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História

CERV II: Corvette Zora, em 1964

 

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Particularmente acho uma chance desperdiçada, a de não chamar a geração C8 do Corvette de Zora, desde o início, todos os carros. Ao invés disso, no lançamento com um V8 OHV de 500 cv, era o “StingRay” de novo, o uso-reuso de um nome que deveria ter ficado somente no Sting-Ray de verdade, a geração C2. Zora por sinal nunca gostou desse papo de arraia; brigou muito com seus criadores, como já contamos aqui:

Zora Arkus-Duntov vs Bill Mitchell: a batalha do Corvette Stingray

Zora Arkus-Duntov, o primeiro engenheiro-chefe do Corvette, a vida toda quis fazer do Corvette um carro de motor central-longitudinal-traseiro, mas nunca conseguiu. Por ser um pioneiro, numa empresa tradicionalista.

Pioneiro mesmo: Zora começou a estudar o esquema num monoposto, o CERV I (Chevrolet Experimental Racing Vehicle, depois renomeado Corvette Experimental Research Vehicle) em 1959. O carro sobre o qual falaremos hoje, um dois-lugares funcional chamado CERV II, apareceu em 1964.

Zora, no CERV I

Pense bem. Em 1964 a Lamborghini tinha acabado de aparecer, e nem imaginava fazer motores centrais; o chassi do Miura foi mostrado somente em 1966. Em 1964 já se sabia que em competição que motor traseiro era o futuro, mas era completa novidade então, ainda. Mesmo em Le Mans um carro de motor traseiro só venceria em 1963, com o Ferrari 250P. Somente em 1965, ano seguinte, um Lotus de motor central-traseiro venceria a Indy 500. Zora, que tinha visto os Auto-Union correr no pré-guerra, e tinha vencido Le Mans (na categoria até 1100 cm³) dirigindo um Porsche 550 Spyder em 1954, queria ser o primeiro a colocar o esquema num carro esporte de rua. No Corvette.

Quando a Porsche aprendeu com a GM

Então quando finalmente o Corvette virou mid-engine na geração C8 que apareceu em 2019,  nada menos que 23 anos depois de sua morte, deveria ter recebido o sobrenome Zora. Uma chance perdida de elevar imediatamente o status da coisa toda, com só um aposto. Não daria para criticar um Corvette Zora se fosse o nome de toda a geração; teria uma força histórica que imediatamente exigiria respeito. Mais um Corvette que ganhou o nome StingRay para tentar lembrar-nos de um desenho de 1962? Para esse, a crítica é livre.

O Corvette C8, 2019: Sting-ray, não Zora

Ao invés disso, a GM prometeu que o nome Zora seria reservado para o mais radical, potente, sofisticado e caro dos C8. E aqui estamos, seis anos depois do lançamento do C8, ainda esperando o tal Zora. Agora, parece que realmente vai aparecer; tudo indica que será lançado amanhã, 17 junho de 2025.

O C8 Zora, se é que realmente será chamado assim, é esperado para ser algo simples, agora que já existe o Corvette Básico, o E-Ray, o Z06 e o ZR1. Pega-se o V8 DOHC biturbo de 1079 cv do ZR1, um carro de tração traseira, e se adiciona o motor elétrico de 162 cv no eixo dianteiro que transforma o carro básico no híbrido E-Ray. Assim, espera-se que o Zora venha com 1241 cv pelo menos, e tração nas quatro rodas.

O Zora, flagrado em Nurburgring pela carscoops

Há um precedente para um Corvette super-potente de motor traseiro central, e tração nas quatro rodas permanente, e o nome de Zora. É justamente a sua ideia para um Corvette 1965: o CERV II.

