FlatOut!
Image default
Car Culture

Carros que mudaram o mundo #17: Chevrolet Corvette

Poucos carros conseguiram, ao mesmo tempo, desafiar e definir a identidade automotiva de um país como o Corvette. Nascido do conflito entre duas culturas — a americana da opulência e dos V8, e a europeia da leveza e da agilidade —, o primeiro Corvette surgiu quase como um experimento ousado. Um exercício de estilo embalado em fibra de vidro, lançado por uma GM que, naquela altura dos anos 1950, era mais conhecida por seus sedãs conservadores e caminhões do que por esportivos de dois lugares. Mas o Corvette não nasceu pronto. Pelo contrário: sua origem é marcada por hesitação, improviso e um salvamento em cima da hora que só seria possível em um lugar como a América do pós-guerra.

Esta é a história de como o Corvette nasceu de um impulso — quase uma vaidade — e se transformou em símbolo de potência, liberdade e rebeldia. Uma história que começa nos salões europeus, passa por um quartel militar em Oklahoma e termina nos corações de milhares de americanos que queriam um carro que gritasse liberdade em cada aceleração.

 

Um resposta americana

O Corvette não existiria sem a Segunda Guerra Mundial. E não estamos falando da guerra em si, mas de seu efeito colateral mais inesperado: o gosto dos soldados americanos pelos carros esportivos europeus.

Durante o conflito e nos anos seguintes, milhares de soldados estacionados na Inglaterra e na Europa continental descobriram máquinas como o MG TC, o Triumph TR2, o Jaguar XK120 e os Alfa Romeo da época. Eram carros pequenos, leves, ágeis — diametralmente opostos aos carros americanos da época, que eram longos, macios e feitos para cruzar as dimensões continentais dos EUA.

Muitos desses soldados voltaram para casa seus roadsters comprados a preço de banana, e começaram a correr com eles em estradas sinuosas e pistas improvisadas. O movimento cresceu tanto que deu origem ao Sports Car Club of America, fundado em 1944, e ao fenômeno cultural do esportivo de dois lugares. Um fenômeno que a indústria americana inicialmente ignorou.

SCCA no início dos anos 1950 – só esportivos britânicos

Ou melhor, parte da indústria. Por que Harley Earl, então chefe de design da GM e criador do conceito de “carro-show”, estava atento.

Em 1951, Earl começou a pensar em um carro esportivo americano para rivalizar com os carros trazidos pelos soldados, um roadster para duas pessoas ao estilo dos europeus, mas com alma americana. Ele sabia que a GM precisava de algo novo e visualmente atraente. Algo que pudesse ser mostrado em um salão e provocar o público como fazem os carros conceito. Foi quando ele deu início ao projeto EX-122.

A equipe de Earl começou a trabalhar em segredo. Ele queria um carro que usasse peças da prateleira da Chevrolet — motor seis-cilindros Blue Flame, suspensão dianteira do sedã 210 e eixo traseiro rígido. O que faria dele um esportivo seria a carroceria moldada em fibra de vidro, um material leve e revolucionário para a época.

O nome veio do mar: “Corvette”, uma pequena embarcação de guerra usada pela marinha britânica, evocando velocidade e agilidade. Era um nome com alma, e soava bem em qualquer idioma. E assim, no Motorama de Nova York em janeiro de 1953, o Corvette foi revelado.

 

Uma infância difícil

O Corvette de 1953 era um paradoxo sobre rodas. Ao mesmo tempo em que representava o futuro, com sua carroceria de fibra de vidro, perfil baixo e interior esportivo, por dentro ainda era um Chevrolet com motor antiquado e câmbio automático de duas marchas. Isso não importou naquele primeiro momento.

A apresentação do Corvette

Quando o carro surgiu no salão do Hotel Waldorf-Astoria em janeiro de 1953, ele simplesmente hipnotizou o público. Era branco pérola com interior vermelho vivo, um roadster de dois lugares com linhas aerodinâmicas e um nome forte, que fazia as pessoas desejarem aquele carro. Foi o começo do sonho.

