Poucos veículos na história do automóvel carregam nas linhas de carroceria, tão despretensiosamente utilitárias, a assinatura de uma era. O Jeep Willys militar — ou simplesmente Jeep, como o mundo inteiro passou a chamá-lo — não nasceu para vencer salões de design, nem para conquistar famílias nos subúrbios americanos. Ele nasceu para a guerra. Para atravessar lama, cascalho e trincheiras. Para seguir adiante quando tudo mais atolava. Para virar ambulância, metralhadora móvel ou carro de oficial, conforme a necessidade e a sorte do dia.
E ao contrário de praticamente todos os ícones sobre rodas, ele não foi um projeto concebido com tempo, com método e refinamento. Foi um produto de urgência. Uma ideia quase improvisada. Um pedido urgente do Exército dos EUA em 1940, quando o mundo estava desmoronando sob as botas do Eixo. A ordem era clara: construir, em menos de dois meses, um veículo leve de reconhecimento com tração nas quatro rodas, capacidade de carga, aptidão para qualquer terreno e confiabilidade absoluta — tudo isso com o menor peso possível, e com a garantia de que milhares deles poderiam ser produzidos em escala industrial.
Era, em essência, um projeto impossível. E, ainda assim, três empresas se apresentaram ao desafio — uma delas quase anã diante das outras. Foi dessa combinação improvável de concorrência, engenharia de trincheira, cópias disfarçadas e motorizações adaptadas que emergiu o primeiro Jeep. Um veículo que ajudaria a mudar o rumo da Segunda Guerra Mundial.
A antevisão
Nos primeiros dias de setembro de 1939, o alto comando das forças armadas dos EUA sabiam que era só uma questão de tempo para que eles acabassem envolvidos na Guerra. A Wehrmacht havia esmagado a Polônia, invadido a França com velocidade inédita, e agora ameaçava o Canal da Mancha. A máquina de guerra alemã avançava com tanques velozes, infantaria motorizada, apoio aéreo e rádios coordenando tudo em tempo real — um conceito novo e devastador que os alemães chamavam de Blitzkrieg.
Para enfrentá-la, os Aliados precisariam não apenas de coragem e soldados, mas de mobilidade. Era necessário criar rapidamente um veículo que pudesse fazer tudo aquilo que o exército americano ainda fazia a pé, a cavalo ou em caminhonetes civis adaptadas.
O problema é que, na época, as políticas da indústria bélica os EUA estavam defasadas, enquanto os alemães vinham construindo sua frota de guerra desde 1933. Foi quando o governo alemão exigiu das fabricantes a produção exclusiva de modelos de caminhões e utilitários aprovados pelas forças armadas, a Wehrmacht. Desta forma, em caso de guerra, eles já teriam projetos e produção prontos, o que tornaria a produção muito mais eficiente. Os EUA, por sua vez, haviam atualizado somente uma regra: a padronização de categorias de chassi com base na capacidade de carga — de meia tonelada a sete toneladas e meia, sempre de modelos produzidos comercialmente por, no mínimo, duas fabricantes concorrentes.

O Exército ainda era obrigado a usar caminhões e peças comerciais padronizadas, que tivessem apenas modificações mínimas, como protetores de grade, ganchos de reboque etc. Veículos com projeto exclusivo para uso militar estavam fora de cogitação. Uma frota inteira desse tipo de veículo? Era algo que os EUA sequer imaginavam.
A justificativa, contudo, era razoável: garantir produção rápida no início de uma guerra, garantindo peças de reposição para manter a frota ativa. Isso, claro, sem intervenção do estado na indústria, como fizeram os alemães.
Em resposta, o presidente Franklin Roosevelt emitiu uma proclamação de emergência em 8 de setembro de 1939. Ela autorizava os EUA a ampliar o efetivo tanto do Exército regular quanto da Guarda Nacional. O Departamento de Guerra também recebeu autorização para gastar mais US$ 12 milhões em transporte motorizado.
Foi assim que o exército dos EUA pôde encomendar, no final de 1939, os caminhões Dodge G505, com tração 4×4 e capacidade de carga de meia tonelada, que foram entregues no início de 1940. Eram os menores caminhões já produzidos para os militares dos EUA, mas ainda eram grandes demais para infantaria e artilharia.

