Desde 2007 Ken Block nos presenteia com um capítulo de sua série de vídeos “quase-anual”, chamada Gymkhana. Até então, o piloto americano pegava um carro preparado e enfrentava uma série de obstáculos em um circuito pré-estabelecido – fosse um parque industrial abandonado, um percurso feito especialmente para o piloto ou as ruas de São Francisco. No total, foram nove vídeos e, honestamente, a coisa já estava começando a ficar meio cansativo.
Calma, não me xinguem. Eu sei que é sempre bacana ver um piloto habilidoso pilotando habilidosamente, mas é que nos últimos vídeos, uma inevitável atmosfera de “mais do mesmo” estava começando a tomar conta. “Olha lá, Ken Block fez mais uma Gymkhana!” E então a gente já sabia mais ou menos o que esperar.
Talvez por isso Ken Block tenha decidido mudar um pouco as coisas em seu décimo vídeo. Claro, ainda se trata de uma série de manobras que parecem fisicamente impossíveis em um circuito pré-determinado, mas há alguns detalhes que, ao menos para mim, fizeram a diferença e me deixaram com os olhos grudados na tela do começo ao fim de um jeito que não aconteceu com o vídeo anterior, por exemplo, por mais que tenha sido uma volta às raízes.
Antes de comentar, vamos assistir.
Primeiro: é Pikes Peak, dammit! Por mais que tenha sido inteiramente asfaltado há alguns anos e com isto, perdido parte do apelo para os fãs dos ralis (e, falando pessoalmente, de Gran Turismo 2), o trecho de 20 km (na verdade, 19,99) com linha de chegada a 4.300 metros de altitude ainda é um dos mais perigosos e alucinantes do planeta, com curvas beirando a borda da montanha por praticamente toda a sua extensão, alternando com partes onde se pode ganhar muita velocidade e diversos pontos com baixíssima visibilidade.
E então, há o modo como Block conduz o carro. Ele ainda é espalhafatoso e dá derrapagens controladas a todo momento, desviando de obstáculos estrategicamente colocados no asfalto (em certo momento há tratores e escavadeiras em movimento na pista), mas veja só: são menos obstáculos, e na maioria do tempo Block se foca mesmo em seguir o trajeto. É uma pegada entusiasta mais clássica, para mim. Outra coisa: em Pikes Peak, o risco real envolvido é muito maior que em um estacionamento de supermercado ou galpão abandonado – qualquer erro é potencialmente fatal quando a área de escape é o firmamento, e não uma caixa de brita ou canteiro. Em certos momentos, dá para ficar tenso imaginando o que aconteceria se o Mustang caísse pela ribanceira. Os outros vídeos da série não fizeram isso.
Bônus: é visível a inspiração em Climb Dance, o clássico de vídeo com o finlandês voador Ari Vatanen ao volante do Peugeot 405 Turbo 16, quando a subida ainda era toda de chão batido e deixava-se um enorme rastro de poeira.
Além da pegada mais “séria”, Climbkhana tem aquele que é facilmente o carro mais insano que Ken Block já conduziu em vídeo: uma gaiola com carroceria de Mustang 65 widebody, motor V8 de 6,7 litros derivado da Nascar com dois turbos (saindo pelo capô e cuspindo fogo pelo escapamento em diversos momentos) e 1.420 cv nas quatro rodas, moderados por uma caixa sequencial de seis marchas. Não tem para Subaru Impreza WRX STi, Focus ou Fiesta. O Hoonicorn V2 é um carro que chega a ser irresponsável de pilotar em Pikes Peak.
Vale lembrar que Ken Block não é exatamente um novato em Pikes Peak: em 2005, ele subiu a montanha ao volante de um carro do Grupo N de rali – uma das categorias de base do WRC, para carros com preparação leve. Block já chegou a dizer que foi uma experiência meio decepcionante, porque os carros do Grupo N são pouco potentes e a altitude prejudicava ainda mais o rendimento do motor, por conta do ar rarefeito em altitudes elevadas (com menos ar, há menos oxigênio e, consequentemente, a queima da mistura ar-combustível fica comprometida).
Em compensação, o ele também disse que o Hoonicorn é um carro praticamente incontrolável, o que tornou certas manobras um desafio gigantesco – como aos 5:24 do vídeo, quando Block coloca as rodas traseiras para fora do asfalto de propósito, chegando a centímetros do precipício. Aquele foi o exato ponto onde, em 2012, o Mitsubishi Lancer Evolution de Jeremy Foley escorregou e despencou – lugar apropriadamente chamado de Devil’s Playground, o “Parque de Diversões do Diabo”. Foley e seu co-piloto, Yuri Kouznetsov, saíram andando dos que restou do Evo.
Para mim, este é o melhor de todos os vídeos da série Gymhana, e será difícil de superar. Mesmo que em nenhum momento tenha sido mencionado o fato de que este é o décimo vídeo em dez anos, é uma boa forma de marcar a ocasião.
Qual foi sua parte favorita? O que você achou?