A Chevrolet ficou tão surpresa com a recepção que acelerou o projeto para a linha de produção. Mas “linha de produção” talvez seja exagero: os primeiros 300 exemplares foram montados quase à mão em uma fábrica improvisada na cidade de Flint, Michigan, por uma equipe que nunca havia trabalhado com fibra de vidro. Cada carro levava semanas para ficar pronto. E mesmo assim, os primeiros Corvette de 1953 estavam longe de ser perfeitos.

Sob o capô, o seis-cilindros Blue Flame de 3,8 litros entregava 150 cv — número respeitável para a época, mas decepcionante para um esportivo com aquele visual futurista e sugestivo do Corvette.

Pior: era sempre acoplado à caixa Powerglide automática de duas marchas. Ou seja, o carro parecia um foguete, mas andava como um comportado Bel Air. Nem mesmo os freios ou a suspensão tinham qualquer preparo para um uso esportivo. Para quem havia dirigido um Jaguar XK120 ou um MG TD, o Corvette era um enfeite de garagem.

A ideia era fazer um carro exclusivo, e por isso a produção de 1953 ficou restrita a 300 unidades. Mas, com a euforia do lançamento, a GM acreditava que havia criado um fenômeno. Em 1954, aumentaram a produção para 3.640 unidades, com direito a nova fábrica em St. Louis. Só esqueceram de um detalhe: quase ninguém queria o carro.

As concessionárias Chevrolet estavam acostumadas a vender o Bel Air e caminhonetes. Não sabiam o que fazer com um roadster de dois lugares e preço alto. O Corvette era caro (custava mais de US$ 3.400 quando o Bel Air variava de US$ 2.000 a US$ 2.500), era desconfortável e lento para sua proposta, e vinha apenas em branco, vermelho ou preto. Para piorar, a Ford estava prestes a lançar o Thunderbird, mais luxuoso e com V8 de série.

Por isso, logo em seu primeiro ano de vida, o Corvette já era um carro condenado. Dos 3.640 carros produzidos, metade foi vendida e o resto encalhou nos pátios das concessionárias ou ficou escondido em depósitos, esperando por clientes que não viriam. A GM começava a se perguntar se não havia cometido um erro ao tentar fazer um carro esportivo à americana. E tudo indicava que sim.

O problema era que o Corvette parecia esportivo demais para o cliente comum da Chevrolet, mas era esportivo de menos para quem realmente queria um esportivo. Não era rápido, não era bem-acertado, não tinha um motor à altura do visual. O câmbio automático de duas marchas não combinava com a proposta, e a suspensão, herdada dos sedãs convencionais, não fazia questão de esconder sua vocação confortável. Era, no fim, um carro bonito, mas com uma forte crise de identidade — e com o emblema errado.

Enquanto isso, do outro lado da rua, a Ford preparava sua resposta. O Thunderbird de 1955 era tudo o que o Corvette não era: um conversível de dois lugares com V8 de série, interior luxuoso, acabamento impecável e um marketing muito mais eficaz. Quando o T-Bird chegou às lojas, vendeu 16.000 unidades logo no primeiro ano. Era um carro para o público-alvo certo — ainda que não fosse o esportivo americano para rivalizar com os europeus. Foi justamente por isso que a diferença do sucesso entre os dois acabou sendo um golpe tão humilhante para a Chevrolet.

No alto escalão da GM, a decisão de matar o Corvette já estava sendo cogitada. Afinal, qual o sentido de manter um carro que não vendia, comprometia a imagem da marca e ainda consumia recursos de produção e engenharia? Em qualquer outra circunstância, o Corvette teria sido encerrado ali, como tantos outros protótipos que foram longe demais. Mas foi nesse momento que entrou em cena o homem certo, na hora certa, com a obsessão certa.

 

Zora Arkus-Duntov

O nome é russo, mas Zora Arkus-Duntov nasceu na Bélgica, onde seus pais (que eram russos) trabalhavam na época. Ainda na infância, a família voltou a São Petersburgo — então rebatizada como Petrogrado — e seus pais se separaram. Na União Soviética sua mãe conheceu outro engenheiro de mineração, Josef Duntov, e casou-se com ele, mas com a consolidação do Stalinismo e as mudanças radicais promovidas para a instalação do regime socialista, a família refugiou-se em Berlim.