Enquanto isso, na Alemanha, o exército já tinha dezenas de milhares de Einheits-PKW — o veículo leve de passageiros da Wehrmacht. Além disso, para atender a demanda por veículos ainda mais leves, em 1938 os alemães começaram a produzir o Kübelwagen, na fábrica originalmente construída para a produção do Volkswagen. Mais que uma produção atrasada, os americanos estavam atrasados até mesmo na estratégia logística.
Até aquele momento, apenas alguns poucos caminhões de meia tonelada com tração nas quatro rodas modificados por empresas terceirizadas — principalmente Ford adaptados pela Marmon-Herrington — haviam sido adquiridos desde 1935 para testes. Na época, o alto escalão dos militares (e o Congresso, que é quem aprova o orçamento) era de que o sistema 4×4 deixaria os utilitários leves tão pesados, que o ganho de peso anularia as vantagens da tração 4×4.

Mas, após a chegada dos Dodge G505, duas decisões importantes foram tomadas: foi feito um novo pedido em grande escala desses utilitários — cerca de 80.000 unidades para a linha de produção do ano-modelo 1941 —, e também, em junho de 1940, as categorias de capacidade de carga dos caminhões táticos do Exército foram revisadas. Pela primeira vez, o Exército criou uma nova classe de chassis 4×4 de um-quarto de tonelada (250 kg) e, logo acima dela, os chassis meia tonelada (500 kg) seriam substituídos por uma nova categoria de três-quartos de tonelada (750 kg).
Foi quando os representantes da Bantam entraram em cena, sugerindo um contrato para desenvolver versões militares de seu carro leve. Na época, a Bantam produzia modelos Austin sob licença nos EUA, e já havia feito um protótipo 4×4 leve inspirado pelo Kurogane Type 95 que os japoneses usaram na invasão da Manchúria a partir de 1936.

Em junho de 1940, contudo, o Corpo de Material Bélico (Ordnance Corps) criou um Subcomitê Técnico, incumbido de formular as especificações técnicas para esse novo veículo tático leve, com tração nas quatro rodas e capacidade para transportar pessoal e equipamentos em terrenos acidentados. No final daquele mês, com a consultoria da American Bantam, o Corpo de Intendência (Quartermaster Corps) emitiu as especificações iniciais.
Uma nova categoria de veículo
Em condições normais, pareceria piada de engenheiro-chefe em tarde de sexta-feira: um veículo de reconhecimento leve, com tração nas quatro rodas, peso total de, no máximo 1.200 libras (cerca de 540 kg), capacidade de carga de 600 libras (cerca de 275 kg), motor a gasolina de no mínimo 85 lb·ft (11 kgfm) de torque, entre-eixos de, no máximo, 75 polegadas (1,91 m; não por acaso, o mesmo da picape da American Bantam), espaço para três pessoas, para-brisa rebatível, faróis protegidos, capacidade de rodar em qualquer terreno, subir inclinações de 30 graus, carroceria em formato retangular, e ser desmontado com facilidade para transporte — tudo isso entregue em um prazo de 49 dias, com mais 70 protótipos prontos em menos de 90 dias.
Após a publicação do edital, 135 fabricantes de automóveis ou equipamentos similares foram contatados por carta do governo, convidando-os a apresentar propostas até o dia 22 daquele mês — um prazo de apenas onze dias.
Inicialmente, apenas a American Bantam Car Company e a Willys-Overland entraram na disputa. E somente a Bantam forneceu um conjunto completo de desenhos técnicos. A Ford entrou mais tarde, após ser procurada diretamente — aqui é importante lembrar que Henry Ford nutria certa admiração pelas ideias do governo alemão, e ele já tinha fábricas instaladas naquele país.
Embora a Willys tenha feito a proposta financeira mais baixa, ela acabou penalizada por precisar de mais dias para construir um protótipo — e a multa por dia extra fazia seu custo final ultrapassar o da Bantam, que acabou vencendo o contrato por ser a única empresa a se comprometer a entregar um protótipo em 49 dias e outras 70 unidades pré-produção em 75 dias.
O engenheiro-chefe e gerente da fábrica da American Bantam, Harold Crist, era um engenheiro experiente, que havia trabalhado nos primeiros projetos da Duesenberg e passado 18 anos como engenheiro na Stutz Motor Company, de Indianápolis. Também teve uma breve passagem pela Marmon antes de se juntar à Bantam, onde atuou de 1937 a 1942. Crist recrutou o projetista independente Karl Probst, de Detroit, para colaborar no desenvolvimento. Probst inicialmente recusou a proposta da Bantam, mas aceitou trabalhar sem remuneração após um pedido direto do Exército, começando seus trabalhos em 17 de julho de 1940.
Probst elaborou os desenhos técnicos completos do protótipo da American Bantam — conhecido como Bantam Reconnaissance Car ou BRC Pilot — em apenas dois dias, e no dia seguinte preparou a estimativa de custos. A proposta da Bantam foi enviada dentro do prazo final de 22 de julho, já acompanhada de todas as plantas técnicas.

