Quando Neil Armstrong e Buzz Aldrin desceram do módulo lunar Eagle e colocaram os pés na Lua pela primeira vez, eles mal sabiam como caminhar sobre o solo cinza do nosso satélite. Naquele novo mundo, depois do primeiro passo, Armstrong e Aldrin tiveram que aprender a se movimentar na Lua. Eles acabaram descobrindo que os saltos eram mais eficientes.
Não era para menos: a gravidade menor significa que a velocidade da queda é mais lenta (a aceleração da gravidade é seis vezes menor que na Terra). Com isso o impulso dos astronautas permitia que eles dessem saltos longos e caíssem suavemente, cobrindo uma distância maior e menos tempo. E eles precisavam ser rápidos mesmo, porque as atividades extra-veiculares da Apollo 11 duraram apenas duas horas e 31 minutos. Sim: Armstrong e Aldrin passaram apenas duas horas e meia fora do módulo Eagle.
A segunda missão a pousar na Lua, a Apollo 12, já sabia como se movimentar naquele ambiente, e passou um pouco mais de tempo explorando o satélite: Pete Conrad e Alan Bean caminharam por sete horas e 45 minutos. Depois, a dupla da Apollo 14, Alan Shepard e Edgard Mitchell passou nove horas e 22 minutos fora da cápsula.
A missão seguinte, contudo, precisava ir mais longe. E para isso a NASA decidiu usar o tipo de coisa que todos nós usamos quando queremos ir mais longe: um carro.
Seu nome é Lunar Roving Vehicle, que pode ser traduzido como “Veículo de Exploração Lunar”. Em inglês ele é mais conhecido como “Moon rover” ou “lunar rover”, então vamos chamá-lo simplesmente de “jipe lunar”.
O Lunar Roving Vehicle, não foi algo sacado pela NASA entre as missões Apollo 14 e Apollo 15. Seu conceito data dos anos 1950, quando Wernher von Braun publicou uma série de artigos na revista Collier’s Weekly, explicando em detalhes o que precisaríamos para conquistar a Lua. Em um destes artigos von Braun mencionou que iríamos passar seis semanas na Lua usando veículos de 10 toneladas para transportar suprimentos e equipamentos de pesquisa.
Para descobrir se isso seria possível, a NASA começou a verificar se isso seria possível. Em parceria com a Boeing, Lockheed, Bendix, GM, Bell Aerospace, Grumman e Brown Engineering, a NASA começou a estudar formas de locomoção veicular na Lua e suas possibilidades — o que eles poderiam fazer, como poderiam fazer, o que poderiam transportar e para que transportar. O primeiro estudo foi o sistema de logística lunar (LLS na sigla em inglês), depois foi o laboratório de mobilidade (MOLAB), depois o módulo de sobrevivência científica lunar (LSSM) e, por último, o artigo de teste de mobilidade (MTA).
Em seguida, durante a redesignação do programa Apollo, a NASA pretendia originalmente lançar dois foguetes Saturno V para cada missão. Um para a tripulação e para os módulos lunares que fariam o pouso e o retorno, e outro para enviar um módulo de transporte chamado LSM-T, que levaria todo o equipamento e suprimento necessário para a equipe na Lua — exatamente como a antevisão de Von Braun.
Até aqui a ideia ainda estava no papel. Em 1962 a Grumman começou a projetar uma série de veículos fechados, com cabine pressurizada e motores elétricos em cada roda. Paralelamente, a Boeing e Bendix começaram a estudar uma forma de projetar um carro lunar e a divisão de defesa da GM desenvolveu um projeto de “pneus” para uso na Lua, desenvolvidos por um engenheiro húngaro chamado Ferenc Pavlics.
No início do ano seguinte a NASA finalizou um estudo de 10 volumes sobre um sistema de suporte logístico para o projeto Apollo no qual era mencionada a necessidade de um veículo pressurizado com entre 2.940 e 3.840 kg, capaz de acomodar dois astronautas e seus equipamentos, e com autonomia para duas semanas.
Em 1964 a Bendix e a Boeing ainda estavam realizando seus estudos quando venceram a concorrência para construir o tal carro pressurizado mencionado no estudo da NASA. Além deles, a GM também participaria do desenvolvimento.
Acontece que naquele mesmo ano o Congresso americano estava insatisfeito com a montanha de dinheiro que a NASA estava investindo na corrida espacial e pressionou a agência a reduzir os custos. Com isso, eles tiveram que abrir mão das missões de dois foguetes, o que eliminou a possibilidade de transportar um veículo lunar de quase quatro toneladas. Desta forma, todos aqueles sistemas propostos no início dos anos 1960 e imaginados por Von Braun seriam inviáveis.
