No verão de 1974, Louise Piëch completou 70 anos. Uma data especial exigia um presente especial e, sendo filha de Ferdinand Porsche e irmã de Ferry Porsche, esse presente às vezes pode ser um carro inédito e exclusivo. No caso da dona Louise, foi o Porsche 911 Turbo. O primeiro de todos os 911 Turbo fabricados.
Mas aquele não era simplesmente um Turbo de produção entregue antes dos demais. Era diferente. Mantinha a carroceria estreita do 911 Carrera regular, porém já com o enorme spoiler whale tail — uma combinação rara, para não dizer única. O motor era calibrado de forma mais amena, adequado a uma senhora de 70 anos que o usaria no dia a dia. O interior tinha revestimento de tecido xadrez vermelho, os vidros eram completamente transparentes (Louise era artista e gostava de pintar de dentro do carro), e o letreiro “Turbo” foi suprimido, ficando apenas “Carrera”.

Louise adorou o presente. Usou o carro regularmente até meados dos anos 1980, quando recebeu seu último Porsche, um 964 Carrera 4 de 1989. O 911 Turbo original foi então guardado no acervo da Porsche, onde permanece até hoje no museu da marca.
Aquele carro artesanal para a matriarca da família não era apenas um presente. Era a materialização de um projeto que estava prestes a mudar para sempre o mercado de carros esportivos de alto desempenho. E sua história começara dois anos antes, quando a FIA mudou as regras do jogo.
Em 1972, a Federação Internacional do Automóvel anunciou que, a partir de 1975, os Grupos 4 e 5 do campeonato mundial de marcas exigiriam que os carros fossem produzidos em série e disponíveis para venda através das redes de concessionárias das fabricantes. Para obter homologação no Grupo 4, seria necessário produzir pelo menos 400 unidades em um período de 24 meses.
Para a Porsche, isso representava tanto uma oportunidade quanto um desafio. A empresa vinha experimentando com turbocompressores desde o final dos anos 1960, inicialmente em motores de competição. Em 1969, eles haviam construído um motor flat-16 de 6,0 litros aspirado para a CanAm que produzia 770 cv. Calcularam que, em sua forma eventual de 7,2 litros, chegaria a 880 cv. Mas aquele motor nunca correu, porque no mesmo banco de testes havia outro que o tornou instantaneamente obsoleto: uma versão turboalimentada do flat-12 de 5,0 litros do 917 Spyder já entregava 900 cv. Com o tempo, aquele motor chegaria a 1.200 cv, tornando-se um dos motores de corrida mais potentes de todos os tempos.

Após vencer dois campeonatos consecutivos na CanAm com o 917/30 turboalimentado, a Porsche foi essencialmente banida pelos organizadores, que mudaram as regras para limitar a dominância alemã. Mas o conhecimento acumulado em turbocompressores permaneceu. E quando a FIA anunciou as novas regras de homologação, Ferry Porsche viu a chance perfeita de aplicar aquela tecnologia de corrida a um carro de rua baseado no 911. A missão foi entregue a Ernst Fuhrmann.
Fuhrmann era uma lenda na Porsche antes mesmo de assumir a presidência da empresa em 1971. Nascido em Viena em 1918, ele havia se juntado ao escritório de design da Porsche em 1947, quando a empresa ainda estava sediada em Gmünd, na Áustria. Trabalhara junto a Ferry Porsche em projetos como o Cisitalia 360, e em 1951 Ferry lhe confiara uma missão crucial: desenvolver uma versão de alto desempenho do motor de quatro cilindros que o 356 havia herdado do Volkswagen Fusca.

