o ano era 1922 a europa ainda respirava a poeira e a polvora a primeira guerra mundial terminara havia apenas quatro anos mas suas marcas ainda eram presentes havia uma geraçao dizimada cidades arruinadas e uma economia ferida como um veterano das trincheiras ao mesmo tempo havia um clima de reinvençao no ar — especialmente na italia que buscava se afirmar como potencia industrial em meio ao caos do pos guerra na industria automobilistica o contraste era gritante de um lado as fabricas que haviam sobrevivido a guerra convertiam sua produçao militar em produtos civis — muitas vezes com soluçoes improvisadas reciclando conceitos moldes e tecnologias da decada anterior do outro uma nova geraçao de engenheiros e empresarios começava a imaginar um carro diferente nao mais uma carruagem motorizada mas uma maquina racional leve rapida e eficiente vincenzo lancia era um desses homens engenheiro de formaçao piloto de vocaçao e empresario por inquietaçao nascido em 1881 ele começou sua carreira como piloto de testes da fiat mas sua verdadeira paixao estava nos bastidores — na forma como um carro se comportava no rigor das tolerancias mecanicas no equilibrio entre estrutura e movimento para ele um carro precisava ser mais que potente precisava ser coerente [caption id= attachment_383217 align= aligncenter width= 1920 ] vincenzo lancia[/caption] a maioria dos carros da decada de 1920 ainda seguia formulas do seculo xix chassis de longarinas pesadas carrocerias de madeira revestida eixos rigidos e motores ruidosos dirigir exigia força habilidade e muitas vezes sorte para vincenzo isso era inaceitavel e o lambda seria sua resposta um manifesto tecnico imagine o que e ter a coragem de construir um carro como ninguem mais no mundo nao apenas um carro diferente mas um carro que fosse superior a tudo o que havia suspensao independente impossivel diziam monobloco fragil demais um motor v4 estreito de aluminio com comando no cabeçote um luxo complicado nenhuma dessas ideias havia sido testada em serie nenhuma era segura do ponto de vista comercial mas vincenzo lancia nao era um homem que jogava seguro ele era um perfeccionista do tipo que se levanta no meio da noite para esboçar a soluçao de algo que vinha martelando sua cabeça mais que isso era alguem profundamente frustrado com a lentidao da industria para ele os carros que existiam em 1910 ja estavam tecnicamente obsoletos quando fundou a lancia & c fabbrica automobili em 1906 ja tinha em mente um ideal claro fabricar automoveis que fossem reflexo de inteligencia mecanica nao apenas de potencia seus primeiros modelos — como o alpha o beta e o theta — ja traziam inovaçoes importantes como sistemas eletricos completos e motores equilibrados mas ainda estavam presos a um conceito antigo de construçao com chassis separados e soluçoes herdadas das carruagens motorizadas tudo mudou apos a primeira guerra mundial o conflito trouxe tecnologias novas materiais mais leves tecnicas de fundiçao refinadas que permitiram realizaçoes mais ousadas a fagulha de inovaçao surgiu em dezembro de 1918 quando lancia registrou a patente de um novo tipo de chassi feito de chapas metalicas estampadas que integrava longarinas e travessas a estrutura da carroceria era um conceito radical que propunha uma nova forma de construir automoveis rompendo com o metodo tradicional de se usar a carroceria quase sempre terceirizada sobre um chassi de longarina com travessas vincenzo lancia teve a ideia durante uma viagem aos eua observando o proprio navio que o levava ao outro lado do atlantico ele vislumbrou uma construçao semelhante a do casco da embarcaçao aplicada a um automovel a concessao da patente veio em março de 1919 nascia ali o projeto de seu novo carro um manifesto contra a mediocridade tecnica uma estrutura que eliminava o chassi uma suspensao que controlava cada roda individualmente e um motor que unia leveza torque e equilibrio como nenhum outro da epoca seu novo carro nao aderia aos modismos da epoca ele era baseado em suas convicçoes [caption id= attachment_383240 align= aligncenter width= 1600 ] note a estrutura do monobloco a frente da porta do passageiro[/caption] lancia projetou o monobloco com seu engenheiro de confiança battista falchetto com paredes internas nervuradas e reforços estruturais onde antes se usavam parafusos e longarinas esse