Diante disso, a NASA e seus parceiros começaram novos estudos foram para simplificar os sistemas que seriam levados à Lua, e concluíram em 1967 que somente o LSSM era indispensável para o programa Apollo. O LSSM era composto por um laboratório e por um veículo de exploração que poderia ser usado por um astronauta ou controlado remotamente. Inicialmente esse sistema (LSSM) fora desenvolvido para as missões com dois foguetes, mas como isso não seria mais possível, a NASA começou a estudar veículos menores. Em 1969, Wernher von Braun aprovou o conceito de “rover lunar”. Em 11 de julho, cinco dias antes do lançamento da Apollo 11, a NASA abriu a concorrência para o desenvolvimento e construção do veículo.
Boeing, Bendix, Grumman e Chrysler enviaram propostas. Depois de três meses de negociações, a Boeing foi selecionada para construir o carro e os sistemas eletrônicos e de navegação, e a GM como fornecedora dos componentes de mobilidade. A entrega estava prevista por contrato para 1º de abril de 1971.
O projeto ficou pronto no prazo, mas acabou custando um pouco mais que o planejado. O orçamento inicial era US$ 19 milhões, mas acabou consumindo US$ 38 milhões — exatamente o dobro do previsto e não muito distante do orçamento que o Congresso pediu que fosse economizado.
Os detalhes do jipe lunar
O jipe lunar, ou melhor, o “Lunar Roving Vehicle”, tinha 210 kg de massa e podia transportar 490 kg de carga. Ele era curto, tinha apenas 3,1 metros de comprimento, mas seu entre-eixos era relativamente grande para seu tamanho, com 2,3 metros.
Um dos aspectos mais interessantes é que ele tinha muitas semelhanças com carros esportivos da época. Seu chassi era feito com tubos de alumínio 2219 e a suspensão usava braços triangulares sobrepostos com um amortecedor pressurizado e uma barra de torção longitudinal como elemento elástico. Os freios usavam discos metálicos com pinças nas quatro rodas e eram acionados por cabo.
As diferenças começavam na forma de operação: ele não tinha volante nem pedais. Em vez disso, ele era controlado por um joystick que acelerava ao ser movido para a frente, dava marcha à ré ao ser movido para trás, e esterçava os dois eixos ao ser movido para os lados — o sistema foi pensado para reduzir o raio de giro, que tinha apenas 3,1 metros. Não havia coluna de direção: como os aviões da Boeing, os comandos de direção eram “by wire”, assim como o comando de aceleração.
Isso porque o carro era elétrico (você não esperava um motor a combustão na Lua, não é?) e, vejam só, usava um motor em cada roda. Eram motores DC de 0,25 cv cada (totalizando 1 cv) capazes de atingir 10.000 rpm, porém com uma redução de 80:1 — ou seja: as rodas giravam, no máximo, 125 vezes por minuto. A velocidade máxima projetada era de 8 km/h.
Falando nelas, apesar do uso de pneus ser possível na Lua, as rodas reaproveitaram o design da GM do início dos anos 1960. Elas eram formadas por um disco de alumínio no qual era instalado um “pneu” (entre aspas porque não era pneumático) de 230 mm de largura feito de malha de zinco e lâminas de titânio rebitadas e dispostas em V para otimizar a tração. Por dentro, ele tinha um anel de borracha para proteger a roda de alumínio dos impactos.


A alimentação era feita por duas baterias de hidróxido de prata-zinco potássio, que forneciam 121 aH e 36 volts. Além dos motores de propulsão e de estiramento, elas também alimentavam uma tomada de 36 volts instalada na dianteira do veículo para alimentar o sistema de comunicação ou a câmera de vídeo. Elas não eram recarregáveis, mas foram projetadas para fornecer até 92 km de autonomia.
Dirigindo na Lua
O primeiro motorista da Lua foi David Scott, comandante da missão Apollo 15. A estreia do jipe lunar aconteceu no dia seguinte ao pouso do módulo Falcon. Scott e James Irwin desembarcaram o jipe, abriram o chassi dobrável e começaram a dirigi-lo. O carro foi usado por 27,8 km ao longo de 18 horas e 33 minutos — o dobro do tempo da missão anterior. Eles carregaram 77 kg de amostras lunares e abandonaram o veículo na superfície da Lua antes de voltar para a Terra.