O resultado foi o lendário motor Fuhrmann — um quatro cilindros de eixo vertical com dois comandos de válvulas por banco, dupla ignição e lubrificação de cárter seco. Aquele motor, capaz de atingir 8.000 rpm (astronômico para a época), equipou os 356 Carrera, o 550 Spyder e inúmeros carros de corrida que voaram de vitória em vitória ao longo dos anos 1950, e separou de uma vez por todas a Porsche do Volkswagen. Até 1964, quando a produção cessou, quase 1.700 motores Fuhrmann foram construídos, e até hoje apenas poucos especialistas no mundo conseguem ajustar com precisão seu complicado trem de válvulas.
Quando Ferry Porsche lhe entregou o projeto do 911 turboalimentado de rua em 1972, Fuhrmann já era presidente da empresa e tinha uma visão clara do que aquele carro deveria ser. E essa visão encontraria uma certa resistência.
Dentro da Porsche, havia um debate considerável sobre que tipo de carro de rua o 911 Turbo de produção deveria ser. Alguns achavam que deveria seguir a fórmula dos modelos RS — um carro radical, despojado, focado em performance pura, vendido pelo preço mínimo necessário para atingir as 400 unidades de homologação.

O Carrera RS 2.7, lançado em 1973, havia estabelecido o template: bancos de fibra de vidro leves, carpete mínimo, vidros mais finos, chapas mais finas, sem isolamento acústico, sem relógio, sem revestimento das portas, sem nada que não fosse absolutamente essencial. Pesava apenas 975 kg e custava relativamente pouco porque era, essencialmente, um carro de corrida com placa. A Porsche pretendia fazer apenas 500 unidades para homologação, mas a demanda foi tão grande que acabaram produzindo 1.580. Ainda assim, era um carro para quem aceitava sacrifícios em nome da performance — barulhento, desconfortável, impraticável para uso diário.
Muitos dentro da Porsche imaginavam o Turbo seguindo esse caminho: um especial de corrida mal disfarçado de carro de rua, vendido a contragosto apenas para cumprir regulamentações de homologação.

Mas Fuhrmann via diferente. Ele insistia que o caráter do Turbo — silencioso, implacável, com poder enorme — se prestava a um verdadeiro GT de alto desempenho com todos os confortos que a Porsche pudesse oferecer, e com um preço correspondente. Ele acreditava que havia mercado para um 911 que fosse simultaneamente o carro mais rápido e o mais luxuoso da linha, acima do RS Touring. Não um especial de homologação vendido a contragosto, mas um supercarro civilizado que a Porsche teria orgulho de vender em grandes números. Bancos confortáveis de couro, carpete grosso, isolamento acústico completo, ar-condicionado, acabamento impecável e um motor potente como nunca fora oferecido — tudo o que tornava um carro adequado para viagens longas e uso diário.
Fuhrmann venceria a discussão e, ainda em 1972, o Porsche 911 Turbo começou a ser desenvolvido.
A Porsche já havia testado um motor 2.0 turbo em 1969, mas foi só em 1973 que os testes de estrada começaram, inicialmente com uma versão do motor 2.7 equipado com um único turbo. Foi nessa configuração que o carro fez sua estreia pública como conceito no Salão de Frankfurt em setembro daquele ano.

O protótipo prata e branco exibido em Frankfurt tinha a carroceria de um 911 Carrera RS 3.0, com enormes gráficos “Turbo” aplicados nos para-lamas traseiros alargados. O motor era anunciado com 280 cv, com velocidade máxima teoricamente superior a 250 km/h. E apesar da iminente crise do petróleo da OPEP, entusiastas abastados ao redor do mundo clamavam pelo carro.
Sem se abalar pelo ambiente político conturbado no Oriente Médio, a Porsche seguiu em frente com o desenvolvimento. Quando o carro de produção apareceu no Salão de Paris em outubro de 1974, as especificações haviam evoluído. O motor agora tinha três litros, ampliado para melhorar o desempenho na “fase aspirada”, com 260 cv declarados a 5.500 rpm e 35 kgfm a 4.000 rpm.

Um câmbio novo e mais forte lidava com o torque, mas tinha apenas quatro marchas (enquanto o Carrera “inferior” tinha cinco), algo que desagradou alguns clientes. E não havia manômetro de boost no cockpit — Fuhrmann acreditava que clientes bem estabelecidos não precisavam saber dos detalhes de funcionamento da característica propulsora estrela do carro.
A Porsche havia investido mais de US$ 2.000.000 para desenvolver o carro até a linha de produção. Mas a imprensa automobilística ficou atônita. A revista britânica Motor o chamou de “a melhor máquina que você pode comprar”.
O 911 Turbo — internamente designado 930 — começou a ser produzido em fevereiro de 1975. As primeiras 30 unidades vieram pintadas em um tom de verde prateado metálico chamado Silver Green Diamond. Na época, era o Porsche mais caro disponível e o carro de rua mais rápido produzido na Alemanha. Acelerava de zero a 100 km/h em 5,5 segundos, de zero a 200 km/h em 20,1 segundos, e atingia 246 km/h de velocidade máxima.