Na capital alemã, Duntov comprou uma moto de 350 cm³ para disputar corridas e usá-la como seu transporte diário. Com a popularização dos carros e motos, Duntov abandonou seu sonho de infância de se tornar motorneiro e decidiu estudar engenharia mecânica na Universidade Técnica Charlottenburg. Nessa mesma época, por pressão de seus pais, ele trocou sua moto por um carro. Um carro de corrida, claro.

Formado engenheiro, ele começou a escrever para a revista Auto Motor und Sport, mas nessa mesma época o então premiê da alemanha, Adolf Hitler, resolveu “tomar de volta” um pedaço da Polônia e acabou colocando o mundo em chamas.

Àquela altura Duntov já estava casado com uma francesa e vivendo em Paris. Alistou-se na Força Aérea de França, mas, com a rendição francesa, ele precisou fugir mais uma vez. Com a ajuda do consulado espanhol em Marselha, ele conseguiu vistos para sua esposa, para seus pais e para seu irmão. Sua rota de fuga envolveu até mesmo uma corrida contra o relógio (e contra a captura pelos alemães) a bordo de um MG entre Paris e Bordeaux. Duntov e seu irmão reencontraram os parentes e juntos foram todos para Portugal, onde embarcariam para Nova York.

Duntov chegou aos EUA justamente durante a efervescência da cultura hot rodder. Foi a primeira vez em que ele estava no lugar certo e na hora certa. Seus novos amigos automobilistas eram egressos do exército e da aeronáutica, os mesmos que desenvolveram conhecimento de mecânica e aerodinâmica na Guerra, e agora as aplicavam aos seus carros para torná-los mais rápidos.

Estes ex-combatentes encontraram no motor flathead da Ford uma base mecânica robusta e versátil para extrair mais potência. Duntov não era apenas um desses caras: ele também era engenheiro mecânico. Junto de seu irmão, eles criaram a Ardun (contração de seus sobrenomes Arkus e Duntov) e desenvolveram um kit para converter os motores flathead em OHV, com válvulas no cabeçote e câmaras de combustão hemisféricas. Os ganhos eram significativos e o kit fez um grande sucesso naquele período seminal da cultura hot rodder.

O sucesso foi tanto que eles logo estavam com 300 funcionários, mas após uma série de decisões equivocadas tomadas por um dos sócios da empresa, eles acabaram falidos e Duntov teve de passar um tempo na Europa, trabalhando para a Allard. Ele chegou até mesmo a pilotar pela fabricante nas 24 Horas de Le Mans de 1952 e 1953, mas nas duas edições o carro quebrou depois de 10 horas de corrida.

Naquele mesmo ano, ele voltou aos EUA e visitou o salão Motorama, uma mostra de conceitos futuristas promovida pela General Motors em Nova York. Foi a segunda vez em que ele era o cara certo na hora certa e no lugar certo: na exposição ele conheceu o protótipo do Corvette e o achou incrível, mas acabou decepcionado ao descobrir que sob aquela bela carroceria de plástico havia um antiquado seis-em-linha pesado e pouco potente.

Zora escreveu uma carta a Ed Cole, engenheiro-chefe da Chevrolet, propondo modificações para melhorar o desempenho do Vette. Cole gostou do que leu e, em 1º de maio de 1953, Duntov tornava-se engenheiro assistente da GM. Logo que chegou à equipe da Chevrolet, Zora escreveu uma carta aos seus superiores, inspirada por sua experiência no cenário hot-rodder, na qual explicava o sucesso dos concorrentes e o que a GM deveria fazer para combatê-los.

A carta era intitulada “Reflexões sobre a Juventude, os Hot Rodders e a Chevrolet”, e dizia o seguinte:

O movimento hot rod e o interesse por tudo que se relaciona com preparação e velocidade continuam crescendo. Como indicativo: as publicações dedicadas ao hot rodding e às modificações, das quais cerca de meia dúzia têm grande circulação nacional, simplesmente não existiam há cerca de seis anos. Da capa à contracapa, estão cheias de Fords

Portanto, não é surpreendente que a maioria dos hot rodders estejam comendo, dormindo e sonhando com Fords modificados. Eles conhecem as peças da Ford de ponta a ponta melhor que o próprio pessoal da Ford.