 

O “Zora” de Zora

Muito antes do “Total Performance” se tornar o slogan de Dearborn, antes que o GT40 fosse um brilho nos olhos da Ford, a arquirrival Chevrolet concebeu um impressionante carro esportivo de corrida com motor central que teria avançado o estado da arte e dado à Chevrolet a chance de vencer na classificação geral em algumas das maiores corridas de automóveis do mundo. Teria até mesmo ultrapassado os Chaparrals de motor central, dotando as máquinas americanas de uma vantagem mortal na guerra dos carros esportivos. Foi, como tantas vezes foi na Chevrolet, uma ideia original do irreprimível Zora Arkus-Duntov.” – Karl Ludvigsen

Esboços para o primeiro CERV II, em 1962

Em 1962, embora ainda tecnicamente ainda existisse um banimento para o envolvimento da GM em competições, Zora via claramente ventos de mudança. Para começo de conversa, ninguém ligou quando ele fez o CERV I, efetivamente um carro de fórmula; tirou até fotos oficiais com ele, e serviu como propaganda para a Chevrolet. Ed Cole, seu chefe entusiasta, foi promovido, e em seu lugar, na Chevrolet, chegou Bunkie Knudsen. Que disse “aceitar sugestões para maneiras em que a Chevrolet possa se envolver em corridas.”

Zora e seus CERV II

Em 1962, a FIA resolveu criar uma classe especial para carros esporte até 4 litros, inspirada pelas provas de Le Mans. Zora tomou tudo isso como um convite para fazer um novo Corvette de corrida, e colocou mãos à obra. E, claro, seria um moderno carro de competição com motor central-longitudinal-traseiro.

A primeira coisa a fazer era um transeixo. Para manter o entre-eixos não muito longo, Zora colocou o par final entre a caixa e o motor, e não no fim do transeixo. Dois conceitos foram criados nesta base: o primeiro parecia perfeito para produção, usando uma nova carcaça de alumínio, mas as engrenagens internas do câmbio manual de quatro marchas do Corvette de produção. Uma capa traseira para troca rápida de relações era parte do desenho.

O segundo CERV II, 1964: tomando forma no estilo

Uma caixa mais radical foi também desenvolvida: um câmbio automático. De novo as marchas planetárias e embreagens eram do câmbio de produção, em uma nova caixa exclusiva. Não havia conversor de torque porém: embreagens automáticas eram usadas, para as três marchas. As marchas não tinham seleção automática; o piloto usava o câmbio como um manual, sem embreagem. Esta foi a caixa principal do projeto; a de quatro marchas manual um back-up.

O V8 SOHC, aqui na forma final de 377 cid

O motor seria uma versão radical do V8 Small-Block da Chevrolet. Em vez de ferro fundido, o bloco seria fundido em alumínio ou, possivelmente, em magnésio, com camisas de ferro fundido. Um cárter úmido seria mantido, usando componentes do sistema de óleo como os planejados para o Corvette de 1963 e um radiador de óleo semelhante ao instalado no CERV I. As dimensões do motor seriam 93 x 73,2 mm, para um total de 3.978 cm³, para se adequar ao limite de quatro litros.

O trem de engrenagem do V8 SOHC de 1964, 377 cid

Radicalmente, Zora Duntov planejou fazer tanto o virabrequim quanto as bielas do motor do CERV II de titânio. Ele também estava considerando titânio para as válvulas. Desde então, tanto as válvulas quanto as bielas se tornaram usos bem estabelecidos do titânio em motores de corrida, mas a ideia de usá-lo no virabrequim era. Provavelmente, um pouco demais. O titânio também foi o material escolhido para os coletores de escape, outra aplicação que se tornou rotineira para aqueles que podem pagar por ela.

O 377 cid “normal, OHV, montado no carro

Os dois cabeçotes eram de alumínio, cada um com um único comando de válvulas no cabeçote. A partir do comando de válvulas de cada cabeçote, balancins abriam duas válvulas de admissão e uma única válvula de escape. A câmara de combustão era um  semi-hemi, na qual a vela de ignição era colocada próxima à válvula de escape quente. A injeção usaria o sistema Rochester com tubos verticais e borboletas individuais. Previa-se para uma potência de 400 cv e uma rotação máxima de 7.500 rpm. O motor pesaria 155 kg, ou 160 kg com todos os acessórios, no carro.

1964: o CERV II final, 4×4

A estrutura simples, porém eficaz, do tipo treliça, feita de tubos finos de aço aeronáutico, pesando 32 kg no total. Mas como sabemos, acabou não acontecendo. Mas vejam só: o Ferrari 250P que ganhou em 1963 o fez com um V12 de 4 litros de potência similar, mas em um carro 22% mais pesado. Claro que esses 22% podem ser necessários para durabilidade, mas… como saber ao certo? Na verdade, uma oportunidade perdida.

