Quando a gasolina começou a ser racionada no Reino Unido, em 1956, os britânicos tiveram um déjà vu amargo. Mal fazia dez anos que a Guerra havia terminado, e a ideia de limitar o uso do carro por falta de combustível remetia aos tempos difíceis e dolorosos do conflito. Mas eles não tinham escolha. A Crise do Canal de Suez ameaçava o acesso ao petróleo do Oriente Médio, e a economia europeia precisava se adaptar o quanto antes.
Para a indústria, o impacto foi imediato. Carros médios e grandes encalhavam nos pátios das concessionárias, enquanto os consumidores migravam para os chamados microcarros — veículos minúsculos, com motores de moto e espaço apenas para dois ou três ocupantes. De repente, projetos bizarros como o Messerschmitt Kabinenroller e o BMW Isetta tomavam as ruas das cidades, oferecendo o mínimo possível em troca de economia de combustível. A indústria britânica, que até então ignorava esses carrinhos excêntricos, logo percebeu que estava sendo deixada para trás por uma nova demanda que não sabia atender.

Foi nesse cenário que a British Motor Corporation (BMC) resolveu agir. Seu presidente, Leonard Lord, detestava os microcarros tanto quanto se preocupava com o avanço destes modelos. Para ele, aquilo não era automobilismo. Mas se o público estava disposto a comprar carros pequenos e econômicos, então a BMC precisava oferecer uma alternativa — e não apenas uma alternativa. Ele queria algo superior. Um carro compacto que fosse ao mesmo tempo espaçoso, moderno, econômico, barato e seguro. Um projeto que mostrasse que os britânicos ainda sabiam fazer engenharia de verdade.
Para isso, Lord foi buscar um nome conhecido: Alec Issigonis. Nascido em 1906 em Esmirna, no Império Otomano, de pai grego e mãe alemã, foi criado em meio ao colapso do mundo antigo e aos deslocamentos forçados da guerra. Após perder o pai ainda adolescente, migrou com a mãe para o Reino Unido e se naturalizou britânico — um estrangeiro com sotaque carregado e ideias pouco convencionais.
Ele não era engenheiro de formação clássica. Reprovou em matemática três vezes antes de conseguir se formar na Battersea Polytechnic. Mas tinha uma compreensão intuitiva de mecânica e uma obsessão pelo essencial: espaço, peso, função. Era um homem de convicções fortes e aversão profunda à burocracia — o tipo de sujeito que apagava as luzes do escritório de propósito quando queria trabalhar em silêncio.
Issigonis ganhou notoriedade na Morris por projetar o Morris Minor, lançado em 1948. Era o primeiro carro britânico a adotar suspensão independente nas quatro rodas e estrutura monobloco — soluções avançadas para seu tempo, mesmo que disfarçadas sob um desenho tradicional. Mas foi com o Mini que ele se libertou dos compromissos estéticos e comerciais e deu vazão total à sua filosofia: um carro pequeno, prático, ousado, projetado de dentro para fora.
Mais artista do que engenheiro no sentido convencional, Alec Issigonis acreditava que a forma devia seguir a função com radicalidade. Detestava enfeites e modismos. Costumava dizer que “a engenharia é para pessoas que gostam de números. Eu gosto de resolver problemas”.

E ao entregar o projeto nas mãos do engenheiro grego-britânico, Lord não apenas deu início ao desenvolvimento de um novo carro — deu início à criação de um novo paradigma. Porque o que Issigonis estava prestes a conceber não era só uma resposta a uma crise, mas também um símbolo de uma nova era.
O desenvolvimento do Mini
Alec Issigonis não aceitava meios-termos. Quando reassumiu seu posto na BMC para liderar o projeto do carro pequeno, deixou claro desde o início: faria do seu jeito, sem interferência. Leonard Lord, impaciente com a lentidão da indústria britânica em reagir aos microcarros europeus, estava disposto a aceitar essa condição. Ele não queria apenas um carro menor. Queria uma demonstração de força — e Issigonis estava pronto para entregar exatamente isso.
O projeto recebeu o nome burocrático de ADO15 — Amalgamated Drawing Office número 15 — e nasceu com um propósito radical: criar um carro que ocupasse o mínimo possível por fora, mas entregasse o máximo possível por dentro. Para Issigonis, a única maneira de atingir essa meta era abandonar quase tudo o que os britânicos consideravam padrão em engenharia automotiva.