Um jovem que compra uma revista pela primeira vez é imediatamente apresentado à Ford. É razoável supor que, quando hot rodders ou pessoas influenciadas por esse universo compram veículos, escolhem Fords. À medida que progridem em idade e renda, passam de sucatas a Fords usados, e depois a Fords novos.

Devemos considerar se seria desejável tornar esses jovens simpatizantes da Chevrolet? Acredito que estamos em posição de tentar isso com sucesso. No entanto, há muitos fatores contra nós:

– Lealdade e experiência com a Ford.
– A indústria de performance é voltada para a Ford.
– A lei dos números: milhares já estão — e continuarão — trabalhando com Fords para competição ativa.

O surgimento do V8 com comando no cabeçote da Ford, agora um ano à nossa frente.
Quando surgiu uma linha superior de V8s da GM, houve pouquíssimas tentativas de desenvolvê-los — e nenhuma muito bem-sucedida. Da mesma forma, o lançamento do V8 da Chrysler foi recebido com relutância, mesmo com o sucesso dos Ardun-Ford tendo preparado o terreno para a aceitação do Firepower.

Este ano é o primeiro em que desenvolvimentos isolados da Chrysler encontraram algum sucesso. Os recordes de Bonneville estão divididos entre os Ardun-Ford e os Chrysler.

Na não aceitação dos V8 da GM e no início muito lento da Chrysler, o custo certamente teve papel importante.

Como qualquer pessoa, os hot rodders são atraídos pela novidade. No entanto, a experiência amarga os ensinou que desenvolver algo novo é caro e demorado — por isso, são extremamente conservadores. Pela minha observação, um hot rodder experiente leva cerca de três anos para conseguir desenvolver um novo projeto com sucesso. Os Ford com comando no cabeçote estarão nesse estágio em 1956-1957.

O potencial de um motor V8 Chevrolet é extremamente alto, mas deixar que as coisas sigam seu curso natural nos deixará atrasados em um ano — e mesmo assim, poucos escolherão a Chevrolet como base para preparação.

Parece que, a menos que alguma ação seja tomada para superar as probabilidades e o fator tempo, a Ford continuará dominando o pensamento desse grupo. Um fator que pode, em grande parte, superar essa desvantagem seria a disponibilidade de peças prontas, projetadas para maior desempenho.

Se o uso do motor V8 Chevrolet for facilitado e as primeiras tentativas forem bem-sucedidas, o apelo da novidade se firmará — e sem o estigma de ser algo caro, como acontece com Cadillac ou Chrysler — poderemos antecipar uma migração para a Chevrolet. Isso significa desenvolver uma linha de peças especiais — comandos, válvulas, molas, coletores, pistões, e afins — que estarão disponíveis ao público.

A associação da Chevrolet com hot rods, velocidade e afins provavelmente seja inaceitável institucionalmente. Mas talvez a existência do Corvette ofereça uma brecha. Se essas peças especiais forem oferecidas como itens opcionais para o Corvette, elas serão, sem dúvida, reconhecidas pelos hot rodders como exatamente aquilo que estavam procurando para preparar seus Chevy.

Se é desejável ou não associar o Corvette à velocidade, não sou qualificado para dizer — mas sei que, em 1954, entusiastas de carros esportivos terão acesso ao Corvette e, gostemos ou não, vão correr com ele. A afirmação mais frequente desse grupo é: “vamos colocar um motor Cadillac nele.” Eles vão fazer isso — e acho que isso não é bom! Muito provavelmente terão os mesmos problemas dos Allard, quebrando mais cedo ou mais tarde — quase sempre mais cedo — tudo o que há entre o volante do motor e as rodas.

Em 1955, mesmo com o motor V8, se necessário for, ainda serão superados. O número de carros comprados especificamente para competição é irrelevante em termos de mercado, mas atrai atenção e publicidade desproporcionais ao seu volume. Já que não podemos impedir que corram com Corvettes, talvez seja melhor ajudá-los a fazer isso direito.