A American Bantam havia adquirido os ativos da American Austin Car Company em processo de falência, e havia desenvolvido sua própria linha de carros pequenos e tecnologia de motores, livres de qualquer licença da britânica Austin Motor Company.
Por ser a única fabricante de carros compactos nos Estados Unidos na época, sua proposta de projeto inicialmente buscava aproveitar ao máximo componentes comerciais prontos — daí a sugestão do entre-eixos de 75 polegadas. A Bantam adaptou estamparias da dianteira da sua linha de carros para o protótipo, como o painel corta-fogo, o painel de instrumentos e os para-lamas dianteiros arredondados.

Crist logo percebeu que o novo veículo teria de ser um projeto totalmente novo — e não apenas uma versão modificada de um modelo existente da Bantam. Os engenheiros imediatamente começaram a buscar os componentes corretos: câmbio, caixa de transferência, eixos cardã e diferenciais.
Os motores próprios da Bantam entregavam apenas 22 cv, portanto foi escolhido um motor Continental de quatro cilindros, 1,8 litro, com 45 cv e 11,9 kgfm de torque, acoplado a um câmbio da Warner. A transmissão com tração nas quatro rodas incluía componentes sob medida: uma caixa de transferência Spicer, que enviava o movimento para os dois eixos — ambos também fornecidos pela Spicer, eram originalmente eixos traseiros do Studebaker Champion, adaptados para uso com tração integral.
O uso de componentes automotivos prontos e disponíveis no mercado onde fosse possível ajudou a acelerar o projeto e a elaboração dos desenhos técnicos. Trabalhando de forma reversa, Karl Probst e os desenhistas da Bantam converteram em plantas técnicas o que Crist, alguns engenheiros e mecânicos haviam montado manualmente na fábrica.

O protótipo, construído à mão, foi concluído praticamente sem testes prévios, e foi dirigido por Crist e Probst até o centro de testes veiculares do Exército em Camp Holabird. A entrega foi feita às 16h30 do dia 23 de setembro de 1940 — apenas meia hora antes do fim do prazo.
A convocação de Willys e Ford
Apesar de vencer a concorrência, a Bantam estava em uma situação financeira delicada na época. Além disso, ela era especializada em carros compactos em uma era na qual o tamanho dos carros era uma afirmação pessoal e social e não havia preocupação com o consumo de combustível. Ela nunca foi uma empresa grande de verdade. Por isso, o Departamento de Guerra percebeu que a American Bantam não tinha capacidade industrial nem recursos financeiros suficientes para produzir o veículo na escala necessária para as forças armadas.
Os militares então convocaram os outros dois concorrentes do processo — Willys e Ford — e pediram que desenvolvessem seus protótipos. Para acelerar o desenvolvimento dos protótipos da Ford e da Willys, o Departamento de Guerra enviou a eles as plantas do modelo da Bantam, alegando que o governo detinha os direitos de todos os projetos apresentados nas propostas da licitação. Além disso, enquanto o protótipo da Bantam era avaliado pelos militares entre setembro e outubro de 1940, os engenheiros da Ford e da Willys foram convidados a assistir aos testes, com plena liberdade para observar o veículo e estudar seu desempenho.