O segundo jipe lunar rodou sobre a Lua por 20 horas e 14 minutos sob o comando de John Young e Charles Duke Jr da Apollo 16. Apesar de ter passado mais tempo na Lua, a dupla rodou 700 metros a menos que a missão anterior, atingindo 27,1 km. Depois de transportar quase 96 kg de amostras da Lua, o carro também foi abandonado pela tripulação.

Em uma reunião dos astronautas do programa Apollo realizada em março deste ano, Charles Duke contou como era dirigir o jipe lunar:
“O lunar rover pesava apenas 37 kg na Lua, então nos amarrávamos a ele e saíamos dirigindo. Achei a rodagem verdadeiramente esportiva. Ele chacoalhava muito. Às vezes a dianteira saía do chão. Era arisco. A traseira deslizava como se estivesse sobre o gelo e ele sobre-esterçava às vezes. Às vezes isso dificultava direcionar o carro — e fica assustador com as crateras e cânions da Lua. Mas era divertido demais.”
O terceiro e último exemplar que foi à Lua foi dirigido por Eugene Cernan e Jack Schmitt, da missão Apollo 17, entre os dias 11 e 14 de dezembro de 1972. Foram três saídas de pouco mais de 7 horas, que totalizaram 22 horas e quatro minutos. Nessa missão o jipe lunar quebrou dois recordes espaciais: ele se tornou o veículo mais rápido da Lua ao atingir 18 km/h sob o comando de Cernan; e teve a maior distância percorrida por um motorista sobre a Lua, depois de rodar 35,74 km. Até hoje somente dois veículos rodaram mais que ele: a sonda Lunokhod 2 da URSS, que rodou 39 km em 1973, e a sonda Opportunity, que rodou 45,16 km entre 2004 e 2018 — um feito que mereceu um post especial no FlatOut.
Segundo a NASA, os três exemplares deixados na Lua permanecem como deixados até hoje, íntegros, mas provavelmente sem condições de funcionamento. O quarto exemplar serviu para fornecer componentes sobressalentes e não existe mais. O que há são várias réplicas e protótipos espalhados por museus e parques nos EUA, como o modelo exposto no Epcot Center, ou o exemplar do Smithsonian Museum.
O jipe lunar foi o carro mais improvável já construído. Um carro projetado com tantas exigências para ser usado só uma vez e por distâncias pedestres. E ainda assim ele funcionou e foi usado como um carro. O Lunar Roving Vehicle não foi só uma ferramenta científica: foi a materialização da relação humana com os automóveis. Mesmo na Lua, longe do restante da humanidade, um carro nos ajudou a encurtar distâncias.
Os engenheiros da Boeing e da General Motors sabiam que jamais o veriam de volta. E ele tinha que ser impecável, porque não haveria uma chance de consertá-lo ou de trazê-lo de volta e voltar mais tarde. Cada solda, cada contato elétrico, cada junta articulada precisava sobreviver em um ambiente que alternava entre o calor de 120 °C e o frio de −150 °C — sem oxigênio, sem lubrificante, sem margem para erro. E, ainda assim, ele andou.

E por mais que pareça uma extravagância, o LRV contribuiu para a tecnologia que hoje vemos nos veículos elétricos. Ele mesmo, afinal, era um veículo elétrico. O LRV era movido por motores elétricos de corrente contínua, tinha direção por joystick, tração integral, freios a disco e pneus metálicos flexíveis. Era um protótipo de tudo o que hoje chamamos de mobilidade elétrica.
A tecnologia de motores independentes por roda, por exemplo, inspirou diretamente a engenharia dos rovers marcianos — e dos esportivos elétricos modernos. Mesmo o conceito de modularidade do chassi em alumínio e a priorização de peso mínimo influenciaram o design automobilístico terrestre nas décadas seguintes.
A experiência acumulada na gestão térmica de baterias, no isolamento de circuitos e na redundância de sistemas se tornaria o alicerce de tecnologias usadas hoje em qualquer veículo elétrico de rua. Quando a GM começou a estudar baterias recarregáveis nos anos 1970, parte do aprendizado veio dos relatórios da Apollo 15. O rover lunar foi o primeiro automóvel verdadeiramente “drive by wire”. Não admira que tenha sido ela a precursora do carro elétrico moderno.
Os três exemplares deixados lá em cima continuam no mesmo lugar, cobertos por meio século de poeira lunar. Estão como foram estacionados — o primeiro em Hadley Rille, o segundo em Descartes, o terceiro em Taurus-Littrow. Silenciosos, sem baterias, sem oxidação, mas ainda completos. Cada um deles é um museu esquecido à beira do nada, preservando a memória de um tempo em que ousamos dirigir além da Terra e que, mesmo em um ambiente estéril e inóspito, deixamos a marca de uma roda.