Para ter sucesso nesse campo, as peças opcionais devem se aplicar não apenas ao motor, mas também aos componentes do chassi. Do ponto de vista da engenharia, o desenvolvimento desses itens, no que se refere ao chassi, não está fora de sintonia com algumas das atividades já planejadas pelo nosso grupo. O uso de ligas leves e o desenvolvimento de freios — tambores compostos, discos e similares — já estão na agenda do nosso grupo de Pesquisa e Desenvolvimento.

Como disse acima, o motor V8 tem um alto potencial de desempenho — é difícil superar o deslocamento, mas com apenas 80% da cilindrada ele terá 96% da superfície dos pistões do motor Cadillac. Segundo minhas estimativas, uma potência comparável à do Cadillac pode ser obtida sem exceder 37,5 kgfm de torque em momento algum. A tarefa de fazer um powertrain confiável é, portanto, fácil. Estas ideias são exatamente isto: um homem pensando alto sobre o assunto.

Deixo aqui essas reflexões como quem pensa alto — nada mais do que considerações pessoais.

Z. Arkus-Duntov
16 de dezembro de 1953

Pensar alto funcionou. A diretoria da GM entendeu o panorama do momento e desenvolveu um V8 para a linha Chevrolet. Em sua primeira iteração, de 265 pol³ (4,3 litros) e 195 cv, o motor era 20 kg mais leve que o seis-em-linha e tinha 45 cv a mais. Com ele Duntov teve sua primeira arma, e logo começou a usar as pistas para provar seu ponto.

O primeiro teste foi realizado com um protótipo feito sobre um dos Corvette abandonados. Identificado pelo código EX‑87, ele se tornou uma peça-chave na virada da história do Vette. O EX-87 tinha o V8 265 e trocou a transmissão automática Powerglide por uma Borg‑Warner manual de três marchas. Ganhou suspensão e freios reforçados na oficina de Smokey Yunick, e ainda teve uma nova geometria de suspensão para eliminar as tendências subesterçantes e sobre-esterçantes que o Corvette tinha desde 1953.

Ele também foi usado em testes aerodinâmicos, com coberturas nos faróis, uma capota rígida estilo tonneau com acrílico curvo, e até um pequeno estabilizador vertical que servia como apoio para a cabeça do piloto. Esses elementos foram avaliados no campo de provas de Milford e no deserto do Arizona.

Mas a novidade mais significativa foi o desenvolvimento de um novo comando de válvulas para o motor V8, o lendário Duntov Cam, que permitia rotações mais altas e potência mais robusta sem sacrificar durabilidade.

No final de 1955, esse carro experimental atingiu 263 km/h em testes, já com o motor V8 ampliado para 307 polegadas cúbicas, carroceria modificada e o novo comando de válvulas. Poucos meses depois, já com a carroceria atualizada de 1956, o Corvette EX‑87 cravou 150,583 mph (242,34 km/h) na Flying Mile durante o Speedweeks de Daytona. Era o primeiro carro americano produzido em série a atingir essa marca, que foi homologada pela NASCAR.

Paralelamente, Duntov subiu a montanha de Pikes Peak com um sedã Chevrolet equipado com o novo motor V8 Power-Pack. Ele bateu o recorde anterior com dois minutos de vantagem, em uma demonstração clara de que a GM podia sim fabricar motores de alta performance e carros competitivos.

Mesmo com a GM aderindo em 1957 ao chamado AMA Ban — uma autocensura das fabricantes americanas que prometiam não participar oficialmente de competições —, Duntov seguiu apoiando a competição por baixo dos panos. Ele viabilizou o desenvolvimento do Corvette SS, um carro de corrida puro, feito em alumínio e magnésio, com suspensão independente nas quatro rodas e motor de 307 cv. Embora o projeto tenha sido abortado por causa do banimento, o SS foi um marco: pela primeira vez, o Corvette apontava diretamente para Le Mans.