A American Bantam decidiu não contestar essa decisão, e continuou a produção dos 70 protótipos adicionais, conforme o contrato inicial. O protótipo original permaneceu com os militares para os testes de resistência e durabilidade, além de receber correções e melhorias improvisadas para corrigir fragilidades — os para-lamas curvados, por exemplo, foram trocados por novos para-lamas planos, que poderiam ser usados como mesa ou bancada.
Em novembro de 1940, após o fim dos testes do BRC, a Ford e a Willys entregaram seus primeiros protótipos para o comparativo das forças armadas.
O protótipo da Willys era batizado “Quad”, e tinha como principal trunfo o motor “Go Devil” de 2,2 litros, que produzia 60 cv brutos e 11 kgfm a 2.000 rpm — um desempenho significativamente melhor do que o motor 1.8 de 45 cv usado pela Bantam. Também usava peças de baixo custo e fácil reposição, como os faróis do Ford Model A.

O protótipo da Ford era o Pygmy, e apostava na robustez do conjunto mecânico e eficiência de produção. O projeto da dianteira do Pygmy era uma aula: os faróis foram integrados lado a lado atrás de uma grade plana e reta, tudo estampado em peça única, barata e funcional, sob um capô largo, plano e horizontal — que podia ser usado como mesa improvisada. O capô podia ser aberto até encostar no para-brisa em posição vertical, sem necessidade de haste de sustentação, oferecendo acesso total ao motor. O motor, aliás, era seu ponto fraco: faltava fôlego e ele era pouco confiável com as adaptações feitas para atender a especificação mínima de potência.

Àquela altura, contudo, as forças armadas dos Estados Unidos estavam com tanta pressa — e aliados como Reino Unido, França e União Soviética queriam adquirir esses novos “Blitz-Buggies” — que os três veículos foram declarados “aceitáveis”. Foram encomendadas 1.500 unidades de cada fabricante para testes em campo e exportação. Nesse momento, reconheceu-se que o limite de peso original (que nem mesmo o Bantam atualizado conseguia atender) havia sido subestimado, e ele foi elevado para 2.160 libras (980 kg). Em 22 de janeiro de 1941, o Comitê Técnico do Corpo de Intendência recomendou a padronização dos veículos entre todos os fabricantes.
Nas séries de pré-produção seguintes, cada um dos utilitários passou por refinamentos. O modelo da Bantam passou a se chamar BRC 40. A produção começou em 31 de março de 1941, com um total de 2.605 unidades construídas até 6 de dezembro — o número foi aumentado porque tanto o Reino Unido quanto a URSS já haviam solicitado mais unidades por meio do programa de empréstimos e arrendamentos.
O Bantam BRC era o mais leve e ágil dos três primeiros modelos de produção, e o Exército elogiava sua boa suspensão, bons freios e baixo consumo de combustível. No entanto, como a empresa não conseguia atender à demanda do Exército — 75 veículos por dia — os contratos de produção também tiveram de ser concedidos à Willys e à Ford.

O jipe de pré-produção da Ford foi chamado de “GP”, sendo que a letra “G” indicava um contrato com o governo (Government), e o “P” foi escolhido pela Ford para designar um veículo com entre-eixos de 80 polegadas (203 cm). O Ford GP não foi apenas o mais numeroso dos primeiros jipes de produção — com cerca de 4.458 unidades — como também foi o primeiro jipe a ser distribuído em grande quantidade às unidades do Exército dos EUA. O projeto geral e a qualidade de construção da Ford apresentavam vantagens sobre os modelos da Bantam e da Willys, mas o motor de trator do GP era fraco e pouco confiável.