Começou posicionando o motor A-series de 848 cm³ na transversal, uma heresia para os padrões da época. Depois empilhou o câmbio diretamente sob o bloco, dentro do mesmo cárter de óleo, formando um conjunto compacto que liberava espaço na cabine. Essa integração obrigou a usar o mesmo lubrificante para motor e câmbio — solução engenhosa, mas que cobraria seu preço anos depois.

A tração dianteira permitia eliminar o túnel central, abrindo espaço para um assoalho plano e bancos montados quase sobre as rodas. Mas ainda não bastava. Para aproveitar cada centímetro, Issigonis reduziu ao mínimo o espaço das caixas de roda, o que exigia um novo tipo de suspensão.

Foi então que chamou seu velho conhecido Alex Moulton, que projetou um sistema com cones de borracha em vez de molas metálicas. Era simples, leve, compacto e eficiente. Permitia um curso progressivo com pouco espaço e dava ao carro uma estabilidade surpreendente para o tamanho. E para completar o conjunto, Issigonis mandou instalar rodas de apenas dez polegadas, quase do tamanho de um prato de jantar. Parecia absurdo, mas fazia sentido: rodas menores tomavam menos espaço na carroceria, e permitiam bitolas mais estreitas e curvas de carroceria mais fechadas.
O primeiro protótipo funcional surgiu em meados de 1957. Era cru, tosco, feito quase artesanalmente. Foi apelidado de “Orange Box” devido à sua pintura laranja e seu formato retangular. Este protótipo circulava à noite por estradas secundárias para evitar fotógrafos e espiões industriais.

O entre-eixos curto, o comportamento ágil e o espaço interno desconcertante para quem visse por fora já mostravam que aquilo não era só mais um projeto de carro barato. Issigonis dirigia pessoalmente os protótipos, acompanhado por técnicos e engenheiros que mediam ruídos, vibrações, temperatura interna e consumo de combustível. Cada detalhe era revisto obsessivamente. O carro ainda vibrava demais, o calor do câmbio subia direto para o assoalho, e o isolamento acústico era quase inexistente. Mas o conjunto funcionava. Era compacto, esperto, espaçoso, e tinha uma direção direta como nenhum outro carro da época.

No fundo, Issigonis subverteu tudo que a engenharia automotiva britânica tinha como padrão. O Mini não era a adaptação de um carro grande para um formato menor, e sim a reinvenção completa do conceito de carro urbano. Em vez de espremer pessoas em torno do motor, Issigonis apertou a mecânica em volta das pessoas. A proporção final era absurda para a época: mais de 80% do volume do carro era reservado aos ocupantes e à bagagem. Só isso já era uma afronta à lógica de toda a indústria.

Quando a BMC finalmente deu sinal verde para a produção, não havia certezas. O carro era diferente demais, estranho demais, ousado demais. Ninguém sabia ao certo se o público entenderia o que aquele projeto representava. Mas para Issigonis, a missão já estava cumprida. Mais que um carro, ele criou uma nova forma de se pensar em carro e em mobilidade.

Um pequeno estranho
Quando finalmente chegou o dia de apresentar o Mini ao público, em agosto de 1959, a BMC lançou dois modelos praticamente iguais, porém com nomes diferentes: o Austin Seven e o Morris Mini-Minor. A ideia era que ambos atendesse públicos distintos, apesar de dividirem quase tudo — plataforma, motor, suspensões e até dimensões exatas. Mas, para muitos, o Mini parecia mais um carro estranho do que uma revolução. Com seu formato quadrado, rodas minúsculas e proporções incomuns, não era exatamente um objeto de desejo imediato.

