Há um debate corrente entre aqueles que acham que os carros elétricos são o futuro e os que lamentarão a morte do motor a combustão até o fim de seus dias. A gente é do tipo que prefere esperar para ver mas, enquanto isto, é bacana ver que carros elétricos não precisam ser necessariamente chatos e sem graça. Duvida?
Não, a gente não está falando dos Tesla. Esqueça o Model S, o Model 3, o Model X e o Roadster. Estamos falando do carro que acabou de quebrar o recorde no quarto-de-milha para veículos elétricos — um pequeno britânico que percorre os 402 metros em 9,86 segundos a 196 km/h. É quase tão rápido quanto a Ferrari LaFerrari, que leva 9,7 segundos para cumprir o quarto-de-milha a 240 km/h!
Trata-se de um Enfield 8000, e a gente vai entender se você nunca tiver ouvido falar nele. Trata-se de um pequeno carro elétrico de dois lugares criado como meio de transporte alternativo, motivado pela crise do petróleo de 1973. A Enfield, companhia que já havia tido sucesso no ramo das motocicletas, utilizou componentes de diversos carros da década de 1970 — eixo traseiro do Reliant Robin, portas (modificadas), freios e rodas do Mini Cooper, faróis do Ford Capri e suspensão dianteira de Hillman Imp. Tudo em uma carroceria futurista para a época, de porporções quase caricatas, com uma gigantesca área envidraçada e entre-eixos de apenas 1,7 metro.
Ele tinha um motor elétrico de 48 volts e 8 cv movido por oito baterias de chumbo — quatro sob o capô e quatro atrás dos bancos, e uma bateria extra era usada para alimentar os faróis, rádio, acendedor de cigarros e limpadores de para-brisa. A autonomia ficava entre 50 e 90 km, dependendo da sua disposição com o pé direito.
O Enfield foi o único veículo elétrico da época a passar nos testes de colisão realizados pelas autoridades britânicas e era capaz de chegar aos 75 km/h. Nos parece bem interessante como meio de transporte urbano, considerando que ele foi produzido entre 1973 e 1976 — quatro décadas atrás. No entanto, a Enfield fez algo entre 108 e 120 unidades (dependendo da fonte consultada) antes de tirá-lo de linha. Ele não vendeu muito por causa do preço — custava o dobro de um Mini Cooper novo.
Sendo um carro tão raro, é impressionante que alguém tenha transformado um Enfield 8000 em um monstrinho de arrancadas. Ainda mais um tão rápido.
O autor da loucura é Jonny Smith. Talvez você não o conheça, mas ele foi apresentador do recentemente extinto Fifth Gear ao lado de Tiff Needell por alguns anos — ou seja, não foi um zé ninguém. O carro, fabricado em 1974, foi um dos 60 comprados por uma companhia elétrica britânica para testes, a fim de desenvolver novos veículos elétricos. Por sorte, a carroceria é de alumínio e não sofreu corrosão.
Quando Jonny o encontrou, ele havia passado por uma inundação e sofrido uma pane elétrica, mas estava íntegro e inteiro, com todos os itens de acabamento no lugar. Jonny decidiu, então, que daria a ele um novo conjunto elétrico, mais moderno. Em determinado momento, porém, ele decidiu aproveitar que estava metendo a mão na massa e transformar seu Enfield 8000 em um carro de arrancada.
Agora, o carro usa dois motores elétricos Current Racing com escovas Helwig de carbono, capazes de suportar 2000 ampères a 170 volts e girar a 5.500 rpm. Como no projeto original, eles estão ligados diretamente às rodas traseiras. A alimentação agora é feita por 188 baterias de íon de lítio, divididas em quatro packs (três sob o capô e um atrás dos bancos). O resultado? Nada menos que o equivalente a 500 cv e 138,5 mkgf de torque. Ele só não gira a terra ao contrário porque é pequeno e leve demais — pesa só 920 kg, sem contar com o piloto.
A suspensão traz braços triangulares sobrepostos na dianteira e um sistema four-link feito sob medida na traseira, que por sua vez tem um eixo encurtado com diferencial Ford de 9”. O eixo é ligado aos motores por um cardã de 15 cm. Os freios dianteiros são AP Racing, iguais aos usados no Caterham Seven, enquanto a traseira tem freios a tambor Ford vindos dos EUA. As rodas são de 12×7” na dianteira e 14×7” na traseira, calçadas com pneus Yokohama de medidas 165/55 e Mickey Thompson ET Street Radial 205/50, respectivamente.
As janelas laterais e traseira são de acrílico, e os para-choques foram moldados em fibra de vidro. Para não transformar o bichinho em uma cadeira elétrica (quase literalmente, diga-se), a carroceria foi toda recuperada com painéis de alumínio novos onde foi necessário, e recebeu uma gaiola de proteção feita sob medida. Porque só assim para pilotar um carro de 9 segundos com entre-eixos tão curto com um mínimo de segurança. Até porque ele chega a assustar de tão rápido.
Jonny batizou seu Enfield 8000 como Flux Capacitor, inspirado pelo DeLorean de Back to the Future. Não conseguimos enxergar a relação exata, mas o nome nos parece apropriado para um carro que veio do passado só para ser quase tão rápido quanto os hiperesportivos mais avançados da atualidade.
E parece divertido. Olha só o que Jonny diz em seu site, inteiramente dedicado ao projeto:
O carro jamais parece sair de sua zona de conforto. Para ser honesto, eu até desconectei o velocímetro e dirijo apenas sentindo a aceleração. E você esquece rapidinho o quanto ele é pequeno quando a luz fica verde. O torque instantâneo é algo que eu jamais senti em 15 anos de experiência dirigindo e testando esportivos.
Se for tudo isto mesmo, a gente até vai querer dar uma volta no Flux Capacitor algum dia. Sem preconceito.
Fotos: julianhunt.net / flux-capacitor.co.uk