A Willys-Overland foi a última das três fabricantes a iniciar a produção preliminar, começando apenas em 5 de junho de 1941. A empresa precisou reduzir o peso do modelo Quad em 110 kg e, depois de vários refinamentos, o rebatizou como Military model A, ou simplesmente “MA”. A. Foram produzidas apenas 1.555 unidades do MA, das quais a maioria foi enviada à União Soviética por meio do programa de Empréstimos e Arrendamentos (Lend-Lease).
A unificação dos projetos
O Departamento de Guerra desejava padronizar o projeto e decidiu selecionar um único fabricante para fornecer o próximo pedido de 16.000 veículos. A Willys ganhou o contrato principalmente por seu motor muito mais potente de 60 cv, que os soldados adoravam, além do seu custo menor e perfil mais compacto. Os elementos superiores dos concorrentes, como a suspensão do Bantam e a dianteira do Ford, foram incorporadas ao modelo da Willys, que mudou da designação “MA” para “MB”.

O problema é que estava claro que uma única fabricante não seria capaz de fabricar todos os carros que as forças aliadas precisavam e, por isso, o exército americano concedeu à Ford um contrato para produzir outras 30.000 unidades do Willys MB. A Ford, contrariada, propôs um aumento do deslocamento do motor do GP, mas o governo recusou, exigindo a padronização para garantir intercambialidade de peças. A Willys não receberia royalties, então a Ford acatou o pedido. O modelo Ford foi rebatizado como “GPW” — o W indicando a origem Willys. Antes do final do ano, o governo dos EUA encomendou mais 63.000 unidades do GPW.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Willys produziu 363.000 jipes e a Ford cerca de 280.000. Cerca de 50.000 foram exportados para a URSS por empréstimo ou arrendamento. A Bantam chegou a modificar o BRC mais uma vez, mas somente para atender a um pedido das forças britânicas — cerca de 1.100 veículos, conhecidos como BRC-40, mas agora de produção em série. Depois disso, nenhum pedido do BRC foi feito à fabricante, embora ela tenha produzido 10.000 reboques para jipes, o que foi suficiente para manter a empresa ativa até ser adquirida em 1956.

A Willys produziu seus primeiros 25.808 jipes MB com uma grade feita de barras planas de ferro soldadas. A Ford, em 1942, implementou uma nova grade, estampada em aço com nove fendas verticais, dispensando a montagem do painel por trás da grade fundida original. Assim, ela era mais leve, usava menos recursos e era mais barata e rápida de fabricar. O chassi da Ford ainda tinha uma travessa frontal em U invertido em vez de uma barra tubular, e a letra “F” da Ford era estampada em várias pequenas peças.

As diferenças também se davam em variações da linha de produção devido à agilidade exigida pela guerra. Os primeiros Ford GPWs tinham chassi com design Willys e no final de 1943 alguns GPWs saíram com carroceria Willys sem modificações. Em 1945, a Willys produziu alguns MB com escapamento modificado para atravessar atoleiros e limpadores de para-brisa a vácuo.