Os primeiros compradores encararam o carro com uma mistura de curiosidade e desconfiança. Afinal, estávamos falando de um veículo muito menor e diferente do que o mercado estava acostumado. A ideia de um motor colocado transversalmente, com câmbio integrado e tração dianteira, parecia quase futurista — ou, para alguns, apenas uma gambiarra arriscada. As rodas pequenas, que proporcionavam um espaço interno generoso, deixavam a impressão de que o carro poderia ser instável ou desconfortável.

Mesmo a imprensa automotiva, que acompanhava de perto o lançamento, ficou dividida. Alguns elogiaram o espaço interno surpreendente, o consumo baixo e a agilidade nas ruas estreitas das cidades inglesas. Outros, porém, criticaram a suspensão pouco convencional, o acabamento simples e o desempenho limitado para rodovias mais longas. Era um carro pensado para um contexto urbano e econômico muito específico, e isso nem sempre era fácil de comunicar para o público geral.

Durante os primeiros meses, ajustes foram feitos. A BMC aprimorou detalhes como o arrefecimento do motor, o isolamento acústico e o acabamento interno. O nome “Mini”, que inicialmente era apenas um apelido informal, começou a ganhar força e identidade própria, superando as marcas Austin e Morris para se tornar sinônimo daquele conceito de carro compacto e inteligente.
Aos poucos, o Mini deixou de ser visto como um mero carro barato ou excêntrico para virar uma espécie de símbolo de modernidade. Não demorou para que o público começasse a reconhecer a engenhosidade do projeto, sobretudo para quem enfrentava diariamente as ruas apertadas das cidades britânicas, onde espaço era um luxo.

Assim, apesar de um começo um tanto tímido e repleto de ceticismo, o Mini começou a conquistar seu espaço, não só como meio de transporte, mas como uma nova forma de pensar a mobilidade urbana. Sua estranheza inicial era, afinal, apenas a primeira camada de um impacto que logo se mostraria muito mais profundo e duradouro.
O Mini é pop
Com o passar dos anos 1960, o Mini foi deixando para trás a imagem de carro racional e econômico, assumindo com força crescente um novo papel: o de ícone cultural britânico. Ele não apenas sobreviveu ao seu início atribulado, como se reinventou sem mudar sua essência. Seu design permanecia quase inalterado — carroceria monobloco com formas retas e simpáticas, rodas de 10 polegadas deslocadas para os cantos e uma cabine surpreendentemente espaçosa — mas o que havia em torno dele se transformava com velocidade vertiginosa.

Londres, naquele momento, era o epicentro de uma revolução estética, comportamental e musical. O Mini caiu como uma luva nesse cenário. Pequeno, ousado e urbano, ele se encaixava com perfeição no espírito do Swinging London. As ruas de Chelsea, Soho e Carnaby Street passaram a ser povoadas por dezenas de exemplares coloridos e estilosos, guiados por jovens que queriam distância da sisudez da geração anterior. De repente, o Mini estava nos mesmos lugares que os Beatles, aparecia ao lado de Twiggy, Peter Sellers, Mary Quant e outros nomes que definiram o estilo de uma década. O Mini virou acessório de estilo, como as roupas ou os cortes de cabelo da época.

