Em 1963 a General Motors divulgou um comunicado entre todas as suas divisões: a companhia deixaria de investir em equipes de fábrica no automobilismo. Isso era uma péssima notícia para a Pontiac, que começava a despontar como a divisão de alto desempenho do grupo, graças ao sucesso de seus carros nas pistas de arrancada, e a cair no gosto dos jovens por causa de seu estilo esportivo, com bitolas mais largas e postura agressiva — .
Foi justamente o público jovem quem ajudou a Pontiac a alcançar o terceiro lugar em vendas nos EUA, e o fim da Pontiac nas dragstrips poderia fazê-los perder o interesse pela marca. Era imprescindível que se encontrasse uma alternativa. Esse público jovem era um mercado inédito e em expansão. As fabricantes já haviam percebido o potencial da geração do “baby-boom” do pós-guerra, que estava chegando à maioridade com dinheiro no bolso, influência cultural do rock, fascínio por hot rods e cultura drag racing.

Para eles, carros significavam status, identidade e liberdade. Era justamente esse público que ajudara a Pontiac a alcançar o terceiro lugar em vendas nos EUA, e o fim da presença da marca nas dragstrips poderia fazê-los buscar outra marca mais associada ao automobilismo. A Pontiac precisava encontrar uma saída.
A solução surgiu de um encontro que os executivos John Z. DeLorean, Bill Collins e Russ Gee faziam quase todos os sábados de manhã no campo de provas da GM em Milford. Eram encontros informais do trio, que eles chamavam de “sessões ‘e se…'”, onde divagavam sobre hipóteses sobre produtos e a marca.
Em um destes encontros, o tripo colocou um protótipo do LeMans cupê 1964 em um elevador e examinou os componentes da transmissão. Debaixo do carro, Collins comentou com DeLorean que “levaria uns 20 minutos para colocar um 389” no LeMans. Animado, DeLorean decidiu tentar a troca do motor. Como as dimensões externas dos blocos Pontiac eram as mesmas e todos eles usavam os mesmos pontos de fixação, a troca do motor 326 para o 389 foi relativamente simples. Em poucas horas, DeLorean estava ao volante do carro, convencido de que ele seria um sucesso. Nas semanas seguintes, DeLorean emprestou o carro a nomes-chave na Pontiac e na GM, visando a aprovação do projeto. Os executivos gostavam tanto do carro que se recusavam a devolvê-lo.

Mesmo com o entusiasmo do alto escalão da corporação, John DeLorean esbarrou em uma política interna da GM, criada para prevenir a competição interna entre as marcas e a canibalização dos modelos. Esta política uma relação entre peso do carro e deslocamento do motor que, na prática, proibia a instalação do motor 389 — usado no Catalina, o modelo full-size — em um carro médio como o LeMans. DeLorean e seus parceiros, contudo, encontraram uma brecha na regra: o limite de cilindrada se aplicava apenas aos motores básicos. Não havia nada que regulasse a oferta de motores opcionais. A solução estava ali: o motor 389 e todos os demais aperfeiçoamentos de potência e desempenho, seriam um pacote opcional, e não um modelo a parte.

Disponível para as versões conversível, hardtop e cupê, o pacote foi batizado de GTO, inspirado na Ferrari 250 GTO. Não houve complicações quanto a direitos sobre o nome porque a sigla para Gran Turismo Omologato era de propriedade da FIA, não da Ferrari. O motor de 6,4 litros do Tempest GTO tinha 325 cv brutos a 4.800 rpm quando equipado com carburador quádruplo Carter, e de 348 cv quando se optava pela carburação Tri-Power opcional (três carburadores Rochester 2G de corpo duplo).

A transmissão era manual de três marchas com alavanca no assoalho e manopla Hurst, embora fossem opcionais um câmbio manual de quatro marchas e a transmissão automática de duas marchas Super Turbine 300. O carro ainda tinha flexíveis metálicos nas linhas de freio, diferencial com deslizamento limitado e radiador maior. Curiosamente, o conta-giros também era opcional.

Com uma campanha de lançamento que enfatizava o prazer de dirigir e a diversão ao volante, o pacote GTO não demorou a se popularizar entre o público jovem — esgotando as 5.000 unidades enviadas para as concessionárias de todo o país. E não parou por ali.