conceito/metodo construtivo nao apenas reduzia o peso total do carro como tambem aumentava sua rigidez a torçao — e consequentemente sua segurança e comportamento dinamico alem disso por ter as longarinas como parte da propria carroceria o assoalho ficou mais baixo o carda que normalmente passava sob assoalho era acomodado por um tunel central que atravessava a cabine do carro o carro tambem tinha uma suspensao dianteira independente algo inedito em escala industrial a ideia de fazer uma suspensao independente na dianteira nao surgiu por conforto ou dinamica mas por segurança lancia teve uma quebra de mola durante uma viagem com seu lancia kappa perdendo a suspensao do carro com isso a perda de um amortecedor ainda garantia um minimo de controle e segurança do carro a arquitetura escolhida era peculiar e embora nao fosse inedita era a primeira vez que seria produzida em grande escala duas colunas telescopicas uma em cada ponta do eixo dianteiro com molas helicoidais concentricas encapsuladas nestas colunas o conjunto era montado diretamente no monobloco com a manga de eixo deslizando na coluna em curvas a açao independente melhorava o contato com o solo resultando em menor inclinaçao da carroceria no resto do tempo as superficies irregulares dos anos 1920 eram filtradas pelo arranjo proporcionando um nivel de conforto jamais visto nao era um sistema facil de ajustar as colunas verticais exigiam precisao absoluta de usinagem tolerancias rigidas e lubrificaçao adequada — mas em troca ofereciam uma experiencia de conduçao que parecia vinda do futuro era como se lancia tivesse reinventado o automovel a partir do chao por ultimo o motor tambem foi idealizado para fugir dos padroes da epoca em vez de um bloco pesado e vertical como eram os motores em linha da epoca lancia adotou uma configuraçao que ja era usada em corridas mas nao em modelos de produçao seriada um v4 com angulo estreito entre as bancadas isso permitia uma construçao extremamente compacta quase tao estreita quanto um motor de quatro cilindros em linha mas com melhor equilibrio de massas e menor comprimento longitudinal o que tambem resultava em um capo mais curto em melhor aproveitamento do espaço interno entre eixos e um centro de gravidade mais baixo a maior ousadia do motor contudo eram o material e sua concepçao o bloco e o carter eram de aluminio fundido — algo que nem mesmo os carros de competiçao usavam na epoca mais leve que ferro mas exigente em controle termico e usinagem o aluminio mantinha o motor leve impondo menos carga sobre a estrutura do carro alem disso ele usava comando simples no cabeçote com sincronizaçao por engrenagens algo que tornava suas respostas mais imediatas com operaçao suave e entrega de potencia linear tornando o motor elastico e fazendo com que ele parecesse ter bem mais do que seus 50 cv a revoluçao silenciosa o primeiro prototipo do carro ficou pronto em 1921 e como de costume foi testado pelo proprio vincenzo lancia nas estradas sinuosas do noroeste da italia entre turim e o passo do monte cenis na epoca a fronteira italiana com a frança nos testes lancia fez os refinamentos tecnicos no carro e se convenceu de que ele precisava de freios nas quatro rodas apesar de te los rejeitado inicialmente o carro foi batizado pela ordem do alfabeto grego adotada por vincenzo lancia desde seu primeiro carro o alfa depois do beta do gamma do delta do zeta do theta e do kappa era a vez do lambda [caption id= attachment_383231 align= aligncenter width= 907 ] o prototipo do lambda[/caption] o lancia lambda foi apresentado no salao de paris de 1922 e diferentemente do que se possa imaginar suas inovaçoes tecnicas causaram mais ceticismo e criticas negativas do que espanto e admiraçao jornalistas hesitaram concorrentes debocharam mas bastava sentar se ao volante para descobrir que o lancia lambda entregava uma experiencia de conduçao inedita graças ao monobloco e a suspensao dianteira independente o lancia lambda nao apenas era mais leve do que seus concorrentes — era mais coeso mais comunicativo mais obediente a direçao era direta a estabilidade em curvas era surpreendente e a forma como o carro lidava com irregularidades de piso era algo nunca antes visto fora dos prototipos de corrida pela primeira vez um carro de passeio oferecia controle e conforto em igual medida jornalistas