Essa transformação não foi resultado de uma campanha publicitária planejada. Ela veio da forma como o carro era percebido: compacto e acessível, mas ao mesmo tempo cheio de personalidade. Era possível escolher entre dezenas de cores, revestimentos internos e até versões mais esportivas ou luxuosas, como os modelos Riley Elf e Wolseley Hornet, com traseira estendida e acabamento refinado. As versões Mini Cooper e Cooper S, com desempenho surpreendente, reforçavam ainda mais o prestígio do modelo entre os mais jovens e endinheirados. Foi também nesse contexto que surgiram preparações estéticas e mecânicas sob medida, feitas por pequenas oficinas especializadas e pela própria John Cooper Garages.
O resultado foi um fenômeno de popularidade sem precedentes para um carro daquela categoria. A produção passou da marca de 200 mil unidades anuais já em 1962, e atingiu o pico em 1971, com mais de 318 mil carros fabricados só naquele ano. E mesmo com a crescente concorrência no segmento de compactos — que começava a florescer no Japão, na Itália e até mesmo dentro do Reino Unido — o Mini se mantinha atual não por evoluir, mas por permanecer fiel a uma proposta que agora era vista como tendência, não exceção.
Culturalmente, o Mini simbolizava um novo jeito de viver: era o carro de quem morava sozinho em apartamentos pequenos, de quem dispensava o conservadorismo e valorizava a liberdade. Era ideal para os becos estreitos de Notting Hill ou para fugir da cidade rumo ao interior nos fins de semana. Seu custo baixo, aliado ao visual descolado e à capacidade de carregar quatro adultos com bagagens mínimas, o tornava não apenas desejável, mas sensato. Bastava estacioná-lo para deixar claro quem você era.

Esse papel simbólico ajudou a perpetuar o Mini como objeto de desejo mesmo entre aqueles que jamais se interessaram por carros. A indústria do cinema e da televisão o adotou com entusiasmo. Filmes como “Um Golpe à Italiana” (The Italian Job, 1969), eternizaram a imagem do Mini voando por escadas, túneis e ruas estreitas de Turim, provando que não era apenas charmoso, mas também ousado e capaz. O carro que nasceu de uma crise de combustível e de uma planilha de corte de custos agora era um ícone pop, um símbolo de uma Inglaterra jovem, provocadora e em movimento.
Um esportivo em miniatura — ou “o nascimento do pocket rocket”
A ideia de transformar o Mini em um carro de corrida não partiu de Alec Issigonis. Ele era cético quanto ao apelo esportivo do seu projeto. Para ele, o Mini era uma resposta funcional a um problema social — transporte eficiente em espaço urbano — e não via sentido em corromper esse propósito com motores mais fortes ou ambições competitivas. Foi John Cooper, então um dos nomes mais respeitados da Fórmula 1, quem enxergou o potencial de performance que Issigonis preferia ignorar.

Cooper conhecia o projeto do Mini a fundo. Como fornecedor de componentes e velho conhecido da indústria, teve acesso antecipado ao ADO15 e imediatamente percebeu o que ninguém ainda via: o carro era leve, tinha um entre-eixos curtíssimo, centro de gravidade baixo e um comportamento naturalmente neutro graças à tração dianteira — uma combinação explosiva para rali. Com a suspensão de cones de borracha desenhada por Alex Moulton, o Mini era capaz de manter os quatro pneus no chão mesmo nas piores condições, transmitindo ao piloto uma precisão rara em carros populares da época. Cooper insistiu com a BMC para fazer uma versão esportiva. Issigonis torceu o nariz, mas Leonard Lord — que via ali uma chance de marketing com baixo investimento — autorizou a empreitada.
O primeiro Mini Cooper nasceu em 1961. A receita foi simples, mas cirúrgica. O motor A-series, de 848 cm³ no modelo original, foi substituído por uma versão de 997 cm³, com virabrequim de curso mais longo e comando mais agressivo. O cabeçote foi retrabalhado com válvulas maiores, e o sistema de alimentação ganhou carburadores SU duplos, algo incomum em carros desse porte. Isso elevou a potência para 55 cv — o suficiente para transformar um carro de menos de 600 kg em um canhão urbano. A caixa de marchas também foi revisada, com relações mais curtas, e os freios a tambor deram lugar a discos na dianteira, algo inédito num carro tão acessível na época.
Mas a verdadeira virada veio com o Mini Cooper S, lançado em 1963. A cilindrada subiu para 1071 cm³, depois 970 e 1275 cm³, dependendo da homologação desejada para competição. Essa última versão, a de 1275, seria a mais famosa — não apenas pela potência superior, agora na casa dos 75 cv, mas porque foi ela que transformou o Mini em um carro imbatível nos ralis da década. O Cooper S tinha freios com servo-assistência, taxa de compressão aumentada, carburadores SU HS2 ou HS4, dependendo do ano, e um acerto de suspensão mais firme, mantendo os cones de borracha, mas com batentes mais rígidos. A direção direta e o peso reduzido permitiam um tipo de pilotagem quase instintiva — o carro respondia imediatamente aos comandos, mesmo em pisos irregulares ou superfícies de baixa aderência.

