E o que você sabe sobre o Reliant Robin? Basicamente, que ele tem três rodas, uma na dianteira e duas na traseira, e que isto faz dele o carro de pior dirigibilidade do mundo. Ou ao menos era isto o que Jeremy Clarkson e seus dois inseparáveis companheiros, Richard Hammond e James May, queriam que você pensasse. What?
Você certamente lembra daquele que foi um dos quadros mais engraçados da história de Top Gear. Foi no episódio de estreia da 15ª temporada, exibido no dia 27 de junho de 2010 (logo, logo se vão seis anos!). Como ainda estamos nostálgicos pelo antigo formato de Top Gear (a próxima temporada ainda é um mistério), não há como não incorporar o vídeo aqui e assistir ao quadro todo, não é?
Ao assistir ao quadro, a impressão que se tem é que os caras responsáveis por aprovar produtos na Reliant eram malucos — ou simplesmente não estavam nem aí. Que tipo de engenheiro assina o projeto de um carro que tomba em simplesmente toda curva? Que empresário coloca em produção um negócio desse? Uma pergunta ainda mais importante: quem compra um carro assim?
Pois o negócio é o seguinte: o Reliant Robin não era assim comicamente instável. Diferentemente do que mostra o vídeo, era possível fazer curvas com eles a mais de 5 km/h com segurança. E, por incrível que pareça, o Reliant Robin vendeu muito bem durante os impressionantes quase 30 anos em que foi fabricado, de 1973 a 2001. Para se ter uma ideia, a produção semanal do Robin nos anos 1980 era de 300 unidades por semana. Um carro que vende bem assim não pode ser uma completa porcaria, pode?
Pois bem, não era. Mas o quadro do Top Gear causou um impacto tão grande na imagem que temos do Reliant Robin que é fácil esquecer que, para um veículo de nicho voltado a quem só tinha licença para guiar motocicletas, ele foi um best seller que mudou de visual algumas vezes, foi fabricado por diferentes companhias e até deu origem a um sucessor, que também tinha três rodas.
Parece que todo Reliant Robin é aquele caixote de formato esquisito, com faróis retangulares e um grave problema de equilíbrio. Mas aquele era o visual da segunda geração do Robin, que começou a ser produzida em 1989 depois de um hiato que havia começado em 1981. A carroceria de linhas retas era de fibra de vidro, montada sobre um monobloco galvanizado. O motor era um quatro-cilindros de 850 cm³ acoplado a uma caixa manual de quatro marchas e, fora o fato de ter três rodas, o Robin se comportava quase o tempo todo como um carro normal…
… desde que fosse dirigido por uma pessoa normal.
Pesando menos de 450 kg, o Robin era classificado como um triciclo, e por isto podia ser guiado por quem só tinha licença para dirigir motos. Seu layout mecânico era bem simples, com motor dianteiro e tração traseira. O motor era capaz de levá-lo até os 100 km/h em 14 segundos, com máxima de 136 km/h — números excelentes considerando a natureza do veículo.
Foi por estas e outras que o Reliant Robin se tornou um automóvel relativamente bem sucedido e muito presente na cultura automotiva britânica. E era óbvio que o Top Gear precisava tirar uma com a cara dele, não é?
Pois bem: em sua última coluna no jornal The Sunday Times, publicada no último dia 10 de janeiro, Clarkson finalmente admite que a equipe do Top Gear modificou o diferencial do Reliant Robin 1994 usado ele no segmento. É preciso pagar para ler o artigo todo na fonte original, mas alguns trechos foram reproduzidos em outros sites. Palavras do próprio Jezza:
A julgar pelas cartas que eu recebo e conversas nas ruas, parece que a coisa mais memorável que eu fiz no Top Gear foi um segmento curto sobre o Reliant Robin. Você deve lembrar: eu dirigi um por Sheffield e ele ficava caindo toda hora.
Bem, é hora de esclarecer as coisas. Um Reliant Robin normal não capota a não ser que um time de jogadores de rugby bêbados o vire. Ou se estiver ventando. Mas, em um passeio atrapalhado para divertir e entreter, eu pedi para que os caras da equipe fuçassem no diferencial de modo que o pobre coitado do carro tombasse sempre que eu virasse o volante.
Naturalmente, o departamento de segurança e saúde ficou muito preocupado com isso e insistiu para que o carro fosse equipado com um martelo, para o caso de eu ficar preso depois de um tombamento e conseguir fugir quebrando o que restou dos vidros.
O Reliant Robin havia saído de linha quase dez anos antes de o episódio ir ao ar, e provavelmente os donos não se incomodaram com isto. Afinal, é bem fácil vê-los nas ruas — além de econômicos, sendo capazes de rodar mais de 30 km com um litro de gasolina, eles eram baratos e de fácil manutenção. E não capotavam o tempo todo. Tanto que, nas populares corridas de demolição em circuitos do Reino Unido (falamos sobre elas aqui), há uma categoria só para o Robin!