da epoca se espantavam com a fluidez com que o lambda contornava curvas em estradas de montanha era imbativel em longas retas mantinha velocidade de cruzeiro sem esforço enquanto os ocupantes podiam conversar sem gritar — a velocidade maxima era de 115 km/h era um carro que transformava a tarefa de dirigir em prazer — nao no sentido moderno e banalizado da palavra mas como experiencia mecanica plena um prazer advindo da sensaçao do funcionamento perfeito e preciso da harmonia mecanica dos componentes e esse talvez seja o maior feito do lambda ele nao buscava apenas inovar tecnicamente mas transformar a relaçao entre o carro e seu condutor ao eliminar o ruido estrutural ao suavizar as reaçoes da suspensao ao tornar o motor mais civilizado lancia construiu algo raro um carro que fazia sentido como objeto de desejo e como soluçao racional de transporte quando chegou ao mercado em 1923 o lambda nao era um carro para todos era caro era tecnico demais sua estrutura monobloco exigia precisao de fabricaçao que poucas oficinas entendiam limitando a instalaçao de carrocerias sob medida — a lancia mais tarde modificaria o monobloco para facilitar a instalaçao de carrocerias especiais alem disso ela nao poderia ser personalizada como os outros carros da epoca afinal era parte da estrutura do carro seu motor v4 era avançado mas pouco familiar ate para os mecanicos mais experientes ele nao era popular — e tampouco queria ser ao longo de nove anos foram feitos apenas 13 003 unidades mas o lambda era um carro para quem gostava de maquinas e de inovaçao engenheiros pilotos aristocratas com olho tecnico — todos os que nao se contentavam com mais do mesmo viam no lambda uma revoluçao silenciosa a suspensao dianteira independente e o chassi autoportante mudaram a experiencia ao volante de forma irreversivel em um mundo ainda preso ao eixo rigido e ao ferro fundido o lancia era um vislumbre do que viria a ser o automovel moderno e nao demorou muito para que a industria percebesse — mesmo que a contragosto a estrutura monobloco por exemplo levaria anos ate ser adotada em larga escala foi so nos anos 1930 que marcas como citroen com o traction avant e chrysler com os airflow tentariam algo parecido em volume mesmo assim a execuçao ainda era complicada so nas decadas seguintes e que a ideia de que a carroceria pode ser o chassi se tornaria dominante a suspensao independente tambem embora algumas soluçoes inovadoras de suspensao dianteira independente tivessem aparecido nos anos 1930 ela se tornou o padrao somente a partir dos anos 1950 e mesmo entao a arquitetura de colunas deslizantes do lambda permanecia unica um experimento refinado demais para ser copiado — mas importante o suficiente para inspirar outras soluçoes [caption id= attachment_383236 align= aligncenter width= 1240 ] o lambda no acervo historico da fca[/caption] mas talvez o maior impacto do lambda tenha sido filosofico ate ele o carro era uma maquina que exigia concessoes se fosse forte era tosco quando era rapido era desconfortavel se fosse bonito certamente seria fragil o lambda mudou isso e mostrou que era possivel integrar engenharia com elegancia inovaçao com confiabilidade e que o automovel podia ser um instrumento de prazer tecnico foi o primeiro carro de produçao que tratou o ato de dirigir com o merecido respeito e foi tambem o prenuncio de uma nova forma de fazer automoveis nao e exagero dizer que tudo o que associamos a lancia — a obsessao por soluçoes pouco ortodoxas o culto ao equilibrio a busca pela perfeiçao mecanica — começou ali paradoxalmente estas mesmas soluçoes pouco ortodoxas que construiram a fama e a admiraçao pela marca a mantiveram no passado hoje a beira do esquecimento uma fabricante que criou os fundamentos do carro moderno 100 anos atras que nunca hesitou em ousar acabou rejeitada por um mundo que valoriza mais as certezas do que as possibilidades da inovaçao praticamente esquecida ela sequer tem um museu proprio felizmente nao e preciso de um para honrar e reconhecer seu legado porque ele esta em cada carro que circula pelas ruas do mundo inteiro hoje com suas carrocerias monobloco suas suspensoes dianteiras independentes e seus motores leves e compactos clique e veja os capitulos anteriores da serie 50 carros que mudaram o mundo
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