O sucesso nas competições não demorou. A equipe liderada por Stuart Turner e comandada por Paddy Hopkirk venceu o Rally de Monte Carlo em 1964 com um Cooper S de 1071 cm³, superando adversários muito mais potentes como o Mercedes 300SE e o Ford Falcon. A vitória foi repetida em 1965, com Timo Mäkinen, e novamente em 1967 com Rauno Aaltonen, consolidando o Mini como uma força improvável, mas real, nos ralis internacionais. A polêmica desclassificação em 1966 — causada por um detalhe técnico nos faróis auxiliares, que não atendiam à interpretação francesa do regulamento — só aumentou a mística. Mesmo sendo o carro mais rápido da prova, o Mini foi excluído, e a decisão provocou um escândalo diplomático no mundo do automobilismo.
Essas conquistas colocaram o Mini num novo patamar. Não era mais apenas um carro acessível e moderno: agora era também um vencedor. Coberto de lama até os faróis, atravessando a linha de chegada entre gigantes, o Mini virou sinônimo de valentia mecânica. O público respondeu com entusiasmo. As versões Cooper e Cooper S se tornaram objetos de desejo, especialmente entre jovens entusiastas. Revistas especializadas celebravam o equilíbrio dinâmico e o comportamento ágil do carro, descrevendo-o como uma espécie de kart com portas — ou um foguete de bolso.

Esse momento marcou uma virada definitiva na carreira do Mini. Não apenas porque conquistou títulos e manchetes, mas porque provou que um carro bem pensado, compacto e barato podia humilhar gigantes nas pistas e nas estradas. Em um mundo dominado por cilindrada e potência bruta, o Mini mostrou que engenharia, leveza e inteligência podiam fazer mais diferença do que números no papel. A partir dali, o Mini deixava de ser apenas uma solução urbana brilhante. Tornava-se, também, uma lenda da performance.
A decadência
Se os anos 1960 foram uma escalada meteórica para o Mini, os anos 1970 marcaram o início de uma descida turbulenta — não em vendas imediatas, mas na estrutura que o sustentava. A crise não começou no carro, mas nas entranhas da indústria automobilística britânica. A British Motor Corporation, que já havia engolido várias marcas para formar um império inchado e contraditório, virou em 1968 a British Leyland Motor Corporation — uma fusão forçada, promovida pelo governo como tentativa de salvar o que restava da indústria automotiva local diante da ascensão dos fabricantes alemães e japoneses.
O problema era que o Mini, embora fosse um sucesso de crítica, cultura e até vendas, nunca foi exatamente lucrativo. Sir Alec Issigonis o projetou com genialidade, mas a obsessão por eficiência de espaço, simplicidade mecânica e custo acessível levou a uma margem de lucro praticamente nula. Em alguns anos, o Mini dava prejuízo. Não havia espaço para evoluí-lo sem mexer na estrutura, e essa estrutura não admitia mudanças sem comprometer sua identidade. Isso tornou o carro, ironicamente, vítima de seu próprio sucesso.