Mas os números não eram tudo. O 930 era extraordinariamente rápido, mas também extraordinariamente exigente de se pilotar. O entre-eixos curto e o motor traseiro o tornavam propenso ao sobre-esterço e turbo lag. Afundar o pedal na hora errada, fazia a traseira escapar e o carro rodava insanamente. Não demorou para que o 911 Turbo ganhasse a fama de “fazedor de viúvas” (ou “widowmaker”), depois de vários acidentes fatais atribuídos a estas características dinâmicas.

Ironicamente, aquela dificuldade de pilotagem se tornou parte do apelo. Para pilotos habilidosos, o 930 oferecia a experiência de dirigir mais emocionante de suas vidas. Você precisava respeitar o carro. E se respeitasse, ele recompensava com performance que poucos carros no mundo podiam igualar.
Em 1978, o 911 Turbo passou por sua primeira evolução profunda. O motor foi ampliado para 3,3 litros, um intercooler foi adicionado ao sistema turbo, o trem-de-força foi atualizado, e um novo sistema de freios foi instalado, junto com pneus mais largos. Aqueles freios extraordinários, desenvolvidos a partir do onipotente 917 de corrida, consolidaram a reputação da Porsche no mercado de esportivos.

Com o intercooler, a potência subiu para 300 cv — o número mágico que a Porsche havia evitado anteriormente por medo de que fosse demais para motoristas inexperientes. O spoiler traseiro mudou de forna para acomodar o intercooler: sai o whale tail, entra o tea tray, identificável pelo deck plano e pelas bordas elevadas de borracha grossa.

Em 1979, as vendas do 930 nos EUA foram interrompidas devido a regulamentações de emissões. Fuhrmann, que vislumbrava o luxuoso 928 eventualmente substituindo o 911 como topo da linha Porsche, cortou o desenvolvimento adicional do modelo. O 930 só retornaria ao mercado americano em 1986, quando ganhou um sistema de emissões revisado com catalisador, depois que Fuhrmann se aposentou.
O 930 continuaria em produção até 1989 com modificações sutis. No último ano de produção, finalmente recebeu o câmbio de cinco marchas. Ao longo de sua vida, foram produzidas 20.664 unidades, divididas entre 3.227 exemplares do 3.0 e 17.437 do 3.3. A produção posterior incluiu versões Targa e Cabriolet, além dos raros modelos slantnose ou flachbau, com faróis escamoteáveis.

O 911 Turbo retornou em 1991, baseado na geração 964 do 911 que havia aparecido em 1989. Com aerodinâmica melhorada, ventilação do cockpit e direção assistida — sem mencionar um aumento adicional de potência para 320 cv — o Turbo deu um passo significativo em termos de refinamento e usabilidade diária. Um novo motor Turbo de 3,6 litros apareceu em 1993, mas este seria o último modelo baseado na configuração original do carro. O que viria a seguir, mudaria a história do 911 Turbo para sempre — e o consolidaria como a referência de desempenho do segmento.

O 911 Turbo 993, revelado ao público no Salão de Genebra em 1995, trouxe duas inovações que o acompanhariam até hoje: dois turbos e tração integral. O motor 3,6 litros ganhou dois turbos, controlados eletronicamente, o que fez sua potência saltar para 410 cv e o torque para 55 kgfm — mais importante: 50 kgfm estavam disponíveis a partir de 3.000 rpm. Dobrar os turbos acabou com o lag associado ao modelo — agora a potência chegava de forma linear e previsível.