O diretor de marketing da Pontiac, Jim Wangers, ainda aprontou uma ação de relações públicas que daria inveja a muitos estrategistas modernos: ele procurou seu amigo e editor da revista Car and Driver, David E. Davis Jr., e fez uma proposta quase indecente: colocar o Pontiac GTO frente a frente com o outro GTO da época — a Ferrari 250 GTO. A chance de ver um cupê americano de US$ 3.500 contra um italiano de US$ 18.000 era material de capa. Davis topou na hora.
A edição de março de 1964 chegou às bancas com uma capa que não deixava dúvidas: uma ilustração de uma Ferrari fugindo de um Pontiac. Não havia um “GTO vs. GTO” explícito, mas a mensagem estava lá, clara e provocadora. A matéria ajudou a transformar o Pontiac em ícone pop e também catapultou a Car and Driver ao clube seleto das revistas que moldavam a cultura automotiva americana. O detalhe é que a história é tão lendária quanto controversa.

Logo no início, a revista admitiu que nenhuma Ferrari havia sido testada contra o Pontiac. A ideia original era usar o circuito de Bridgehampton e colocar o piloto Walt Hansgen no Pontiac e Bob Grossman em sua própria Ferrari GTO. Mas o carro de Grossman estava cansado de uma temporada de corridas, e os outros donos de GTO simplesmente não quiseram arriscar seus brinquedos caríssimos contra um cupê de Detroit com o dobro de cilindrada. A diplomacia foi: “Não conseguimos alinhar agenda e clima.” A realidade era: ninguém queria correr o risco de ver a Ferrari superada por um Pontiac.
E aí vem o detalhe mais saboroso — e parecido com o que a Ferrari fazia até a década passada. O GTO fornecido para a imprensa não era exatamente um carro de concessionária. Na verdade, eram dois. O primeiro, azul, vinha com o V8 389 Tri-Power de 348 cv, câmbio manual de quatro marchas e diferencial autoblocante. Esse era o carro de rua, para uso geral, avaliações de conforto e consumo.
O segundo, vermelho, era o “ringer”: um lobo em pele de cordeiro. Wangers pediu que a Pontiac montasse o carro sem isolamento acústico para reduzir o peso. O V8 389 foi trocado por um 421 High Output de sete litros, vindo diretamente do Catalina de arrancada, com cabeçotes retrabalhados, motor balanceado, câmbio M-21 reforçado e diferencial curto 3,90:1. Por fora, continuava um GTO como outro qualquer, mas na prática era um drag racer disfarçado.
A equipe da Car and Driver, oficialmente “enganada”, levou o carro para os testes. E os números foram explosivos: zero a 96 km/h (60 mph) em 4,6 segundos, zero a 160 km/h (100 mph) em 11,8 e o quarto de milha em 13,1 segundos – baixando para 12,8 com pneus slick. Em comparação, a Ferrari GTO cravava 5,8 na aceleração de zero a 96 km/h, 12,7 no zero a 160 e 14,4 segundos no quarto de milha. O Pontiac, ainda que maquiado, venceria.
Décadas depois, a própria revista admitiria que caiu no truque de Wangers. Mas é difícil acreditar que ninguém ali tenha desconfiado, já que o motor de competição tinha detonação com gasolina comum. Ingenuidade ou cumplicidade, o fato é que a reportagem cumpriu o objetivo: nascia ali o mito do GTO, com direito a derrotar a Ferrari sem sequer enfrentá-la de verdade.
Foi por causa de toda essa recepção positiva que ainda naquele ano as outras divisões da GM começaram a trabalhar em projetos semelhantes, bem como as rivais de Detroit. Nomes como Chevrolet Chevelle e Dodge Dart começaram a aparecer no mercado. Nascia ali uma nova categoria de carros americanos que, mais tarde, seria conhecida como “muscle cars”.
Em 1965 o Tempest foi atualizado e, com ele o GTO. O visual adotou os faróis empilhados na vertical que são a forma mais conhecida do GTO (e que lembra bastante o nosso Ford Galaxie 1967). O comprimento aumentou em 7,9 cm, mas o entre-eixos e o espaço interno permaneceram os mesmos. Acompanhando o novo visual vieram mudanças no motor: agora, o de carburador quádruplo rendia 335 cv, graças ao comando mais bravo e ao novo coletor de admissão. O Tri-Power agora tinha 360 cv, e e chegava aos 100 km/h em 6,1 segundo.

No ano seguinte, o GTO se tornaria um modelo próprio, mas as maiores mudanças estavam reservadas para 1967: o motor passava a deslocar 400 pol³, ou 6,5 litros. A ideia era contornar uma limitação imposta pela GM, que eliminou a opção de três carburadores, e manter a potência de 360 cv. Mas havia um problema: a mobilização da concorrência acabou acelerando o processo de envelhecimento do GTO, que tinha apenas três anos de vida. Por isso a Pontiac decidiu mudá-lo radicalmente para o ano seguinte.