Sendo assim, por que então Jeremy Clarkson decidiu revelar toda a verdade agora? Não é como se a Reliant o tivesse processado ou algo do tipo. Talvez ele tenha apenas desejado esclarecer tudo para aliviar a consciência (afinal, o cara é polêmico) e continuar desvencilhando sua figura alta e grisalha da imagem de apresentador do Top Gear. No entanto, estamos pensando em outro motivo. Dá uma sacada na foto abaixo:
Proof we are spending the money on the screen; not on company cars. pic.twitter.com/Xknxjq7f52
— Jeremy Clarkson (@JeremyClarkson) 27 novembro 2015
Clarkson postou esta foto no Twitter no dia 25 de novembro e, em sua coluna, comentou o seguinte:
Eu gosto tanto do Reliant Robin que, quando Richard Hammond, James May, Andy Wilman e eu fundamos nossa própria produtora, a primeira coisa que fiz foi comprar um como carro de trabalho. Curiosamente, os outros três fizeram exatamente o mesmo. Ou seja: agora temos uma mini-frota nas vagas executivas do escritório.
De qualquer forma, dá para entender porque a explicação foi dada ao analisar a natureza do Top Gear que assistimos e adoramos por tantos anos: não se tratava de um programa jornalístico com toneladas de entretenimento, e sim de um programa de entretenimento que se valia de um formato jornalístico. Claro, havia reviews sérios (que, ainda assim, eram sempre muito bem produzidos e carregados de opiniões, metáforas e piadas), mas a ideia principal era divertir o público — fossem entusiastas ou espectadores casuais.
Isto — aliado ao orçamento generoso e a um provável exército de advogados contratados pela BBC — dava ao trio de apresentadores ousadia para armar certas situações em favor do show. O caso que envolveu o elétrico Tesla Roadster foi um dos últimos e mais comentados. Na 12ª temporada Jeremy Clarkson testou o promissor Tesla Roadster e mostrou o carro sendo empurrado pela equipe com as baterias descarregadas depois de rodar apenas 88,5 km dos quase 400 km prometidos.
Segundo Clarkson, a recarga demoraria 16 horas. Com o carro recarregado, ele voltou a gravar, porém o carro teve uma pane no sistema de freios e o quadro é encerrado com a narração de Clarkson dizendo como o carro é incrível, mas “é uma pena que ele não funcione no mundo real”. Elon Musk, CEO da Tesla, alegou que isso foi armação e prejudicou a imagem do carro, abrindo um processo contra o programa. Mais tarde, a companhia declarou que as baterias nunca chegaram a ficar com menos de 20% da carga e por isso nenhum carro precisaria ser empurrado de volta à garagem, e que a recarga durou 3,5 horas. A falha nos freios? Apenas um fusível queimado.
A produção se defendeu dizendo que aquilo foi uma representação do que poderia acontecer, com uma diferença em relação ao caso do Reliant Robin: a Tesla já estava em plena ascensão. Diferentemente do caso do Reliant Robin, as vendas dos Tesla poderiam mesmo ser prejudicadas pelas palavras de Clarkson, visto que muitos fãs do programa — especialmente fora do Reino Unido — encaravam Top Gear como uma fonte 100% confiável de informações sobre carros.
Outra ocasião trouxe uma situação inversa: os caras levaram um Range Rover Evoque, o moderno crossover britânico, para atravessar o Vale da Morte — simplesmente a área mais difícil do vasto deserto de Mojave, na Califórnia. Para provar que, apesar de refinado, o Range Rover Evoque ainda era um off roader de respeito, o trio afirmou, no fim do quadro, que o carro foi indestrutível.
A controvérsia começou com Matt Farah, apresentador do canal The Smoking Tire. Farah afirmou ue um dos representantes da Land Rover o pediu para tomar cuidado com o carro porque o Top Gear “destruiu 11 rodas na filmagem, e elas custaram muito dinheiro”. O representante ainda teria pedido a Farah para “não quebrar o carro” quando fosse fazer trilhas.
A própria Land Rover desmentiu a história, dizendo que nenhuma roda havia sido destruída, que os carros só sofreram arranhões nas rodas e tiveram cinco pneus furados — algo muito comum na prática do off road.
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Em julho de 2011, foi a vez de outro carro elétrico, o Nissan Leaf, sofrer nas mãos do Top Gear. Novamente, enquanto Clarkson dirigia, o carro ficou sem baterias e precisou ser empurrado por transeuntes. A Nissan não deixou barato e, poucos dias depois, questionou o ocorrido e disse que, de acordo com os dados enviados pelo carro à Nissan automaticamente (!), o Leaf estava apenas com 40% da carga total quando Jezza partiu em viagem. O carro parou depois de 48 km mas, de acordo com a Nissan, um Leaf totalmente carregado tem autonomia de até 160 km.
Humor britânico, definitivamente, não é para todo mundo.