Enquanto isso, nas mãos dos clientes hot-rodders, o Corvette começava a ganhar fama. A partir de 1956, a Chevrolet passou a oferecer, além da nova carroceria, os pacotes como o RPO 449, depois o lendário RPO 684, com freios a tambor refrigerados, suspensão mais firme, diferencial de deslizamento limitado e pneus mais largos.

Corvettes preparados com esses kits começaram a dominar as categorias B-Production e A-Production do SCCA, vencendo provas regionais e revelando pilotos como Dick Thompson, que se tornou o primeiro grande vencedor com o Corvette nas pistas (acima).

 

Uma instituição americana

O que antes era um carro de vitrine agora era, enfim, um esportivo validado nas pistas. E a cultura americana começava a perceber isso — não só nas ruas e pistas, mas também fora delas. O Corvette se tornou o carro do rebelde, do jovem bem-sucedido, da estrela de TV. Em 1960, a série de TV Route 66 levou dois personagens em um road trip pelos Estados Unidos… a bordo de um Corvette conversível. Era a combinação perfeita: estrada, juventude, liberdade e oito cilindros à disposição do pé direito.

Até mesmo os astronautas das missões espaciais acabariam aderindo ao Corvette ao longo dos anos 1960. Alan Shepard — que foi o primeiro astronauta e o segundo humano a ir ao espaço — foi o primeiro deles. Depois, outros sete astronautas do programa espacial americano teriam os seus Corvette, incluindo Buzz Aldrin e Neil Armstrong.

Em 1961, o Corvette ganhou nova traseira, com as quatro lanternas circulares que virariam sua marca registrada. No ano seguinte, o motor V8 327 (5,4 litros) elevou ainda mais o nível de desempenho, chegando a 360 cv na versão com injeção. O Corvette já não era apenas bonito — agora era rápido, ágil e temido.

Mas o que estava por vir o colocaria de vez no mapa: em 1963 o Corvette renasceu mais uma vez com a segunda geração, que ganhou o nome Sting Ray, em referência ao carro conceito Stingray de 1959, que antecipou seu visual.

Ele tinha carroceria fastback e vidro traseiro bipartido, suspensão traseira independente e o motor V8 agora partia das 317 pol³ (5,4 litros) — o carro parecia mesmo um conceito sobre rodas. Foi a consagração da visão de Duntov e o ponto em que o Corvette deixou de ser apenas um carro americano tentando imitar os europeus. Agora, ele ditava suas próprias regras.

As gerações seguintes consolidaram esse papel. C3, C4, C5… cada uma teve altos e baixos, mas todas carregaram o mesmo DNA: motor dianteiro, tração traseira, dois lugares, carroceria de fibra de vidro, desempenho de esportivo e preço acessível ao comprador comum.

A partir da geração C6, o Corvette começou a mirar os supercarros europeus sem pedir licença. Com o C7 Z06 e o C7 ZR1, entrava na faixa dos 600 e 700 cv, com tecnologia de pista e tempos de volta dignos de Ferrari e Porsche — mas ainda custando uma fração destes europeus.

E então veio o C8.

Quando o Corvette de motor central-traseiro foi revelado em 2019, houve espanto, polêmica, até revolta. Era a ruptura mais radical desde 1953. Mas também era inevitável. O C8 nasceu como um supercarro de verdade, com motor central, câmbio de dupla embreagem e capacidade de brigar com Lamborghini e McLaren por metade do preço.

O que começou como um exercício de estilo virou, sete décadas depois, um tapa na cara da elite automotiva mundial, pronto para colocar o supercarro ao alcance do homem comum — tal como a primeira geração colocou os esportivos na garagem da classe trabalhadora.

O Corvette sobreviveu ao tempo, à crítica, aos erros da própria GM. É um dos poucos carros que atravessou gerações sem perder o nome nem a essência. Nasceu quase por acaso, quase morreu duas vezes, e hoje representa o que há de mais puro no conceito de carro esportivo americano. Velocidade, emoção, estilo — e uma dose generosa de rebeldia.

Porque, no fim das contas, o Corvette nunca foi só um carro. Ele é uma instituição americana em todos os aspectos.