As diferenças nos detalhes da carroceria continuaram até janeiro de 1944, quando o exército definiu que a produção da carroceria ficaria a cargo da American Central e enviada a Ford e Willys. A American Central já produzia as carrocerias da Willys desde o MA e também carrocerias da Ford a partir de 1942, mas até janeiro de 1944 cada uma era feita de forma diferente.
O nome jeep
É comum a ideia de que o Jeep ganhou esse nome por causa da sonoridade em inglês para a sigla GP, que, supostamente, significaria “general purpose” ou “uso geral”, em uma tradução livre. A denominação “general purpose, contudo, nunca foi usada pelas forças armadas dos EUA. O único “GP” ligado aos militares é mesmo o Ford GP.
Mas o nome jeep também não veio desse GP da Ford. Ao menos não diretamente. Em 1936, o cartunista E. C. Segar já havia usado a palavra Jeep para batizar um de seus personagens. Você deve conhecer o cartum: trata-se de Eugênio, o Jeep Mágico (Eugene the Jeep), um dos amigos do marinheiro Popeye. Ele é um animal da espécie fictícia Jeep, originária da quarta dimensão, que veio parar no mundo tridimensional meio por acaso. Entre suas habilidades está a capacidade de resolver problemas difíceis e transitar entre as dimensões. Essa habilidade do Jeep Eugênio ir e voltar para qualquer lugar e resolver problemas supostamente inspirou o nome do veículo militar, segundo uma das hipóteses sobre a origem do nome.
Acontece que antes mesmo do jeep Eugênio, a palavra jeep já era uma gíria usada pelos militares desde a década de 1910. A palavra era usada para designar qualquer coisa que fosse insignificante, esquisita ou boba. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919) os mecânicos a usavam para se referir a qualquer veículo novo e até traquitanas motorizadas. Qualquer mesmo: de motosserras a aviões.
Os tratores da Minneapolis Moline que foram fornecidos ao Exército dos EUA a partir de 1937 também eram chamados de jeeps, assim como um dos protótipos do lendário Boeing B-17 (a fortaleza voadora), o Model 299, que decolou pela primeira vez em 1935. Segundo os historiadores, essa gíria possivelmente influenciou E.C. Segar ao batizar o amigo mágico do marinheiro Popeye, o que elimina a hipótese de que o Jeep tenha sido batizado pelo personagem.
Além disso, em um artigo de 1991 publicado pela Sociedade dos Engenheiros Mecânicos da América, Jack Keenan, um veterano da 3ª Divisão de Blindados que lutou na Segunda Guerra, disse que os primeiros jipes não eram chamados de Jeep, e sim de “Peep”. Na ocasião ele publicou seus desenhos feitos durante as manobras de treinamento no deserto de Louisiana e outros veteranos contemporâneos confirmaram o uso do nome “Peep”.
Durante a Segunda Guerra, algumas unidades chamavam os jipes de “bantams”, e também havia variações do nome para outros veículos, como “beep” para os Dodge Commander e “seep” para os anfíbios Ford GPA.
O que tornou o nome jeep fortemente associado ao carro que hoje conhecemos como Jeep, foi uma apresentação do veículo aos congressistas em Washington D.C. O jipe da Willys foi levado ao Capitólio e demonstrou suas capacidades de superar obstáculos subindo as escadaria em frente ao prédio com os políticos a bordo. O jornal Washington Post publicou uma foto com a seguinte legenda:
“Legisladores pegam uma carona – Com o senador Meade, de Nova York, ao volante, e o deputado Thomas, de Nova Jersey, ao seu lado, um dos novos carros de escolta do Exército, conhecidos como ‘jeeps’ ou ‘quads’, escala os degraus do Capitólio em uma demonstração realizada ontem.”
A publicação no nome jeep na legenda fez o carro ser chamado por esse nome também pelos civis. Assim o carro passou a ser conhecido e reconhecido como jeep. Em 1943 a Willys-Overland patenteou o nome e em 1946 o transformou em marca registrada.
O Jeep na Guerra
Os Estados Unidos forneceram o MB para quase todos os Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Índia, a França Livre, a URSS e a China receberam jipes, principalmente pelo programa americano de Lend-Lease. Cerca de 182.500 unidades foram fornecidas aos Aliados somente pelo Lend-Lease. Quase 105.000 foram para o Império Britânico, incluindo Austrália e Índia, mais de 8.000 para o Canadá, e cerca de 50.000 para a União Soviética. A França Livre recebeu quase 10.000, e a China, quase 7.000.