A British Leyland herdou esse dilema sem saber o que fazer com ele. A prioridade passou a ser o desenvolvimento de modelos novos, teoricamente mais modernos e rentáveis, como o Austin Allegro. Mas nenhum deles repetiria o impacto ou a aceitação do Mini. Enquanto isso, os concorrentes se mexiam: o Fiat 127, lançado em 1971, trazia carroceria hatchback de duas portas com motor transversal e tração dianteira — exatamente o mesmo layout básico do Mini, mas com mais espaço, conforto e uma construção mais moderna. Em 1974, o Volkswagen Golf chegaria para redefinir o segmento dos compactos com a mesma fórmula, mas elevada a um novo patamar de qualidade, potência e versatilidade.
Do ponto de vista técnico, o Mini começava a acusar a idade. A estrutura monobloco ainda era sólida, mas o projeto original de suspensão Hydrolastic (adotado em 1964 e abandonado em 1971) revelava-se frágil no longo prazo. A geometria das rodas, com ângulos fixos, e o uso de articulações simples, como as juntas homocinéticas tipo “pot joint”, ofereciam bom comportamento dinâmico em piso liso, mas não combinavam com as estradas cada vez mais movimentadas e velozes da nova década. O sistema de freios seguia simples — a maioria dos modelos tinha freios a tambor nas quatro rodas — e o motor A-Series, embora robusto, não evoluía o suficiente para acompanhar a concorrência em eficiência, consumo ou emissões.
As instalações fabris também se tornaram um problema crônico. A British Leyland acumulava fábricas obsoletas, greves constantes e uma burocracia interna quase soviética. O Mini era fabricado em várias unidades diferentes — Cowley, Longbridge, até mesmo na Escócia — e cada planta tinha seus próprios métodos e padrões, o que tornava o controle de qualidade um pesadelo. Isso se refletia no carro: problemas de montagem, pintura inconsistente, infiltrações e falhas elétricas tornaram-se comuns. Ainda assim, ele continuava a vender. Era como se o público estivesse disposto a perdoar suas falhas em troca de seu charme, tamanho e preço.

Havia tentativas pontuais de revitalização. Surgiram variações como o Clubman, com frente alongada e estilo mais quadrado, mas que desagradava puristas e não atraía novos compradores. O modelo original continuava a ser o preferido. A BL tentava capitalizar o sucesso com versões especiais, como o Mini 1100 Special, e até edições comemorativas. Mas o núcleo do carro seguia o mesmo: um projeto de 1959 que não havia recebido nenhuma renovação estrutural profunda por mais de uma década e meia.

O contraste entre o impacto cultural do Mini e sua situação industrial revelava uma contradição fundamental: ele era um ícone em um império em ruínas. A British Leyland, apesar do apoio governamental e de uma gama de marcas históricas, caminhava rumo à insolvência. E o Mini, mesmo ainda popular, estava cada vez mais deslocado em um mercado que exigia modernidade, conforto, segurança e desempenho. Sua magia resistia, mas seus alicerces tremiam.
Um anacronismo adorado
Quando a década de 1980 começou, o Mini já era, paradoxalmente, um veterano em um mundo onde ele mesmo havia ditado as regras do jogo. Só que agora ele jogava com cartas defasadas. Havia perdido relevância como produto de massa, mas ganhava contornos de culto. Em vez de evoluir, o Mini envelheceu em câmera lenta — e o Reino Unido, mergulhado em recessões industriais e transformações políticas sob Margaret Thatcher, parecia arrastá-lo consigo. Mas sua presença persistia. E mais: ainda havia demanda.
Em parte, isso acontecia porque, a despeito da idade, o Mini continuava a oferecer uma experiência de direção absolutamente única. Seu centro de gravidade baixo, a distância entre-eixos curtíssima e a combinação do motor A-Series com câmbio manual de engates curtos — acoplado diretamente ao cárter — davam ao carro um comportamento quase kartístico. Em trânsito urbano, era imbatível. No interior, sua espartanidade parecia antiquada, mas o público juvenil e alternativo começava a enxergar nela uma espécie de charme retrô. Tornou-se, então, o carro dos descolados, dos estudantes, dos que queriam fugir da caretice dos hatchbacks genéricos e japoneses.
Na prática, porém, era um milagre que ele ainda estivesse em linha. A British Leyland passou boa parte da década em crise, nacionalizada, reorganizada, privatizada. No processo, tornou-se Austin Rover, depois Rover Group. Várias marcas e projetos foram sacrificados. O Mini foi salvo, ironicamente, pela própria incapacidade da BL de substituí-lo. Nenhum projeto paralelo — Metro, Allegro, Maestro — conseguiu reunir o mesmo equilíbrio entre preço, apelo e identidade. O Metro, lançado em 1980, era sua “substituição oficial”, mas logo ficou claro que o público ainda queria o original.
A solução foi mantê-lo em produção, mesmo que isso significasse operar fábricas com linhas antiquadas, peças fora de padrão e técnicas obsoletas. Não havia plataforma moderna, não havia recursos digitais — tudo era analógico, artesanal. O motor A-Series, ainda com carburador SU, agora era adaptado às novas normas de emissões com gambiarras técnicas: avanço de ignição mais conservador, coletores reprojetados, conversores catalíticos improvisados. O resultado era um carro menos potente, mas ainda muito leve: 650 kg, mesmo com os para-choques mais pesados e itens obrigatórios de segurança.

