Com a greve dos caminhoneiros chegando ao seu nono dia nesta terça-feira, boa parte do país ainda sofre com a escassez de combustível. Refinarias e distribuidoras seguem bloqueadas e os caminhões saem escoltados pela Força Nacional. Com filas, as cargas se esgotam rapidamente e muitos motoristas preferem aguardam o próximo carregamento na fila. Mas há ao menos uma cidade brasileira que não sofreu com a falta de combustíveis nesta última semana. Como? Simplesmente porque o combustível chega à cidade por trens.
Os trens são carregados dentro da Refinaria de Paulínia, e seguem diretamente por linha férrea até Bauru, onde abastecem as três unidades de recebimento existentes na cidade. De lá, o combustível é distribuído para os postos. Mesmo com quase 400.000 habitantes, a cidade não teve falta de gasolina nem diesel ao longo da semana. O etanol, por outro lado, é transportado por caminhões vindo de São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, e por isso não está chegando às cidades.
Bauru, infelizmente, é uma exceção em São Paulo e no Brasil: 65% do transporte de cargas do país é feito por caminhões e somente 15% é transportado por ferrovias. Os outros 20% são feitos por cabotagem, hidrovias, aerovias e dutos. O predomínio do transporte rodoviário começou nos anos 1950, quando o presidente Juscelino Kubitschek priorizou a infra-estrutura rodoviária para alavancar a recém-nascida indústria automobilística brasileira, mas seu problema vem desde os tempos do Império, quando as primeiras ferrovias começaram a ser construídas por aqui: elas usavam bitolas diferentes, o que impossibilitava a expansão da malha ferroviária por todo o território nacional. O Império nunca se preocupou em padronizá-las, e os governos republicanos posteriores tampouco, ainda que tenham levado a malha ferroviária de 9.000 km para 24.000 km em 40 anos.
Por que não temos trens no Brasil?
Foi ainda na República Velha que iniciou a priorização do transporte rodoviário: Washington Luís, presidente do Brasil entre 1926 e 1930, teve atribuído a si o lema “governar é abrir estradas” — embora isso fosse realmente necessário em uma época em que os carros e ônibus começavam a se popularizar no Brasil —, e seu sucessor Getúlio Vargas (ok, houve uma junta provisória antes, mas para efeito de narrativa Getúlio foi o presidente seguinte) deu início ao incentivo do transporte rodoviário no país, à estatização das ferrovias privadas de empresas estrangeiras e os investimentos em estradas de ferro despencou vertiginosamente.
Com todas as ferrovias operadas pelo Estado, a malha ferroviária chegou a diminuir durante o regime militar para reduzir o déficit operacional e impedir a falência do sistema. Desta forma, vários ramais considerados ineficientes foram desativados, reduzindo a malha dos 36.000 km dos anos 1950 para 26.000 km nos anos 1980.
Trem de Prata: um dos últimos trens de passageiros do Brasil operou até 1998
Sem investimentos, a malha ferroviária do Brasil chegou aos anos 1980 sucateado e superado pelos ônibus e caminhões, mais rápidos e eficientes. E foi assim que, com a redemocratização do país, os 26.000 km de ferrovias acabaram desestatizados por concessões. Atualmente o Brasil tem cerca de 28.000 km de ferrovias concedidas, porém somente 8.000 km estão ativos.
O principal problema do transporte ferroviário brasileiro é (além de todos aqueles problemas de toda obra pública) o custo de construção das ferrovias e o retorno do investimento. Diferentemente das rodovias, que se adaptam ao relevo, as ferrovias exigem que o relevo se adapte a elas, o que torna sua construção mais lenta e consequentemente mais cara. O investimento inicial até poderia ser compensado pela capacidade de carga, mas isto esbarra em outro problema ignorado pelo governo brasileiro: o prazo dos contratos de concessão. Atualmente as ferrovias concedidas têm prazos de apenas 30 anos, que é considerado um período curto para o retorno de investimento. Nos EUA, por exemplo, os contratos são de 60 a 80 anos, o que permite o retorno do investimento e a exploração econômica da infra-estrutura.
Outro inimigo do transporte ferroviário são as crises econômicas — que acontecem de quinze em quinze anos no Brasil. Sem dinheiro, não há como dar continuidade aos projetos — que geralmente se estendem além dos quatro/oito anos das gestões do governo e acabam interrompidos ou cancelados, caso dos 70km de ferrovias previstos para a Copa de 2014, dos quais nem um único quilômetro foi construído