Nas campanhas do Norte da África, as capacidades do jipe superavam tanto os veículos britânicos que não era incomum que jipes resgatassem caminhões de três toneladas atolados na areia. Em combate, os britânicos usavam seus jipes em grupos de até cinquenta ou sessenta para atacar as linhas de suprimento de Rommel de surpresa, aproveitando a baixa silhueta do jipe; podiam ficar escondidos atrás das dunas e surpreender o inimigo.
Sua silhueta se tornou onipresente. Dos desertos do Norte da África aos arrozais do Pacífico, do Dia D às ruas de Paris libertada, não havia imagem da Segunda Guerra sem um Jeep ao fundo — ou em primeiro plano. O símbolo da estrela branca no capô, os pneus 6.00-16 agarrando qualquer terreno e o ronco metálico do motor Go Devil formaram a assinatura visual e a trilha sonora da marcha aliada rumo à vitória. Eles se tornaram tão comuns que algumas tropas alemãs acreditavam que cada soldado americano tinha seu próprio jipe.

Os jipes serviam como incansáveis “bestas de carga” para transporte de tropas e reboque de trailers de suprimentos, carregando água, combustível e munição, e enfrentando os terrenos mais difíceis. Realizavam missões ágeis de reconhecimento, eram frequentemente usados como ambulâncias para os feridos e também como veículos funerários. Serviam ainda como postos de comando móveis ou plataformas de armas — seja com metralhadoras montadas ou rebocando pequenas peças de artilharia para áreas “inalcançáveis” em terrenos inóspitos.
O capô plano do Jeep era usado como mesa de mapas para comandantes, altar de campo para capelães, mesa de pôquer dos soldados ou até para cirurgias de campo. No caos da guerra, os jipes serviam a todo tipo de propósito imaginável: como gerador de energia, fonte de luz, fogareiro improvisado para rações de campo ou fonte de água quente para barbear. Equipados com ferramentas apropriadas, podiam abrir caminho na neve ou cavar longos sulcos para passagem de cabos elétricos pesados em pistas de pouso na selva — instalados por outro jipe que vinha logo atrás.

Ele realizou tarefas para as quais nunca foi projetado, desde carregar munição para locais onde outros veículos não conseguiam chegar até servir como ambulância cross-country em estradas e regiões consideradas praticamente intransitáveis.” O jornalista de guerra vencedor do prêmio Pulitzer, Ernie Pyle, escreveu: “Ele faz tudo. Vai a todo lugar. É fiel como um cão, forte como um burro e ágil como uma cabra. Carrega constantemente o dobro do que foi projetado para aguentar e ainda continua funcionando.”

Apesar de algumas limitações, o jipe era apreciado pelos militares, que o consideravam um carro versátil, fácil de manobrar, confiável e quase indestrutível. Muitos soldados valorizavam a combinação de motor potente, peso baixo, carroceria aberta, bancos individuais e câmbio manual no chão — era o mais próximo de um esportivo que a maioria dos soldados havia dirigido até então. Até mesmo os nazistas admiravam o jipe mais do que qualquer outro equipamento americano, e era o veículo que mais gostavam de capturar para uso geral.
Depois da guerra

A Willys-Overland registrou a marca “Jeep” em 1943. A partir de 1945, a Willys começou a comercializar seu veículo 4×4 para o público em geral com as versões CJ (Civilian Jeep), tornando-os os primeiros carros civis 4×4 produzidos em grande escala. Mesmo antes de os jipes para uso civil terem sido efetivamente criados, a edição de 3 de janeiro de 1944 da revista Life publicou uma matéria intitulada: “Civis dos EUA Compram Seus Primeiros Jeeps”.
Para conseguir registrar a grade como marca registrada após a guerra, a Willys adotou uma variação com sete fendas, em vez das nove do desenho original da Ford. Isso vale tanto para os “Jipes Civis” (CJ) da Willys quanto para os modelos militares M38 e M38A1. Por meio de uma série de aquisições e fusões corporativas, a AM General Corporation acabou ficando com os direitos de uso da grade de sete fendas — hoje uma marca registrada da Jeep.
Já em 1942, o designer industrial Brooks Stevens teve a ideia de criar um carro civil chamado Victory Car, baseado no chassi do jipe. O projeto nunca entrou em produção, mas a Willys gostou da ideia e contratou Brooks Stevens para importantes trabalhos de design, incluindo a Willys Jeep Station Wagon de 1946, o Willys Jeep Truck de 1947, o Willys-Overland Jeepster de 1948, além do Jeep Wagoneer, produzido de 1963 a 1993.