Em 1968, o Tempest mudou de plataforma e, consequentemente, o GTO também. Se há quem prefira a primeira geração, também existem os admiradores fiéis da segunda. Não é preciso explicar demais: a nova plataforma A da GM deu ao GTO um entre-eixos mais curto e uma carroceria mais musculosa e curvilínea, ótimo exemplo do perfil “garrafa de Coca-Cola”. A dianteira em material plástico emborrachado, que embutia o para-choque e, por um custo adicional, escondia os faróis atrás da grade, era extremamente atraente.

Mecanicamente, porém, o carro era o mesmo — só o modelo básico tinha 15 cv a menos, totalizando 320 cv. Contudo, não demorou para o motor Ram-Air II fosse introduzido como opcional. Ao ser equipado com ele, o motor de 400 pol³ alcançava os 370 cv, tornando o novo carro o mais potente GTO até então — vale lembrar que a Pontiac declarava números de potência bem próximos do que era entregue nas rodas, diferentemente dos concorrentes, que preferiam divulgar a potência bruta, em uma estratégia para ter vantagem em competições da NHRA, que separavam os carros pela cavalaria.

Acontece que, naquele ano, a Plymouth lançou o Roadrunner, seguindo uma estratégia interessante: entregar um carro muito potente, porém apenas com os equipamentos básicos, por um preço camarada. Vendo potencial naquilo, a Pontiac preparou aquele que talvez seja seu maior ícone dos american muscle: o Pontiac GTO “The Judge” — nome que vinha de um programa humorístico muito popular na época, o Laugh-In, da NBC. Nele, o comediante Sammy Davis Jr. sempre repetia a frase “Here comes the judge” — ou “aí vem o juiz”.

De início, a marca queria fazer algo parecido com o Roadrunner e entregar desempenho de baixo custo. Contudo, eles acabaram desistindo da ideia, e decidiram transformar o Judge em uma versão mais potente, sim, mas também mais cara. O pacote Judge consistia no sistema Ram-Air III, com entradas de ar maiores, um aerofólio, adesivos e faixas temáticos e a opção pelo belo tom de laranja que, na verdade, se chamava “Carousel Red”. O GTO “The Judge” podia ser um hardtop ou conversível, e respondeu por quase 7.000 das 72 mil unidades do GTO vendidas em 1969 — o melhor desempenho na carreira do muscle.
Para o ano seguinte, o GTO (e o Judge) recebiam um motor ainda maior: o V8 455 (7,4 litros) e os mesmos 360 cv, porém a baixíssimas 4.300 rpm. O torque era seu maior destaque: 69,1 mkgf a apenas 2.700 rpm. O resultado era que, mesmo maior, o motor era menos poluente, algo importante em um ano em que os órgãos reguladores de emissões começavam a pesar sobre os muscle cars.
Era uma tendência que crescia — afinal, depois do auge sempre vem a queda. O motor era mais manso, e a Pontiac até oferecia um pacote instalado em concessionárias para quem não estivesse satisfeito, consistindo em cabeçotes preparados, comando mais bravo e carburador Holley quádruplo. Mas a imagem do GTO (e dos outros muscles, por extensão) já estava começando a ficar comprometida, e as vendas caíram quase que pela metade.

A chegada de 1971 só piorou as coisas: a gasolina de baixa octanagem se tornava mais abundante no mercado, e a Pontiac decidiu reduzir a taxa de compressão dos motores. O resultado foi uma queda de força assustadora: agora, o V8 400 entregava 300 cv e 55,3 mkgf, e o 455 ficava com 335 cv e 66,3 mkgf. Péssimo para as vendas, e a reestilização da dianteira não ajudou muito. Era bonita, mas não se comparava à anterior. As vendas refletiram as mudanças ruins, caindo para 10.532 ao fim de 1971, e para ínfimos 5.800 no ano seguinte.

Era um sinal dos tempos: a crise do petróleo transformara os muscle cars em vilões, e os esportivos em piadas sobre rodas. Isso ficou ainda mais evidente 1973 a sigla voltou a representar um pacote opcional, desta vez para o Pontiac Le Mans. Com um visual mais careta — tendência da época, que também pode ser observada no desastroso Mustang II, o carro tinha apenas câmbio automático de três marchas. Seu V8 de 455 pol³ foi duramente estrangulado, e agora entregava apenas 230 cv (líquidos, como ditavam as novas normas da SAE).

O sopro de alívio veio em 1974, com uma nova mudança: agora um pacote do Pontiac Ventura, que era um compacto para os padrões americanos, e disponível em versões hatch e cupê, o GTO se tornou um concorrente do Ford Maverick e do AMC Hornet X, com motor V8 350 de 200 cv — carro pequeno e motor grande, como havia sido há 10 anos. As vendas cresceram novamente, com o GTO emplacando 7.058 unidades, mas já era tarde: a Pontiac aposentou de vez o GTO.
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