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Técnica

Como a Ferrari modernizou uma tecnologia dos anos 1970 para manter o V12 vivo e limpo?

Com a eletrificação e o downsizing cada vez mais presentes nos carros modernos, o motor V12 deverá resistir somente nos supercarros — esportivos ou de altíssimo luxo. Ele já foi abandonado pela Jaguar e pela Toyota e acabará deixado pela Mercedes-AMG e pela BMW nos próximos anos. Contudo, Aston Martin, Rolls-Royce, Ferrari, Mercedes-Maybach e Bentley (aqui na configuração W12) deverão mantê-lo vivo pela próxima década apesar.

Para contornar as restrições e tornar seus V12 mais eficientes, a Mercedes-Benz fez um downsizing de seu próprio V12 e deverá combiná-lo a motores elétricos para proporcionar suavidade aos modelos de luxo da Maybach. A Aston Martin fez o mesmo, usando deslocamento mais baixo e indução forçada. A Lamborghini já antecipou o futuro dos seus V12 com o Sian, que usa um supercapacitor para alimentar um motor elétrico auxiliar. A Ferrari também deverá usar sistemas híbridos leves, de 48 volts, mas esta não será a única ação de sobrevivência de seus V12.

Como mostraram os documentos enviados ao Escritório de Marcas e Patentes dos EUA, divulgados pela imprensa americana recentemente, a Ferrari está desenvolvendo um motor V12 de alta eficiência. Curiosamente, ele é baseado em um design criado pela Honda nos anos 1970, e deverá permitir diferentes modos de operação para obter o melhor equilíbrio possível entre controle de emissões, comedimento no consumo e desempenho. É esta semelhança — junto dos arquivos de registro do motor — , que nos permite explicar como este motor da Ferrari irá funcionar.

Por isso, vamos começar explicando o sistema da Honda, que foi criado com dois objetivos: manter o preço do carro acessível e atender a legislação ambiental da Califórnia, na época uma das mais restritivas do planeta.

Isso não era um grande problema com motores de grande deslocamento como o V8 350 da Chevrolet ou o V8 302 da Ford, que acabaram estrangulados para produzir menos potência e, assim, reduzir as emissões. Também não era um problema para carros de segmentos superiores, que poderiam cobrar pelos sistemas de injeção/ignição eletrônica. Mas para um carro de baixo custo com motor 1.5 estas opções não eram viáveis.

A solução foi usar a engenharia criativa, que resultou no motor Honda CVCC — sigla para Compound Vortex Controlled Combustion, ou “combustão controlada por vórtice composto”. O nome se refere à forma na qual a mistura ar-combustível chega à câmara de combustão, um vórtice composto.

Ele tinha válvulas convencionais de admissão e escape, mas também uma pequena válvula de admissão auxiliar, que permitia uma mistura ar-combustível mais rica perto da vela de ignição, passando por um duto que funcionava como uma pré-câmara de combustão, limitada por uma plaqueta de metal perfurada. Ao mesmo tempo, o restante da mistura ar-combustível era mais pobre, e passava pela válvula de admissão principal.

Durante a compressão da mistura na câmara principal, a mistura rica da pré-câmara era inflamada de forma que a frente de chama ficava completa e passava pelas perfurações da plaqueta quando o pistão chegava ao ponto morto superior e inflamando a mistura empobrecida da câmara principal. Com isso, a queima era completa, reduzindo o monóxido de carbono e os hidrocarbonetos expelidos pelo motor, sem a necessidade de usar recirculação de gases ou catalisadores.

Foi graças a este sistema que a Honda conseguiu consolidar o Civic nos EUA, tornando-o um sucesso improvável na terra dos muscle cars e “town cars” de cinco metros de comprimento.

 

O super V12 da Ferrari

Com o motor da Ferrari o negócio funcionará de forma parecida. Segundo as patentes, ele também terá um duto para mistura rica próximo à vela de ignição, enquanto a injeção de combustível será feita pela lateral da câmara de combustão. A ideia é solucionar as emissões na fase fria de funcionamento do motor, que é quando o catalisador é menos eficiente por estar frio e a mistura, via de regra, precisa ser mais enriquecida.

Ele irá funcionar da seguinte forma: a pré-câmara do V12 terá uma vela de ignição própria, enquanto a câmara de combustão terá a vela principal. Como praticamente todos os motores de injeção direta modernos, a ECU atrasa a injeção de combustível até o final da compressão. Nesse instante o combustível é injetado no ar comprimido e quente, misturando-se a ele antes do disparo da centelha. Isso permite uma mistura mais pobre com o motor aquecido, resultando em mais economia de combustível sem comprometer a produção de potência.

Com a pré-câmara de combustão, haverá uma segunda centelha para acelerar a queima — o que, evidentemente, acelera o fluxo de gases, algo desejável em um motor V12 Ferrari que gira 8.000 vezes por minuto. A frente de chama da pré-câmara será complementar à centelha da vela principal, algo como nos motores Twin Spark. Isso também ajuda a obter a queima completa, reduzindo a emissão de hidrocarbonetos.

Além disso, a variação do ponto de ignição e do tempo de injeção permitirá o controle da temperatura da queima, que poderá ser sutilmente elevado na fase fria para aquecer o catalisador mais rapidamente, otimizando o controle de emissões.

Ainda não sabemos com certeza em que carros este motor será usado, mas nos parece claro que ele estará nos próximos GT da Ferrari e, possivelmente, em seu crossover, além de edições especiais baseadas na linha GT. Ao que tudo indica, o V12 aspirado está salvo na Ferrari.