Em 1948, a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos concordou com a American Bantam que a ideia de criar o Jeep foi originada e desenvolvida pela American Bantam em colaboração com o Exército dos EUA, assim como a Ford e a Spicer. A comissão proibiu a Willys de alegar, direta ou implicitamente, que havia criado ou projetado o Jeep, permitindo-lhe apenas afirmar que contribuiu para o desenvolvimento do veículo. O processo por marca registrada iniciado e vencido pela Bantam foi uma vitória vazia: a American Bantam faliu em 1950, e a Willys recebeu a marca registrada “Jeep” no mesmo ano.
Os primeiros CJ eram praticamente idênticos ao MB, exceto por alterações como limpadores de para-brisa a vácuo, uma tampa traseira, estepe montado na lateral, e o conjunto de luzes obrigatório para uso nas ruas. Além disso, os jipes civis tinham bancos mais confortáveis, detalhes cromados e estavam disponíveis em várias cores. Mecanicamente, uma transmissão mais robusta T-90 substituiu a T84 do Willys MB para atrair o público rural.
A Willys-Overland e suas sucessoras, Willys Motors e Kaiser Jeep, continuaram a fornecer jipes militares para o exército dos EUA até o final da década de 1960. Em 1950, foi lançado o primeiro jipe militar pós-guerra, o M38 (ou MC), baseado no CJ-3A de 1949. Em 1953, ele foi rapidamente sucedido pelo M38A1 (ou MD), com uma nova carroceria de para-lamas arredondados para acomodar o novo e maior motor Willys Hurricane. Esse jipe foi a base do CJ-5, lançado em 1955. De forma semelhante, sua versão ambulância, o M170 (ou MDA), com um entre-eixos alongado em 20 polegadas, foi transformada no CJ-6 civil.

Em 1976, após mais de duas décadas, a Jeep complementou o CJ-5 com um novo modelo CJ, o CJ-7. Embora ainda fosse uma evolução direta do CJ-5 de para-lamas arredondados, ele tinha uma distância entre eixos 25 cm (10 polegadas) maior. E, pela primeira vez, um CJ passou a ter portas, assim como uma capota rígida disponível. Desde então, novas evoluções derivaram do CJ-7 – a partir de 1987 conhecidos como Jeep “Wranglers”.

No entanto, eles são considerados descendentes diretos do jipe da Segunda Guerra Mundial. Os Wranglers de 2018 ainda possuem uma carroceria separada, aberta no topo, chassi em escada, eixos rígidos sólidos dianteiro e traseiro, com tração 4×4 parcial e marchas altas e baixas. A carroceria compacta mantém a grade e o perfil característicos da Jeep e ainda pode ser conduzida com as portas removidas e o para-brisa dobrado para frente.
Uma ferramenta com alma
Poucos veículos foram tão além de sua própria função quanto o Jeep. Ele nasceu para a guerra, sobreviveu à paz e, mais do que isso, ajudou a moldar o mundo como o conhecemos. Não era bonito, não era confortável e certamente não era sofisticado. Mas nunca precisou ser. O Jeep foi criado para vencer terrenos, e acabou vencendo também o tempo.
Ele inspirou a criação de toda uma linhagem de utilitários, civis e militares. Definiu o conceito de tração nas quatro rodas como símbolo de liberdade, capacidade e resistência. Seus derivados foram o primeiro carro de milhões de pessoas em zonas rurais, zonas de combate e zonas de reconstrução. E mesmo depois de tudo isso, continuou evoluindo, sem nunca perder a essência.
Hoje, mais de 80 anos depois, quando um Wrangler encara uma trilha com o para-brisa dobrado e as portas removidas, ele carrega mais do que barro nos pneus: carrega a herança direta de um veículo que enfrentou o pior da humanidade para provar que, sim, uma ferramenta de guerra também podem ter alma.
Por isso, o Jeep MB não é apenas um dos 50 carros que mudaram o mundo. Ele também é o único que ajudou salvá-lo.