O novo carro também introduziu tração nas quatro rodas ao Turbo, encerrando as versões de tração traseira — o que otimizou as saídas de curva e tornou o carro mais controlável, encerrando de vez a fama de “widowmaker”. Havia também um novo câmbio manual de seis marchas, freios ABS, rodas de liga leve com raios ocos e freios ainda mais eficientes. Em resumo, o desempenho do 959 de dez anos antes, estava agora disponível em um modelo produzido em série.
Em 1997 a Porsche lançou o 996, a primeira geração do 911 completamente desenvolvida do zero. Tudo era novo, incluindo o motor flat-6 com arrefecimento líquido. Inevitavelmente, uma variante Turbo seria lançada, e os engenheiros do centro de pesquisa e desenvolvimento da Porsche em Weissach abordaram a tarefa com entusiasmo.

A receita seria familiar, mas o motor era novo — que se tornaria coloquialmente conhecido como motor Mezger, em homenagem ao projetista de motores Hans Mezger. O motor tinha suas raízes no motor de corrida projetado para o 935/78 Moby Dick de 1978, o 911 de corrida mais extremo já construído pela fábrica para corridas internacionais de carros esportivos.
O novo 911 Turbo compartilhava os fundamentos deste motor completamente refrigerado a água com o GT3, mas com os dois turbos, produzia 420 cv para uma velocidade máxima pouco abaixo de 320 km/h. Outra nova adição era o Porsche Stability Management, o famoso “PSM”, embora sua intervenção raramente fosse necessária. Mais uma vez, o 911 Turbo redefinia os padrões de desempenho com um conjunto compacto e prático.

A geração 997, apresentada em 2006, trouxe outra inovação crucial: turbos de geometria variável (VTG). Pela primeira vez em um carro de produção movido a gasolina, as palhetas-guia da turbina ajustavam seu ângulo dependendo das características de resposta do motor. Em baixas rotações, ficavam mais íngremes no fluxo de escape, permitindo que os turbocompressores respondessem muito mais cedo, eliminando o notório turbo lag. A potência subiu para 480 cv e 620 Nm de torque, que podia ser aumentado para 680 Nm por um curto período usando a função overboost.

A geração 997 também introduziu o câmbio de dupla embreagem PDK em 2010, finalmente dando ao Turbo uma opção de câmbio automático que era realmente rápida. No Turbo S de 2010, a potência subiu para 530 cv.
A geração 991, lançada em 2013, trouxe direção no eixo traseiro — cujo controle eletrônico esterça as rodas junto ou contra as rodas dianteiras dependendo da velocidade. Com 520 cv no Turbo e 560 cv no Turbo S (disponível desde o início), novos padrões de performance foram estabelecidos.

E a geração 992, a mais recente, chegou interessantemente apenas como Turbo S. O que antes anunciava o fim da produção como série especial final agora se tornou o padrão. O motor 3,8 litros é equipado com dois turbos VTG espelhados com wastegates e desenvolve 650 cv a 1,4 bar de pressão de boost.
Cinquenta anos depois daquele primeiro 911 Turbo pintado em Silver Green Diamond, o conceito criado por Ernst Fuhrmann permanece intacto: o 911 Turbo é o topo absoluto da linha, combinando performance extrema com luxo e usabilidade diária. Não é um especial de homologação. Não é um track toy. É um supercarro que você pode usar todos os dias.
Mas o legado do 930 vai além dos números de vendas ou das especificações técnicas. Ele provou que turbos podiam ser domados para uso em carros de rua. Ele estabeleceu os fundamentos para todos os esportivos de motor turbo que viriam depois. E, talvez mais importante, ele demonstrou que performance extrema e civilidade não eram mutuamente exclusivas.

Antes do 911 Turbo, supercarros eram temperamentais, difíceis de usar, impraticáveis para uso diário. O 930 era difícil — merecidamente ganhou o apelido de Widowmaker. Mas não era impossível. E cada geração subsequente tornou aquela combinação de performance e usabilidade mais acessível, mais refinada, mais perfeita.
Hoje, um 911 Turbo é rápido o suficiente para enfrentar qualquer supercarro , confortável para dirigir todos os dias, e confiável o bastante para atravessar continentes. Ele pode levar você para o trabalho na segunda-feira e para um track day no sábado. Pode transportar mantimentos ou registrar tempos de volta que carros de corrida profissionais alcançavam há uma década. Não é o único a fazer isso, mas foi o primeiro.