No plano estético, houve leves revisões: o Mini City, o Mini Mayfair, o Mini Advantage, o Red Hot, o Check Mate — versões com mudanças cosméticas, decalques, rodas diferentes. Internamente, os instrumentos foram redesenhados, o painel passou por atualizações pontuais, mas nunca houve um redesenho estrutural completo. A base era a mesma. A essa altura, a produção já havia ultrapassado 4 milhões de unidades. Mesmo dando pouco ou nenhum lucro, o Mini resistia como uma lembrança de quando a indústria britânica ousava pensar diferente.
Foi nesse contexto que a Rover começou a atrair atenção estrangeira. A Honda se tornou parceira técnica e acionária nos anos 1980, colaborando em projetos e compartilhando plataformas. Mas quem, de fato, decidiria o destino do Mini seria a BMW. Em 1994, o grupo bávaro comprou o Rover Group — mais pelos motores, pelos projetos em andamento e pelas fábricas do que pelos modelos em linha. Ainda assim, ao olhar para o Mini, os executivos alemães viram algo raro: uma marca com peso emocional, valor histórico e — acima de tudo — apelo global.
Mas antes do renascimento, era preciso encerrar o ciclo. E o Mini clássico resistia. Em 1996, ele passou por sua última atualização significativa: recebeu injeção eletrônica monoponto, airbags e sistemas mínimos de segurança passiva. A suspensão, agora com cones de borracha aprimorados e amortecedores mais modernos, tentava compensar as falhas de rigidez do monobloco. O motor A-Series, com seus quase 40 anos de idade, era ainda o coração da máquina. Já não era o carro mais racional — e nunca foi. Mas era amado.
Enquanto isso, crescia um novo fenômeno: o Mini como objeto de colecionador. Revistas especializadas, clubes, encontros e preparadoras começaram a surgir em todos os cantos do Reino Unido. Modelos raros, como o Cooper S original, passaram a valer pequenas fortunas. Até versões modestas, com visual bem conservado, começaram a atrair entusiastas. E a cultura do “restomod” — de restaurar e modernizar Minis clássicos — começou a ganhar força. Um carro que nasceu como solução prática para uma crise de combustível havia se tornado ícone cultural, símbolo de resistência, estilo e personalidade.

Em 4 de outubro de 2000, o último Mini clássico saiu da linha de produção de Longbridge. Era um modelo Cooper Sport 500, com pintura metálica, faixas brancas, rodas Minilite e placa comemorativa. Alec Issigonis já havia morrido há 12 anos. A fábrica foi tomada por operários emocionados. Era o fim de um ciclo que durou 41 anos, produziu 5.387.862 unidades e redefiniu o que significava fazer um carro pequeno.
Mas o Mini não morria ali. A BMW já preparava sua ressurreição — e essa nova fase seria marcada não mais pela austeridade, mas pelo luxo, pela tecnologia e pelo marketing global. O ícone se transformaria em marca. Mas essa é outra história.