Mas quando 1963 vira 1964, tudo muda novamente. A Ford ia tentar vencer le Mans, com um carro chamado GT40. Ora, pensa Duntov e seu chefe Knudsen: se a Ford consegue, a Chevrolet também consegue. O trabalho começa para criar um novo CERV II; este para vencer o mais moderno GT40.

Agora, por exemplo, não havia mais limite de deslocamento. O que significa que o V8 Small-Block agora podia ter o seu máximo de deslocamento então, 377 cid, ou 6,2 litros. Tudo era novo no cabeçote SOHC: os comandos eram acionados por engrenagens, agora tinha apenas duas válvulas por cilindro mas a câmara era hemisférica. Com taxa de 11:1, o motor dava 550 cv a 6000 rpm, e 70,8 mkgf a 4800 rpm.

Mas este motor na verdade nunca acabaria nos CERV II que chegaram a ser montados. Para eles, acabou um 377 cid de alumínio, mas com cabeçote OHV como do motor de série.

O grande desenvolvimento da época é fácil de ver, olhando o vencedor de Le Mans em 1963 e 1966, por exemplo. Graças à estreita relação de Zora com a Firestone, o carro pôde usar os pneus de corrida mais avançados disponíveis na época. Zora foi o primeiro engenheiro fora da Firestone a testar os novos pneus mais largos e de perfil baixo, desenvolvidos no final de 1963 para a corrida de Indianápolis de 1964.

Ele os considerou altamente aderentes e agradavelmente tolerantes a erros do piloto. Escolheu o tamanho 9,50 x 15 para todas as quatro rodas, em aros de 8,5 polegadas fundidos em magnésio pela Kelsey-Hayes. Cubos de roda com parafuso central knock-off foram instalados com as corridas de longa distância em vista. E todas as quatro rodas e pneus tinham o mesmo tamanho porque Duntov havia decidido equipar seu CERV II com tração nas quatro rodas.

Duntov pensava no conceito desde que viu o Bugatti Type 53 4WD vencer uma prova de subida de montanha em 1935. O Bugatti era tão forte nas retas, mas tão fraco nas curvas que Zora pensou que deveria haver alguma maneira de combinar uma boa dirigibilidade com a excelente aderência à estrada proporcionada pela tração integral. Em 1937 publicou estudos a este respeito na Alemanha; agora ia realiza-los.

O conceito que ele bolou era radical: dois conversores de torque, um na frente, outro atrás do motor, para levar potência aos dois eixos. Com 46,5% do peso na frente, e 53,5% atrás, e um CG apenas 355 mm do solo, a proporção de peso mudaria pouco em aceleração. Então foi definido 35% do torque para frente, podendo crescer até 40% em alta velocidade. Foi a primeira vez que se falou em divisão de torque para as quatro rodas. A engenharia da GM acabou adotando um conversor de 11 polegadas atrás, e um de 10 polegadas na frente. Adiante de ambos os conversores, caixas de duas velocidades desenvolvidas para os Chaparral pela GM.

O carro de corrida de chassi tubular então recebeu uma carroceria criada por dois designers hoje famosos: Larry Shinoda e Tony Lapine, este último prestes a ser transferido para a Opel na Alemanha. Depois ganharia um spoiler traseiro, mas este, obra dos testes de Zora. O carro final pesava 730 kg, fazia o 0-100 km/h em 2,9 segundos, e chegava facilmente a 345 km/h, segundo testes da GM.

E por que não foi adiante? Primeiro, a GM não tinha real intenção de competir em Le Mans, assistindo de camarote as dificuldades e o dinheiro investido pela Ford, sem sucesso até 1966. Depois, concorrência interna: o departamento de pesquisa e desenvolvimento da GM, liderado por Frank Winchell, tinha seus próprios planos de competir com a Chaparral, e segundo Zora, “sabotou” seus planos realizando um teste na pista da Chaparral onde ficou atrás do GS-3 dele.

O GS3b: depois seria um Chaparral

Mas em ambas as tentativas, de 1962-1963, e na posterior de 1964, deixou aquele gostinho de imaginação no ar. E se tivesse ido adiante? Quem pode saber? O fato é que, finalmente, teremos um Corvette 4×4 e de motor longitudinal-traseiro-central. De algum lugar do além, Zora deve estar dizendo: eu disse que é assim que fica bom! Porque demoraram tanto?