editora inteira. Pesquisei aparelhos que fizessem isso e propus de comprarmos, mas não havia verba. Se eu quisesse, teria de comprar um gravador do meu bolso e fazer o serviço. Improvisei. Peguei meu celular, coloquei-o para gravar os sons do ambiente e coloquei o microfone perto do ouvido, para ele gravar o que Murray diria e também alguma coisa das minhas perguntas.
No dia e na hora marcada, liguei nervoso. Pedi pra rapaziada em volta ficar quieta, para eu conseguir gravar tudo. Liguei e falei com um recepcionista, que me passou para a assessora de imprensa, Sarah. Ela ficou de me transferir para Murray, mas o telefone dele deu ocupado e ela me pediu para ligar de novo em cinco minutos. Ficou combinado assim.
Cinco minutos depois, falo com o recepcionista, com Sarah e finalmente o projetista me atende: “Gordon Murray.” Nervoso, dei uma gaguejada para dizer boa tarde a ele e começar a entrevista. Perguntei se ele não estava muito enrolado e ele me disse que sim, que a coisa estava puxada, mas que a gente veria o rumo da conversa.
É o tipo de intimada que entrevistados importantes dão para ver se a coisa toda vai ser interessante ou se vai valer a pena conversar com quem está do outro lado da linha. Comecei a desfiar meu rosário, já menos nervoso, e Murray gastou exatos 26 minutos e 13 segundos comigo. Foi um papo bem legal. Depois que se quebra o gelo, a preocupação fica em entender absolutamente tudo que o cara está falando. Mas é o tipo de coisa que a conversa permite repassar. Não cheguei a pedir nenhum esclarecimento. Murray falava claro e não tive trabalho em transcrever a conversa.
Ele acabou não me falando nada de parcerias com Eike Batista. Para ele, o empresário brasileiro era um cara muito importante e visionário, ocupado pacas. E a conversa sobre Eike se limitou àquilo. Por outro lado, ele falou bastante do carro e do método iStream. Depois de sair na revista, a entrevista foi para o site, mas já saiu do ar. Pena.
Parte da conversa ainda pode ser vista por um site que copiou o conteúdo da revista e que continua até hoje funcionando. Para quem tiver curiosidade, vale uma espiada.
Anos depois eu encontrei pessoalmente com Murray em um salão de automóvel, não me lembro exatamente qual, e bati um papo com ele sobre a entrevista e sobre o futuro que o iStream estava tomando. Havia novidades e o parceiro mais provável deles seria a Yamaha. Aliás, deve ter novidades a respeito no Salão de Tóquio deste ano.
Além da conversa com Murray, acabei me encontrando pessoalmente com Owen e com sua esposa em Joinville. A Fiat estava lançando o Punto com motor E.torQ em Curitiba e eu havia ficado responsável por trazer o carro até a redação.
Peguei o carro à tarde em Curitiba e dirigi até Jaraguá do Sul, onde estava o protótipo do Pompéo, um triciclo que era outra esperança de uma montadora nacional. Dirigi o protótipo, com motor WEG, e de lá fui para Joinville conversar com Owen. Saí de lá à meia-noite e toquei para São Paulo.
Parei na estrada, por volta das 3h, para não levar o carro até Jesus, dormindo uma meia hora, e cheguei em São Paulo a tempo de o carro ir para fotos e teste. Minha mulher me resgatou na redação e me levou pra casa. Felizes os dois de ter dado tudo certo.
O corredor da Mille Miglia
A entrevista com Stirling Moss aconteceu em juho de 2011. Ele havia anunciado dias antes que iria se aposentar e a história mexeu comigo. Moss tinha mais ou menos a mesma idade de meu avô, que havia morrido um ano antes, amargurado porque não queríamos mais que ele dirigisse. Ele já havia se envolvido em acidentes de pequena gravidade, mas quase se matou em um poste pouco antes de ser atropelado, hospitalizado e, no hospital, pegar pneumonia e morrer de infecção generalizada.
Achei bonito Moss ter chegado à conclusão de que não dava mais. Esse tipo de desapego é raro. Fiquei com vontade de conversar com ele. Achei o e-mail de sua secretária, mandei mensagem e esperei retorno. Nada.
Foi quando vi que ele participaria de um evento e pedi aos organizadores o contato dele. Não rolou. Foi quando achei o site do piloto e pedi ajuda por lá, na parte de vendas. Foi o que deu resultado.
Patrick Crew, da equipe dele, me pediu para ligar para ele no dia 30 de junho, já que Goodwood e o GP da Inglaterra iam tomar o tempo dele dali em diante. E me mandou um monte de fotos, algumas delas que usei de novo para este post. Dito e feito.
Eu teria de ligar para Moss às 14:00 de Londres. Fiz os cálculos, chequei para ver se não havia horário de verão por lá, e deixei tudo no jeito para conversar com o veterano. Usando o mesmo método tabajara de gravação. Mas talvez mais preocupado. Pesquisei a vida de Moss e pensei se não seria delicado tocar no fato de ele ser considerado o melhor piloto a nunca ter ganhado um campeonato de F1. Decidi arriscar, se houvesse espaço. Com ele não teve secretária nem nada. O número era o da mesa dele.
Mas como chamar o cara que venceu as Mille Miglia e nunca teve seu recorde batido? Como tratá-lo, por Sir ou por Mr. Moss? Todo sir deve ser tratado por sir, mas a conversa com ele foi tão informal e próxima que, no fim, só estava dizendo Mr. Moss. Quase mandei um “my man”, de tão à vontade que a conversa rolou. Ele me contou que tinha se inspirado em Lawrence da Arábia para ser corredor. Que tinha aprendido a dirigir com cinco anos. Que queria mais era fazer algo heróico e sair com a mulherada. Pena a gravação ter ficado tão horrivelmente ruim. Eu tive de transcrever a reportagem no último volume, reconstruindo algumas coisas de memória. Guardo os arquivos mais pelo gosto de ter alguns trechos com ele audível do que por qualquer outro motivo.
Car and Driver 44, de setembro de 2011
Por sorte, essa entrevista não se perdeu na internet. Continua disponível para quem tiver curiosidade de ler. E Moss continua aparecendo em eventos, como a comemoração dos 60 anos de sua vitória na Mille Miglia. Só não se arrisca mais a correr.